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Nirvana e Celtic Frost: o elo perdido

Há alguns anos, Dave Grohl revelou em entrevista que durante uma turnê do Nirvana, Kurt Cobain tocava sem parar uma fitinha cassete com Smithereens e Celtic Frost. Dá para entender que a sensibilidade pop e o som sujo do Nirvana tenham saído de combinações bizarras como espremer "A Girl Like You" e "Morbid Tales" na mesma fórmula.

Muito longe de Seattle, Thomas Warrior, mentor do Celtic Frost, era também um secreto admirador de música pop. A banda suíça regravou, com diferentes resultados, canções de gente como Roxy Music, David Bowie e Wall of Voodoo.

A troca de influências entre artistas tão diferentes resultou em discos emblemáticos. Cobain foi o artesão que resgatou a nata dos sons underground e a reprocessou na forma de um álbum que, há 20 anos, promoveu uma das últimas revoluções na música popular, dando início a uma corrida do ouro atrás das mais quentes bandas lado B.

A obra do Nirvana teve fim abrupto com In Utero, atestado de um artista em rota de colisão com a fama e cuja válvula de escape era a autosabotagem pop. Seus sucessos eram impiedosamente descontruídos ao vivo e canções pouco palatáveis eram incluídas num repertório que vinha de estrondosa aclamação.

Tom Warrior correu riscos inversos: levou a inventividade a um gueto fechado e radical. O sinistro power trio de Zurique já tinha flertado com o crust punk e formatado o som do death/black/goth metal quando, em 1987, lançou o inclassificável Into the Pandemonium.

O álbum costurava a conhecida sonoridade pesada e sombria com material nada óbvio. Da regravação de um sucesso da new wave até uma peça com arranjo de cordas na voz da cantora belga Manü Moan, passando ainda por um torto tema orquestral, uma faixa eletrônica e o encontro do metal europeu com backing vocals reminiscentes de R&B.

A influência do Nirvana, em sua existência relâmpago, é incomensurável. Nevermind tem status de grande arte e Grohl, sobrevivente na selva do music business, equilibra hoje o estrelato do rock de arena do Foo Fighters com pequenos prazeres como gravar com Killing Joke e Queens of the Stone Age.

O Celtic Frost seguiu trajetória errática até o final. Tentou arruinar a própria carreira ao emular o metal farofa de Los Angeles no álbum Cold Lake, cujo resultado é uma divertida e pouco comercial mistura de glam com barulho. Em 2006, o grupo saiu da letargia para gravar seu apropriado epitáfio musical: o sombrio e depressivo Monotheist, disco de cabeceira para góticos e fãs de vampiro em geral.

As aventuras musicais de um lado e outro se chocariam em "Big Sky", faixa do álbum homônimo do Probot. À distância de um oceano, um pouco do Celtic Frost e do Nirvana finalmente se encontraram.

Impossível é nada.


Em 1985, o Celtic Frost ataca de "Circle of the Tyrants"


"Breed": uma das gemas de Nevermind ao vivo

Queen e a obsolescência do rádio

Quando estou dirigindo, costumo ouvir rádio AM ou meus próprios CDs. FM? Muito raramente. Dia desses, com compromissos em diversos cantos da cidade, passei horas no carro e me rendi a ouvir a trilha sonora de terceiros.

Na última rádio rock que restou em São Paulo, escutava os velhos hits de sempre: "48 Crash", "Lucy in the Sky with Diamonds", "Rock'n'Roll". No fim da tarde, ouvi Queen pela terceira vez no dia. Um exagero, claro. Mas a última música, "Radio Ga Ga", trazia uma mensagem escondida.

Me recordo de quando a canção fazia sucesso, lá por 1984, e alguns fãs mais ortodoxos achavam que o Queen estava acabado. Eu gostava da música mesmo assim. Era muito garoto pra me importar com os 'velhos tempos' e gostava dos arranjos e daquela melodia meio tristonha.

Me agradava também o clipe promocional criado em cima de "Metropolis", clássico de Fritz Lang. O expressionismo alemão emprestava ares de um futuro retrô pra falar da era do vídeo e os tempos sombrios que aguardavam pelo rádio.

A boa sacada do Queen passou batida para muita gente. Lembro de "Radio Ga Ga" ser anunciada, na época, como uma homenagem ao rádio. Não era exatamente isso, ou era, mas de forma torta.

O baterista Roger Taylor, autor da faixa, vaticinava os riscos da obsolescência do rádio e antecipava em décadas as transformações da música pop e sua relação com o ouvinte.

O verso abaixo é profético e revelador:

So don't become some background noise
A backdrop for the girls and boys
Who just don't know or just don't care
And just complain when you're not there


(Então não se torne um ruído de fundo
Um pano de fundo pra garotas e rapazes
Que não querem saber ou não se importam
E só reclamam quando você não está lá)

Pelo menos 20 anos antes da hora, o Queen previa a chegada de uma juventude dispersa e para a qual a música é trilha acessória de tarefas banais.

E o rádio, gagá como nunca, há muito deixou de formar o gosto do ouvinte, de servir como plataforma de lançamentos e termômetro de popularidade. Buscou nichos de mercado pra sobreviver e reembalou tudo que é velho como clássico, atendendo uma audiência nostálgica e que, não sem alguma razão, desdenha do que a música atual tem a oferecer.

Proliferam os clichês, faltam conteúdo e inteligência. Os programetes são variações do mesmo tema e sem o menor cuidado com o básico: encadear canções para criar uma atmosfera. Vão de Steely Dan a Iron Maiden com a delicadeza de um gorila pintando porcelana.

O futuro é desanimador para quem espera alguma mudança significativa. Experiências fracassadas de uma estação com grife de college radio e de outra, abertamente comercial, que entregou por algum tempo a programação a Fabio Massari, reforçam o ceticismo.

Mas no marasmo da frequência modulada, nem é preciso esperar muito para ouvir Freddie Mercury dizer, outra vez, como há quase 30 anos, e só pra nos lembrar: "How music changes through the years".


Queen viaja no tempo para avisar que o rádio se tornava obsoleto

The BellRays volta para incendiar o Brasil

Quer ver um show de máximo impacto, num dia da semana menos concorrido, num horário decente e com um banda de sangue quente? Não é um convite, é uma intimação: na próxima terça-feira, dia 6, o quarteto soul-punk The BellRays volta ao Brasil para show no Clash Club. Imperdível.

Acho que já disseram que os BellRays são uma mistura do pré-punk de Detroit com blues, garage rock e uma band leader enfeitiçada por divas do soul como Aretha Franklin e Odetta. E se não disseram, faço minha a descrição: os BellRays são isso ou quase isso.

A banda está na ativa desde o comecinho dos anos 90, mas, pra muita gente, só entrou mesmo no radar na última década. O quarteto passeou por vários selos independentes sem se vincular a nenhum. Teve, inclusive, uma passagem pela Alternative Tentacles, de Jello Biafra, selo cuja variedade de artistas levou ao banimento de anúncios pela MaximumRockandRoll com a alegação de promover lançamentos que não eram exatamente punks.

Quem se importa? Jello, um audiófilo qualificado, abrigou os BellRays na gravadora do morcego e lançou o disco The Red, White and Black, de 2004. O álbum, de certa forma, encerra o ciclo de uma sonoridade mais crua e sinaliza a transição para um formato mais sofisticado, mas não domesticado, do excelente Have a Little Faith, de 2006.

Foi com esse disco na bagagem que os BellRays aportaram no Brasil para botar mais fogo no Inferno. Estive na apresentação antológica, em 2007, e vi o público dançar e se esgoelar com canções como "Tell the Lie", "Time is Gone" e "Detroit Breakdown".


Lisa Kekaula, front woman sem o padrão de beleza universal, mas com a sensualidade natural de uma cantora negra de soul, se equilibrava sobre um par de saltos e desfilava imponente num vestido colado e cintilante. A seu lado, uma banda envenenada que ganhou cancha em 20 anos de estrada e com ouvidos para a Motown e o MC5.

Me vi, lá pelas tantas, cantando o refrão de "Highway to Hell", do AC/DC,  com o microfone estendido pela senhora Kekaula que, antes, em momento embascante, havia descido do palco para cantar, no meio do público, a belíssima balada "Have a Litte Faith". Êxtase garage-soul-punk.

Quando os marketeiros de Barack Obama usaram "Revolution Get Down", dos BellRays, para incendiar a esperança em uma nova América multiracial, sabiam o que estavam fazendo.

Política continua sendo só política, mas nos BellRays vale a pena acreditar.


Clipe de "Infection", do álbum Hard Sweet and Sticky, de 2008

Uma prosa com Joey Shithead, do D.O.A.

Joey "Shithead" Keithley é uma das personalidades mais importantes do punk na América do Norte. Para os canadenses, então, é um autêntico godfather.

Aos 55 anos de idade, Joey permanece ativo com sua banda D.O.A. Já são mais de 3 décadas de carreira, 15 álbuns de estúdio, dois livros, um disco solo e outro, seminal, ao lado de Jello Biafra. 

No momento em que esta coluna é escrita, o D.O.A. está encerrando sua primeira turnê pelo Brasil. Foram três shows: o primeiro em Curitiba, o segundo em São Paulo (foto abaixo) e o último, deste domingo, no Rio de Janeiro.

A banda aterrissou no Brasil na quinta passada, dia 17, e fui convidado para um jantar de boas-vindas aos canadenses. Por um desses acasos, meu lugar na mesa era aquele ao lado de Joey Shithead. Apreciador de uma boa conversa, não se importou em relembrar inúmeras histórias sobre os primórdios do punk na América do Norte, o rock canadense e muito mais.

Joey me contou, por exemplo, como foi abrir um show do David Lee Roth em Vancouver.

"Estava programado para que o Poison tocasse, mas um integrante deles quebrou o braço e fomos convidados em cima da hora pra susbtitui-los. Tinha quase 15 mil pessoas no lugar e muita gente na primeira fila atirando moedas em nós. Os seguranças do David gostaram da gente e começaram a dar porrada em quem jogava coisas no palco. Depois, nos camarins, aprontamos várias e fomos expulsos pelo empresário dele. Mas David é um cara direto, sem frescuras. E na época era um completo 'party animal'. Cheirava várias e frequentava todos os inferninhos".

O Canadá tem assuntos variados na cultura rock. Citei alguns nomes menos óbvios e deixei Joey discorrer, entre uma e outra garfada num delicioso siri.

"Nardwuar é um bom entrevistador. Tem um grande conhecimento musical. Mas da primeira vez que ele me entrevistou, quase saí andando depois de 5 minutos. Não tinha entendido qual era a daquele personagem. O Razor? Não sei nada sobre eles, exceto que fizeram um documentário a respeito dos caras. Ah, esse é o Anvil? Não sei quem é quem. E nunca vi o documentário. O Michel [Langevin, baterista do Voivod] já tocou com a gente em um show beneficente. Ensaiamos por uma tarde e ele tocou umas 12 músicas. É um cara bacana. Do BTO [Bachman-Turner Overdrive] tenho boas lembranças: fizemos um show com eles em um presídio de segurança máxima no norte do Canadá. Era a primeira apresentação do BTO com a formação original em uns 20 anos".


Joey me perguntou se eu recomendava alguma loja de discos em São Paulo. Expliquei o que era a Galeria do Rock e de como Jello Biafra comprou uma enormidade de LPs por lá.

"Sim, eu posso imaginar. Ele tem uma coleção enorme. Uma grande sala com álbuns do chão até o teto. E tudo organizado alfabeticamente! Se você perguntar a ele sobre um LP qualquer, ele dá uma olhada rápida e já puxa o disco da estante. É incrível. Existe um tipo de colecionador que compra de tudo, e existe aquele que só coleciona o que realmente gosta. Jello faz parte do segundo tipo. Não sei quantos álbuns ele tem, mas, baseado em um veterano radialista de Vancouver a quem ajudei a remover 40 mil LPs, eu arriscaria dizer que Jello tem uns 20 mil discos".

Não dá pra papear com um ícone punk sem falar de outros protagonistas. Mencionei que, em 1999, hospedei Mykel Board, célebre colunista da MaximumRockandRoll, e que o mesmo me disse que só havia duas pessoas em toda a cena punk pelas quais ele colocaria a mão no fogo. Uma delas era Tim Yohannan, fundador da própria MRR, falecido em 1998.

"Tim era uma grande figura. Você debatia com ele por 4 ou 5 horas sobre punk e política, e, no final da conversa, via que ele não tinha mudado uma vírgula em sua forma de pensar. Era muito teimoso e idealista. Mas o papo terminava e continuávamos amigos. Ian MacKaye também é muito íntegro. Mantém os mesmos princípios após todos esses anos. Mas quem é a outra pessoa que ele [Mykel Board] disse que não se venderia?".

Respondi que era G.G. Allin.

"Ah, não tenho muito respeito pelo G.G. Allin. O cara nunca escreveu uma música que preste. Era basicamente um encrenqueiro". Comentei que, mesmo assim, G.G. deixou sua marca. Joey concordou: "Bom, isso é verdade. E também não quero falar mal do cara. Ele nem está mais entre nós. Ah, deixa isso pra lá. Um brinde a ele!".

Erguemos as taças e brindamos G.G. Allin.

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Em breve no portal Rock Press, uma entrevista que realizei com Joey Shithead, no backstage do show do D.O.A em São Paulo, na qual ele revela como foi gravar com Jello Biafra, fala sobre Chuck Biscuits, a origem do hardcore e muito mais.


D.O.A toca a quintessencial "The Prisoner", em Vancouver, em 1992

As mil vidas de Keith Richards

Keith Richards recebeu alardeados 7 milhões de dólares para escrever a autobiografia Life (Vida, na edição brasileira). Se o valor é astronômico, o título da obra, no singular, é modesto. Keef viveu muitas vidas numa só.

Viveu uma infância simplória em Dartford, pantonoso subúrbio de Londres, em tempos de reconstrução pós-guerra. Na mesma existência, virou protagonista numa Inglaterra enlouquecida pelo rock'n'roll e a beatlemania. Ficou milionário, tornou-se um notório junkie, ganhou status de ícone e é um guitarrista cultuado.

Mas também constituiu loucamente uma família com Anita Pallenberg, ex de Brian Jones, então viciada em heroína e ao lado de quem perdeu um filho de poucos meses em circunstâncias mal explicadas.

De todas as facetas de Keith, talvez a mais predominante seja mesmo a do músico. O cara discorre durante páginas sobre determinado riff ou acorde com incrível paixão. Explica como demorou anos para descobrir como tocar corretamente tal e tal lick de Jimmy Reed ou Chuck Berry. Um workshop quase gratuito para guitarristas.

Keef revela, ainda, como ter optado por uma guitarra com 5 cordas e adotado a afinação aberta transformou-se em sua assinatura musical. Fala também das histórias por trás da composição de riffs monstruosos como "Jumpin' Jack Flash" que, segundo ele, é mais ou menos "Satisfaction" tocada de trás pra frente. E não é?


No calhamaço de mais de 600 páginas, há causos e revelações às pencas. Da famosíssima sessão de gravação do clássico Exile on Main St. até os incontáveis flertes com a morte. Da vida glamourosa com temporadas na costa da França, na Roma do CineCittà e na misteriosa Marrakech, até lembranças do massacre no festival de Altamont, evento que, metaforicamente, e ao lado dos assassinatos Tate-LaBianca, iniciou o processo de distopia que desembocou nos anos 70.

A década, aliás, é tratada por Keith como um verdadeiro buraco negro em que foi tragado pelo vício frenético em heroína. O guitarrista não se gaba da fama de junkie, mas explica como seu modus operandi e o uso de drogas farmacêuticas de ótima procedência, como a cocaína da Merck, evitaram um desastre maior. A carcaça resistiu, mas idas ao tribunal foram muitas -algumas realmente hilárias-, e também deprimentes momentos de sarjeta.

Nas memórias de Richards, Charlie Watts é sempre lembrado pela elegância no trato e no ofício de baterista. Brian Jones era um causador de problemas e Bill Wyman, quase um anônimo. Mick Jagger, alma-gêmea de Keith, claro, é merecedor de muitos parágrafos ao longo de quatro décadas de reminiscências: do amigo inseparável e possessivo a um pop star distante e deslumbrado com o jet-set.

O trânsito livre pelo mundo da música rendeu dedicadas incursões na cultura rasta jamaicana, viagens de ácido com John Lennon, uma tarde de jam session com Jerry Lee Lewis, namoro com Ronnie Spector, um histórico encontro com Chuck Berry e seu esquecido baterista, e discos solo com a charmosa banda de apoio X-Pensive Winos.

Por trás das excentricidades, Richards revela-se um homem culto e com uma afiada, ainda que singular, visão de mundo. E viveu, mas viveu muito.


Os puristas que me desculpem: toda a maestria de Keith Richards em "Rock and a Hard Place"

10 filmes rock'n'roll para seu fim de semana

Rock'n'Roll High School
(Rock'n'Roll High School, 1979)
Misture um clipe do Twisted Sister com qualquer filme retardado sobre fraternidades estudantis, de preferência com um aloprado como John Belushi, e você tem Rock'n'Roll High School. Anárquico até o caroço e com a participação dos Ramones como a banda endeusada pelos alunos rebeldes. Já valeria pela imperdível cena com Dee Dee Ramone tocando baixo no banheiro da maluquete Riff Randell.

Estranhos no Paraíso
(Stranger Than Paradise, 1984)
O cineasta cult Jim Jarmusch viu e ouviu tanto punk rock na vida que é o único não-músico entrevistado no documentário Punk: Attitude, de Don Letts. Isso diz alguma coisa. O clássico "I Put a Spell on You", de Screamin Jay Hawkins, dá liga nessa história minimalista sobre um cool e entediado novaiorquino que recebe a inesperada visita de uma prima vinda da Hungria.

Repoman - A Onda Punk
(Repoman, 1984)
Participação do Circle Jerks, ponta do lendário disc-jóquei Rodney Bingenheimer e ótima música-tema de Iggy Pop num dos roteiros mais absurdos de todos os tempos. Mistura de punk rock, OVNI's e teorias conspiratórias com o submundo da busca e apreensão de veículos. Não entendeu? Assista.

Um amor e uma .45
(Love and a .45, 1994)
É o filme que Eddie Spaghetti teria feito se fosse cineasta. Road movie psicodélico sobre um casal de foras-da-lei que foge para o México após se meter numa série de confusões. Tem Peter Fonda como um hippie sequelado pelo ácido e Reverend Horton Heat -em pessoa- tocando num bordel imaginário ao sul da fronteira. Direção musical de Tom Verlaine e trilha sonora faiscante com Butthole Surfers, Flaming Lips, Meat Puppets e Johnny Cash.

Velvet Goldmine
(Velvet Goldmine, 1998)
O herói (ficcional) do glam rock Brian Slade desaparece do mapa após incendiar a década de 70 e forjar a própria morte. Em 84, um jornalista britânico tem a tarefa de encontrar Slade e passar a limpo sua história selvagem na música pop. Livremente inspirado em David Bowie, fase-Ziggy, e em Iggy Pop, via o personagem Curtis Wild, intepretado com vigor por Ewan McGregor.


Quase Famosos
(Almost Famous, 2000)
Cameron Crowe faz um relato semi-autobiográfico sobre sua adolescência como repórter da Rolling Stone. No filme, um garoto de 15 anos embarca na turnê da banda Stillwater -mui inspirada nos Almann Brothers- para conseguir sua primeira matéria. Uma história sobre a perda da inocência, os excessos e a megalomania do rock dos anos 70 entupida de referências.

C.R.A.Z.Y.
(C.R.A.Z.Y, 2005)
Produção canadense traz um drama familiar singular, repleto de referências pop e o melhor uso de Pink Floyd no cinema. O protagonista, Zac, em conflito com a sexualidade, viaja em seu mundo particular ouvindo "Space Oddity", de Bowie, mas tem que lidar com um pai machão cujo maior objeto de fetiche é um LP da cantora country Patsy Cline. Um dos melhores filmes dos anos 00.

Tenacious D - Uma Dupla Infernal
(Tenacious D in the Pick of Destiny, 2006)
Um músico de rua de meia-idade, sustentado pela mãe, ganha um fã incondicional e monta com ele uma dupla que busca chegar ao megaestrelato. Antes disso, porém, eles precisam encontrar uma palheta de guitarra mágica e feita com lascas do chifre do capeta. Participação hilária de Ronnie James Dio e um Jack Black incontrolável.

Adventures of Power
(Adventures of Power, 2008)
Já imaginou escrever um roteiro baseado em personagens que praticam air guitar? Então esqueça: Adventures of Power é mais pirado que isso. O filme trata de um nerd apaixonado por música e com zero talento musical que descobre no air drums sua verdadeira vocação. E tudo vai mudar quando ele se conectar ao submundo dos aspirantes a air drummers. Um besteirol surreal inédito no Brasil.

Piratas do Rock
(The Boat that Rocked, 2009)
Na década de 60, um barco em águas internacionais hospeda uma rádio pirata flutuante com um bando de DJ's alucinados. Recriado com o mood ingênuo da época, o filme é uma homenagem ao rádio e aos swingin' sixties. Atuações imperdíveis de Phillip Seymour Hoffman e Bill Nighy, e uma trilha crocante com Kinks e Stones.

Gostou da lista? Comente e indique seus filmes.


Nada é impossível: air drums como tema de um longa-metragem


Em C.R.A.Z.Y., é melhor não brincar de imitar Ziggy Stardust

Como Redson e o Cólera criaram o punk no Brasil

Acabaram os shows intermináveis, os discursos pacifistas, a guitarra nervosa, os coturnos e os punhos cerrados.

Redson, líder do Cólera, morreu nessa madrugada. Tinha 49 anos de idade e é o primeiro dos grandes ícones do punk brasileiro a sair de cena e entrar para a história.

Em 1987, quando publicava meu primeiro fanzine impresso, ganhei uma foto ampliada e muito bonita do Cólera: Redson dava um salto, empunhando a guitarra, em um show no há mui extinto Radar Tantan. Décadas antes das câmeras digitais, botar as mãos numa fotografia original, e daquela qualidade, era raro.

Junto com a foto, consegui uma cópia, gravada em cassete, do clássico álbum Tente Mudar o Amanhã. O estrago estava feito. Não importava mais o que escrever sobre a banda, apenas ouvir aquela fitinha, o tempo todo, e, meses depois, ter que remendar seu magnético de tão emaranhado.


Os discos do Cólera eram gravados com parcos recursos. Os primeiros LPs de punk rock registrados no Brasil, aliás, têm esse som cru, às vezes sem peso, mas sempre com execuções sinceras e energéticas.

De todos os protagonistas daquela geração, foi Redson quem desenhou a sonoridade definitiva do punk brasileiro. Costuras de guitarra em faixas como "Amanhã" mostram que ele tinha ouvidos para o pós-punk, e, anos depois, em "Caos Mental Geral", já podia brincar de criar arranjos punk inspirados nas trilhas de spaghetti western.

Em 1999, estive envolvido na produção de um disco tributo ao Olho Seco, outra das bandas históricas do underground paulistano. Redson, que participou brevemente da primeira formação do grupo, rouba a cena no projeto. Não apenas juntou-se a Fábio Sampaio e outros integrantes originais, para registrar uma canção com o lendário line-up, como gravou três faixas, sozinho, como Cólera.

Os produtores quebraram a cabeça para que Redson aceitasse usar os recursos tecnológicos de então e fazer sua guitarra soar mais pesada, mais "crunchy". Não adiantou: punk rocker convicto, e com conhecimento empírico de sua arte, Redson já tinha, há anos, sua própria assinatura sonora. Antes de gravar, já sabia exatamente como os instrumentos deviam soar.

Vi incontáveis shows do Cólera ao longo dos anos. E acredite, nenhum ruim.

A última vez que vi Redson foi no aniversário de meu irmão. A maioria bebia, conversava ou jogava snooker. Redson, numa mesa de canto, entretinha meia-dúzia de fãs tocando violão com desconcertante simplicidade.

Hoje sua morte repercute em grandes veículos de comunicação e é lamentada por todos os canais de internet.

R.I.P., Redson.


Cólera toca "Medo" no extinto programa Musikaos, da TV Cultura

Rock in Rio vende diversão segura

Não consigo imaginar um cenário em que a música seja mais mal tratada que um festival como o Rock in Rio. É tudo fake: conceito, público, cobertura midíatica e, em certa medida, os próprios artistas.

Reclamar que o festival é mais pop que rock virou lugar comum. Mas quem, com um pingo de juízo, esperava por uma curadoria séria num negócio milionário como esse?

Faz todo o sentido a presença de gente como Rihanna, Shakira e Katy Perry num evento em que a música só parece atrapalhar. Sim, porque o RIR tem roda gigante, tirolesa e até salão de beleza, no que está mui conectado à relação da juventude com a música.

Em 1985, quando eu tinha 14 anos incompletos, já questionava as presenças de Elba Ramalho e Ivan Lins no festival. Um quarto de século depois, a queixa por "mais rock" soa datada.

E há outra coisa que incrivelmente não mudou: o tratamento global para algo tão assimilado e estabelecido como o rock'n'roll. Os "rockeiros" são mostrados em sua faceta mais gloriosamente débil, o que apenas justifica o empacotamento da festa como a diversão segura que de fato é.

O setor VIP, essa coisa tão brasileira, também pede passagem. Famosos saem do armário ao vivo: uma atriz jura que é fã dos Chili Peppers desde criancinha; outra confessa que gosta mesmo é de samba, mas que o Sepultura tem uma "guitarra gostosa". Sério.

O deserto de bandas brasileiras minimamente relevantes assusta. É como se não tivesse surgido ninguém em décadas para suceder a geração 80. Um modorrento encontro de Titãs e Paralamas manda o recado, enquanto o Capital Inicial, em sua incansável cantilena sobre o rock de Brasília, e com um Dinho Ouro Preto tão messiânico quanto gagá, bate os últimos pregos no caixão.

O line-up do festival em seu primeiro final de semana é deliciosamente confuso. O Snow Patrol encara 100 mil pessoas armado de um hit solitário e derrapa na introdução da faixa. "Isso é bastante incomum, mas pelo menos você vão ter os Chili Peppers depois", lamentou o vocalista com algum humor.

Só que o quarteto angeleno aparece sem brilho, numa performance que foi repetidamente chamada de "arrasadora" pelo jornalismo silvícola. Anthony Kiedis, zilionário, não se constrange em fazer um merchan safado para a Brahma. Já Flea, mais discreto, se restringe a homenagear o país com a camisa da Seleção. Bastante original.

Ao final de um set list mais frio que quente, outra homenagem, dessa vez ao falecido filho da global Cissa Guimarães. Um inocente e bem orquestrado aperitivo para os megaeventos internacionais que se avizinham e que terão as mãos e os braços dos Marinho, de Nizan Guanaes e companhia. Vá se preparando.

A famosa e concorrida "noite do metal", que começou em 1985, com AC/DC, Ozzy Osbourne e outros, é onde, dizem, está o rock que dá nome ao festival. Mas a sensação de artificialidade permanece. O que justifica a histeria do público pelo Motörhead, que toca todo ano no Brasil e que há apenas 6 meses excursionava por aqui? Talvez, como Zeca Camargo, os metaleiros de ocasião acreditavam tratar-se da primeira vez da banda em nosso país.

Uma falha no amplificador de Lemmy é espertamente escondida na edição ao vivo, enquanto Phil Campbell enche lingüiça. Na saída do palco, o cinegrafista encurrala Lemmy, que é flagrado discutindo com um técnico. Cabe a Campbell enxotar, ao vivo, o cameraman abelhudo. Corta para o estúdio do Multishow, e o baterista Mikkey Dee lamenta as falhas técnicas. As apresentadoras se surpreendem: "Olha, ele tá falando de alguns probleminhas, mas a gente nem percebeu, viu".

As bobagens se sucedem. "Os caras do Metallica são uns fofos, pais de família e que estão sossegados na casinha deles lá na Califórnia". Aham. E a colega da apresentadora retruca: "Nossa, e já tem 12 anos que eles não tocam no Brasil, né?". Que tal 2010?

Teipes com os destaques do dia tapam buraco na transmissão ao vivo do tal Palco Mundo. O ótimo Mondo Cane -possivelmente a grande atração artística do festival- é mostrado em 20 segundos, nos quais Mike Patton nada canta. Sensibilidade zero. Já o Korzus e uma coisa chamada "punk metal all stars" -que tinha até East Bay Ray, veja só- foi privilegiado com uma música exibida na íntegra e na qual o vocalista puxa um côro do hino nacional. Mas hein?

Slipknot é uma das encrencas que sobrou do enfadonho nu metal. Mesmo assim, e estranhamente, eles trazem algo que faltava ao festival: esculacho. No meio de tanta brodagem e entretenimento seguro, alguns riffs emprestados do death metal, os dedos médios em riste e as fantasias escrotas cumprem o papel de avacalhar com a assepsia geral. Pena que a música seja indicada unicamente a rockeiros imberbes.

Sobrou ao Metallica, ex-banda em atividade, surpreendente momento de lucidez. James Hetfield parece ter descoberto, ainda que tardiamente, que não precisa morrer com os cacoetes vocais da década de 90 e que é melhor respeitar seus clássicos do que assassiná-los.

Basta dizer que, das 5 primeiras canções do show, 4 foram tiradas de Ride the Lightning, disco anterior ao primeiro Rock in Rio, o que, por si só, já diz muita coisa.

No meio do set, uma improvável execução da instrumental "Orion" faz a banda ressurgir dos mortos. Um dos poucos momentos em que o RIR mostrado na TV valeu à pena.


Obra do acaso: Metallica surpreende no Rock in Rio

Black Sabbath e a arte de criar Paranoid, o disco

Ainda bem que existe música gravada. Não fossem os discos, e seria impossível ilustrar as evoluções na engenharia de som ou pontuar a carreira de um artista.

Talvez isso explique porque, em plena era digital, ainda se grave álbuns. Ninguém pensou em nada melhor para encapsular o zeitgeist do que produzir um disquinho de plástico, com título, capa, encarte e todo o resto.

A série "Classic Albums", do canal VH1, consagra a ideia do disco como o testamento de um artista para a história. Um de seus mais recentes episódios, dedicado ao emblemático Paranoid, do Black Sabbath, chega em DVD ao Brasil.

É imperdível ver os quatro senhores ingleses dissecando, cada qual à sua maneira, aquela que foi a pedra fundamental do heavy rock, gravada em 1970.

Paranoid não representa o apogeu técnico e criativo do Sabbath, mas sua importância histórica se justifica pela quantidade de invenções que continuam a ser copiadas 40 anos depois: da palhetada em "Hand of Doom" às duas toneladas de peso de "Electric Funeral".


Como já é de praxe em "Classic Albums", somos levados ao estúdio para ouvir os masters, enquanto o engenheiro de som original -Tom Allom- desliza os botões para destacar as pistas de gravação de baixo, guitarra, voz e bateria.

O segmento sobre a balada riponga "Planet Caravan" é um de meus favoritos. Que tal ver Toni Iommi tocando a canção no violão depois de décadas? E descobrir que alguns dos efeitos na música eram apenas de botões sendo ligados e desligados no estúdio?

Cada canção tem sua história. Geezer Butler confirma a lenda de que "Fairies Wear Boots" é uma sacanagem de Ozzy com os skinheads que lhes distribuíam botinadas. Já "Iron Man" ganhou esse título pela sonoridade de guitarra estranha e metálica e que Iommi revela como foi obtida.

A conjuntura sociocultural também explica muita coisa sobre o repertório. O álbum, como há muito revelado, era pra ser chamar War Pigs, mas a Warner Bros, receosa de entrar numa saia justa em plena Guerra do Vietnã, descartou a ideia.

A capa já estava pronta e uma canção escrita de última hora virou o novo título do disco. Um dos acidentes mais felizes da história do rock.

Bill Ward relembra que "Paranoid" foi composta em 20 minutos, após a banda voltar do pub com a tarefa de preencher mais 3 ou 4 minutos no disco. Toni Iommi sacou o riff da cartola e a banda apenas foi atrás.

O álbum vendeu 8 milhões de cópias nos EUA. E entrou para a história.


Trailer do episódio de "Classic Albums" dedicado a Paranoid.


"Electric Funeral", ao vivo, em 1978, na última e atribulada turnê com Ozzy.

Nova bomba atômica dos Datsuns sai em 2011

Você não sabe nada de kiwi rock? Não se preocupe, pouca gente sabe.

Kiwi rock é, simplesmente, o rock'n'roll feito na Nova Zelândia. O nome é estranho, mas não tem qualquer relação com a fruta. Kiwi é a ave-símbolo do país.

O assunto só é pertinente porque a maior banda neozelandesa está em estúdio, preparando o que promete ser mais uma bomba atômica.

Datsuns é um grupo formado por músicos precoces e talentosos. Gravaram 4 discos desde o ano 2000: o primeiro entrou na parada de sucessos britânica, o segundo foi produzido por ninguém menos que John Paul Jones e o terceiro -Smoke and Mirrors- é uma pequena gema.

Em 2008, fizeram uma parada completamente improvável no Brasil. Tocaram no festival Abril Pro Rock, no Recife, e esticaram até São Paulo. E isso na mesma semana em que o público da cidade se dividia para ver, pela primeira vez, e em noites diferentes, Bad Brains e New York Dolls.


Sem divulgação, o show dos jovens arautos do kiwi rock atraiu menos de 200 pessoas ao clube Inferno. Pior: a banda subiu ao palco no surreal horário das 3 da manhã. Mas quem pensa que o cenário foi desanimador não pode estar mais errado. A apresentação dos Datsuns foi arrebatadora.

O quarteto executou com total entrega seu power pop garageiro, cheio de licks, solos e refrões de lavar a alma. Com experiência de tocar em grandes festivais, os neozelandeses pareciam pouco incomodados com as circunstâncias e simplesmente implodiam a casa num desses sets inacreditáveis.

Às 4 da matina, os caras faziam um bis acachapante em meio à névoa de cigarros: Phil Somervell mandava power chords à la Pete Townshend, seu colega Christian Livingstone triturava uma Les Paul com solos recheados de wah-wah e o frontman Dolf de Borst se esgoelava, equilibrando-se em um par de botas mod. Puro rock'n'roll.

A chance de rever os Datsuns no Brasil é mínima. Mas "Gods Are Bored", prévia do novo disco, que sai ainda em 2011, é pra fazer qualquer um amar kiwi rock.




Datsuns quebram tudo com "Motherfucker from Hell"

Isaac Hayes, o último bad motherfucker


Há 3 anos morria o maior gênio do soul/funk. Isaac Hayes, cantor, compositor e arranjador, criou não apenas a célebre trilha sonora de Shaft, premiada com o Oscar, mas também uma das pedras fundamentais da soul music: Hot Buttered Soul, de 1969.

A riqueza dos arranjos e a voz de veludo, ajudaram Isaac a fazer história na Stax, gravadora do Tennessee que dividia com a Motown os talentos da black music entre as décadas de 60 e 70. Mas Isaac não era só talento musical. O homem também tinha um incrível senso de estilo: cabeça raspada, óculos escuros e alguma corrente de ouro de 2 quilos. E, claro, nada de usar camisa. Um autêntico bad motherfucker, como ele se autoproclamava.

 

Em tempos de luta pelos direitos civis nos EUA e do subgênero de cinema batizado de blaxploitation, que o próprio Hayes ajudou a popularizar como ator, esse visual era, acima de tudo, uma declaração de autoestima, estilo e malandragem.

Em sua fase mais inspirada, Hayes assinou ainda outro clássico: Black Moses, de 1971. O disco saiu no mesmo ano de Shaft. Impressionante. O LP tinha uma capa sensacional: quando aberta ganhava um formato de cruz e estampava a foto do cantor como o "Moisés negro". A Taschen incluiu Black Moses entre as melhores capas de todos os tempos no livro "1000 Record Covers".

Na metade da década de 70, a Stax praticamente faliu e Isaac se enrolou todo em contratos e dívidas. Assinou a rescisão pra tentar minimizar o estrago e montou seu próprio selo: Hot Buttered Records.

Hayes embarcou nos embalos da disco music e produziu dois álbuns baseados na sonoridade que tomava a América de assalto. O LP Don't Let Go é um estouro. Mas mesmo com o relativo sucesso, o selo também afundou em dívidas e, tal qual James Brown e tantos outros, Isaac viu seu patrimônio ir para o vinagre.

O artista ensaiou uma volta nos anos 80, mas só começou a se recuperar financeiramente quando tornou-se o dublador oficial do esperto personagem Chef, do seriado South Park.

Isaac -pai de 12 filhos- voltou à ressuscitada Stax após uma briga bizarra que o afastou de South Park e planejava lançar um álbum em 2009. Seria seu primeiro de inéditas desde Raw & Refined, de 1995.

De tudo que produziu ao longo de 4 décadas, Isaac Hayes será sempre associado à colossal trilha sonora de Shaft. Ele conseguiu ali, numa única tacada, representar a sonoridade de toda uma época. É como se os primeiros segundos de "Theme from Shaft", com o famoso chimbau e a guitarra com wah-wah, sinalizassem que os anos 70 tinham chegado.

Não é pouco.


Isaac Hayes racha o concreto em 1973 com a versão ao vivo de "Theme from Shaft".

Sweatmaster morre jovem e fazendo barulho

Randy Newman, notório compositor e pianista americano, faz chiste com a ideia de que rockeiros não se aposentam. E é a pura verdade. Ozzy, Iggy, Paul McCartney, Chuck Berry, os Stones. Estão todos por aí.

Mas, vez ou outra, uma banda jovem e cheia de vitalidade puxa o plug. Assim, sem explicação. Param com data marcada, turnê de despedida e se divertindo de montão. Die young, stay pretty. Como na canção do Blondie.

O caso da vez é o trio finlandês Sweatmaster. Daqui a 2 meses, os caras fazem o último show em sua cidade natal. Se despedem entre amigos e depois, dizem eles, nunca mais.

Desconheço os motivos do Sweatmaster parar tão cedo, mas há algo charmoso em escrever rapidamente uma discografia, criar uma impressão e sair de cena. Fica a música.

 

O primeiro álbum de estúdio dos finlandeses tem apenas 9 anos. Desde então, gravaram mais 3 discos - Dig Up the Knife, do ano passado, é o mais recente.

A década de atividade tornou o Sweatmaster uma banda cult entre os adeptos de garage rock. Ficariam famosos com mais tempo de estrada? Provavelmente não, mas a gente ia se divertir bem mais.

Rock'n'roll cru, direto e que te pega pelas tripas é uma especialidade escandinava. Não dá pra errar quando esse tipo de música é executado com a petulância devida e o Sweatmaster sabia disso. Tocavam como se não houvesse amanhã. Não houve.

A morte anunciada do grupo só aumenta a lacuna. Os noruegueses Gluecifer e Turbonegro, e o sueco Hellacopters, todos acachapantes, também foram cedo demais para o cemitério do rock.

Die young, stay pretty. Melhor assim.


80 vezes "Animal": receita para o hit alternativo do Sweatmaster. Vai fazer falta.

Iron Maiden - A serviço de Sua Majestade


Nada representa melhor a ideia da civilização ocidental que a aristocracia britânica. Os modos, a pompa, a circunstância. Está tudo ali.

Muito disso está impregnado em sua gente - do hooligan de dentes estragados ao cantor de britpop com ar blasé. Como diria Christopher Lee num filme B: "Somos ingleses, entende?".

O documentário Iron Maiden: Flight 666, em cartaz até pouco tempo na HBO, é sobre a vida de músicos durante uma turnê. Mas é também sobre uma nova velha forma de colonialismo.

O filme se concentra na primeira parte da turnê espertamente batizada de "Somewhere Back in Time" e mostra os decanos do heavy metal britânico varrendo a borda do mundo em um opulento Boeing 757 personalizado: Índia, México, Costa Rica, Argentina, Colômbia, Brasil, Chile.

A fita ecoa algum interesse sociológico. Como na emblemática cena de um colombiano de uns 30 anos de idade, chorando copiosamente após apanhar a baqueta de Nicko McBrain. A imagem, sozinha, resume o filme.

Não importa se a parte não-documentada da tour tenha ocorrido na Europa ou se, mesmo no filme, vejamos a banda em ação na Austrália, Japão, EUA e Canadá. A paixão desmedida pelo Iron Maiden reside mesmo é na periferia do mundo.

O viajado Bruce Dickinson finge surpresa ao descobrir que tem público na Costa Rica. Se refere ao país basicamente como uma selva. Pouco depois, vemos costarriquenhos correndo atrás do ônibus da banda como refugiados atrás de ajuda humanitária.

Na Argentina, o assédio deselegante incomoda os músicos. No Chile, lembram de quando foram proibidos de se apresentar pela igreja católica, endossada pelo regime Pinochet. No Brasil, um pastor evangélico pirado mostra as dezenas de tatuagens da banda e tenta explicar como inclui o heavy metal na liturgia. Tudo soa exótico e atrasado.

De seu lado, os ingleses são pura classe. Nicko McBrain usa as horas livres para jogar golfe, vestido à rigor. Steve Harris viaja em companhia da família. Bruce Dickinson pilota o Boeing com a elegância de um comandante internacional. Os três guitarristas são bon-vivants.

Não há excessos, desavenças ou grandes revelações. Os protagonistas são unidimensionais: músicos passados da meia idade, muito ricos, adulados e de bem com a vida. Nada da bebedeira solitária do Lemmy ou dos percalços tragicômicos do Anvil.

Mas a história desses e suas imperfeições rendeu filmes bem melhores.

Frank Zappa para iniciantes

Já me deparei algumas vezes na situação de tentar explicar a música do Zappa para algum não-convertido. E acredite: não é fácil. Além de o assunto ser deveras extenso, ainda existe um componente que dificulta a conversa: o tamanho e o ecletismo da obra zappiana.

Talvez o ideal seria apresentar antes o universo de interesses de Zappa, o papel que o humor desempenha em sua música e contextualizar os principais marcos de sua discografia. Mas qual disco indicar a quem pretende desvendar a música do homem?

Dia desses estava ouvindo um álbum de que gosto muito, mas que, particularmente, não entraria no meu top 10 de Zappa: Them or Us, de 1984. Porém, o disco parece ótimo como introdução à zappologia: tem doo-wop, peças instrumentais intrincadas, humor debochado, arranjos vocais sublimes e faiscantes solos de guitarra. Às vezes, quase tudo isso misturado.

A falta de uma orientação clara para o disco, com seus 70 minutos de puro ecletismo e alguma autosabotagem, talvez seja o maior obstáculo para a assimilação imediata de um iniciante. Mas passado o teste, é um bela porta de entrada, tanto para discos mais lineares quanto para outros muito mais radicais.

Them or Us tem dois doo-wops no lado A do LP, que foi lançado originalmente como disco duplo: "The Closer You Are" e "Sharleena". A razão, certamente, é o apreço nostálgico de Zappa pelo estilo. Em sua autobiografia -The Real Frank Zappa Book- ele relembra os tempos em que era baterista (e único músico branco) numa despretensiosa banda de doo-wop nos anos 50.


Mas o disco reserva uma paleta muito mais abrangente: um blues rasgado e escatológico com a voz do lendário bluesman texano Johnny "Guitar" Watson ("In France"), três temas instrumentais ("Sinister Footwear II" é a melhor delas) e um deboche caipira -"Truck Driver Divorce"- que se transforma numa tortuosa jam.

"Ya Hozna" é uma de minhas favoritas: Zappa tocando um riff de heavy metal e invertendo a gravação das vozes de Ike Willis, Moon Zappa e companhia, resultando numa trilha que cairia como uma luva na cena de orgia do último filme de Kubrick.

"Be in My Video", com arranjo vocal primoroso Ike Willis, Ray White e Napoleon Murphy Brock, é uma das faixas mais acessíveis do álbum e satiriza o rock oitentista numa metáfora sadomasô. Sim, Zappa conseguia fazer essas bizarras analogias.

Stevie Vai era um músico desconhecido e obcecado por Zappa até que seu talento e insistência lhe renderam um convite do maestro para integrar a anárquica banda dos anos 80. Sob a influência de uma turminha da pesada, que tinha ainda o exímio baixista Scott Thunes, integrante-relâmpago da banda punk Fear, Vai se entregou à gloriosa promiscuidade da vida na estrada. Os relatos escrachados de seu encontro sexual com uma groupie renderam uma das faixas mais rock'n'roll de Them or Us: "Stevie's Spanking".

Num álbum com quatro temas que ultrapassam os 7 minutos e meio de duração, Zappa encaixou duas ótimas vinhetas -"The Planet of my Dreams" e "Baby, Take Your Teeth Out"-, além da curta e funkeada "Frogs with Dirty Little Lips".

E pra não deixar pedra sob pedra, Them or Us termina com a épica regravação de um clássico do southern rock: "Whippin' Post", dos Almann Brothers.

Se tamanha esquizofrenia agradar seus ouvidos, antecipo o resultado: a música de Zappa te fisgou.


"Stevie's Spanking" ao vivo: antes de jejuar para fazer um disco solo "sério", Stevie Vai era um depravado que fritava sua Fender na banda de Zappa.

Secret Service e os hits da rádio AM

Alguns amigos dizem que tenho uma memória prodigiosa. Não sei se concordo, mas muitos eventos do imaginário pop continuam bem arquivados de cabeça.

Me lembro, por exemplo, onde estava quando ouvi a notícia do assassinato de John Lennon. Tinha 9 anos e sintonizava alguma estação de AM no Fusca de estimação da família. O rádio, diga-se, não tinha opção de FM!

As memórias desse período da infância são assim: têm ambientação e chiado de rádio AM. E foi provavelmente nesse formato que uma canção capturou minha imaginação de criança: a hoje esquecida "Oh, Susie", do Secret Service.

Gravada, enfim, numa fita cassete, eu ouvia a faixa 5 ou 6 vezes seguidas. Rewind e play, rewind e play. Ninguém mais aguentava.

Recentemente meu cérebro deve ter feito algum tipo de becape que tirou "Oh, Susie" do lugar. A melodia voltou a ecoar na minha cabeça sem explicação. E olha que eu não ouvia a música há décadas. É um hit que desapareceu na poeira desses tempos em que o próprio rádio perdeu sua razão de existir.

Baseado na ideia de que a melhor maneira de tirar uma canção da cabeça é ouvi-la, recorri ao YouTube. Não me lembrava do video-clipe de "Oh, Susie" -prova de que a memória não é perfeita-, mas é possível que eu tenha assistido, na época, no programa Som Pop, da TV Cultura.
A música, lançada num single em 1979, é um esboço de synthpop e que já dava boas pistas sobre a proeminência dos teclados na década que se aproximava. "Oh, Susie" tem uma batida simples e guitarrinhas que limitam-se a fazer costuras e um solo econômico. Mas possui um daqueles refrões radiofônicos e uma letra sobre amor adolescente. Sucesso garantido.

Confesso que até hoje eu não sabia absolutamente nada sobre o Secret Service. Para minha surpresa, descobri tratar-se de mais uma exportação da Suécia para a música pop. Impressionante.

Um dos arquitetos do som do Secret Service era o produtor Tim Norell. Após o fim da banda, em 1987, Norell juntou-se ao vocalista Ola Håkansson e a Alexander Bard (da banda pop-gay-brega Army of Lovers) para estabelecer o que seria o principal trio de compositores da música pop sueca.

Håkansson, por sua vez, teve ainda outros 15 minutos de fama num dueto com Agnetha Fältskog, do ABBA. O single ganhou disco de ouro no país de origem.

E você, tem algum hit perdido da infância para compartilhar?



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Em tempo: o blog Caixa Preta tem agora um perfil no Twitter: @caixapretablog.

Nuclear Assault - De volta para o futuro

O primeiro artista estrangeiro que entrevistei foi o novaiorquino John Connelly, vocalista e guitarrista do Nuclear Assault.

O encontro aconteceu em 1989, no lobby do hotel PanAmericano, na Rua Augusta. Na ocasião, tive a companhia de dois amigos, irmãos gêmeos, que editavam um simpático fanzine no Rio de Janeiro chamado Necronomicon. Eu tinha também meu próprio fanzine, gloriosamente criado com o auxílio de uma máquina de escrever Remington 25 e diagramado à base de tesoura, cola Pritt e reduções em xerox. Definitivamente, outros tempos.

Me lembro vagamente da entrevista. Mas não me esqueço do choque de realidade que foi ouvir Connelly afirmando que, ao voltar para Nova York, seu projeto era arranjar um emprego. Na época, a sensação geral era de que todos aqueles caras viviam de música. Não importava que fossem bandas obscuras e de zero potencial comercial. Qualquer cara de cabelos compridos, que tivesse discos lançados e tocasse fora de seu país, não podia bater cartão. Era inimaginável.

Poucos anos depois, Connelly terminaria seu disco solo, Back to Basics, com um esculacho country chamado "Long Haired Asshole". Demorei pra sacar a ironia.

A vinda do Nuclear Assault foi um daqueles eventos pontuais e históricos da época. O show aconteceu no Dama Xoc, palco de grandes atrações nos anos seguintes, e lotou. Foram duas noites, ambas com abertura (morna) do Sepultura que, à época, lançava sua carreira internacional com o álbum Beneath the Remains.

Os novaioquinos tiveram a sapiência de tocar, quase na íntegra, o disco Game Over -até então, o único lançado no Brasil- e a molecada delirou com faixas do calibre de "Sin" e "Betrayal". O Nuclear Assault fazia uma música com frescor, misturando o thrash da Costa Leste com elementos do hardcore/punk.

Estive presente na primeira noite, aquela em que Connelly abandonou a guitarra, cansado da precariedade técnica à brasileira, e apenas cantou. O guitarrista-solo, Anthony Bramante, segurou a onda sozinho. Não sei se John Connelly teve outra experiência como essa ao longo da carreira, mas ele, definitivamente, aproveitou o momento.

O contrabaixo com pedais de extrema distorção já eram marcada registrada de Dan Lilker, um sujeito que se tornou rapidamente uma lenda no underground, tendo integrado Anthrax, S.O.D. e o próprio Nuclear Assault num curto período de tempo. E o baterista Glenn Evans -de quem tive o trabalho solo In The Red em fita-cassete importada e original- era uma autêntica casa de força.

Não sei se por falta de bom senso ou simples má organização, os shows nos anos 80 terminavam sempre na alta madrugada, quando não havia mais transporte público. A plateia adolescente se virava como podia para voltar para casa. E a maioria terminava a noite encostada num balcão de bar ou mesmo dormindo na rua.

Ao fim do show do Nuclear Assault, arriscamos, eu e meus amigos, tomar um derradeiro ônibus da madrugada para qualquer lugar. A ideia era que qualquer coisa seria melhor que ficar ali parado.

E terminamos no lugar mais próximo do seriado "Além da Imaginação" que se pode imaginar: um descampado de terra batida, coberto de neblina e com absolutamente nada ao redor.

No próximo sábado, o Nuclear Assault volta a São Paulo para tocar para uma plateia de adultos num mundo que, 22 anos depois, esqueceu-se das máquinas de escrever, fitas-cassete e fanzines xerocados.

Mas que ainda precisa de barulho.


"Critical Mass", do álbum Handle With Care, de 1989: o show no Brasil privilegiou o disco Game Over, lançado 3 anos antes.

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Adendo: leia aqui a resenha do show que escrevi para o Portal Rock Press ao qual este blog é ligado: http://bit.ly/pScN66

Músicas para ouvir ao volante

Toda sexta-feira é assim. Do meu escritório, ouço carros carros pra lá e pra cá com música no último volume.

Começa cedo, lá pelas 10 da manhã. Conforme a tarde avança, a quantidade de carros despejando detritos sonoros no ar só aumenta. Funk carioca, sertanejo pop, forró universário, mais funk carioca. Às vezes, um reggae malemolente. E mais funk proibidão.

Uma verdadeira tortura.

De vez em nunca, alguém foge à regra. Dia desses, passou um maluco ouvindo "Another Brick in the Wall". Soa totalmente fora de contexto também, mas já é um alento.

Decidi montar um antídoto para salvar as sextas-feiras do mau gosto alheio. Vejam como ficou e dêem suas dicas:

JOHNNY CASH - Murder
Se é pra ouvir música caipira, que tal começar o dia com uma compilação do Homem de Preto só com canções sobre morte e assassinato?
Essa belíssima coletânea foi lançada anos antes do revival causado pelo filme "Johnny & June" e faz parte de uma trilogia que tem ainda os volumes God e Love. O disco conta com uma simpática apresentação de Quentin Tarantino e traz clássicos absolutos do mestre como "Folsom Prison Blues" e "Long Black Veil".

TIM MAIA - Tim Maia Racional Vol. I e II
Se a sexta é o dia oficial do funk carioca, vamos respeitar os costumes e compartilhar com o povo os melhores discos da vida do Síndico: os dois volumes de Tim Maia Racional.
Essas gemas foram gravadas enquanto Tim estava enfiado na destrambelhada seita Universo em Desencanto e são imperdíveis.
Letras bizarras, groove pulsante, arranjos sofisticados e um fino trabalho do grande Paulinho Guitarra.
THE B-52's - Cosmic Thing
Não existe um antídoto pronto para a praga do forró universitário, mas a gente inventa.
Se a chegada do fim de semana faz os esqueletos sacolejarem, mostre aos pedestres e motoristas do seu pedaço que nem tudo é rala-coxa.
Abra os vidros de sua caranga para propagar os crocantes hits do melhor disco dos B-52's. Um álbum que tem canções ensolaradas como "Roam" -produzida pelo grande Nile Rodgers, do Chic- e "Love Shack", a afetada sofisticação de "Channel Z" e vocalizações sublimes do início ao fim, merece um lugar na trilha sonora de qualquer cidade.

ISAAC HAYES - Don't Let Go
A noite chegou e o povo se diverte, andando pra cima e pra baixo ouvindo mais proibidão. Não tem problema, vamos com um dos mais subestimados discos do deus do funk, Isaac Hayes. Gravado em 1979, durante a febre da disco music, Don't Let Go é diversão garantida e um desfile de arranjos riquíssimos e sacanagens sussurradas ao pé do ouvido.
A faixa-título e "Fever" botam fogo até numa reunião da Tupperware e, como é sexta-feira, você ainda pode lançar o truque com "A Few More Kisses to Go" e levar aquela gatinha para um lugar mais reservado. Eu garanto: ela não vai resistir.

TURBONEGRO - Apocalypse Dudes
Madrugada. Blitz da Lei Seca. E seu hálito já é suficiente para acender uma churrasqueira. À essa hora vale tudo: aumente o volume e bombardeie o carro do lado com um dos discos mais depravados do rock'n'roll.
Apocalypse Dudes é o clássico do norueguês Turbonegro. E não é por acaso. Do elogio à uma espelunca que serve as melhores pizzas ("Age of Pamparius") ao punk com slide guitar de "Prince of Rodeo", passando por faixas com lindos títulos como "Self Destructo Blast" e "Rock Against Ass". Olho na pista e pé na tábua!

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O povo quer funk? Isaac neles!


A letra já é um convite a cair na estrada. Aumente o volume e siga em frente!

D.O.A. - um novo capítulo na epopéia punk

Amada por muitos, odiada por outros tantos, a balada "Under the Bridge", do Red Hot Chili Peppers, dominou as paradas entre 1991-92.

O sucesso da canção veio à reboque de um video-clipe dirigido pelo cultuado cineasta Gus Van Sant e exibido em alta rotação na MTV. No video, o vocalista Anthony Kiedis zanzava pelas ruas de Los Angeles usando uma camiseta do D.O.A.

A informação, quase subliminar para a massa que acendia isqueiros e outros artefatos ao som da lassidão dos Chili Peppers, não passou batida para quem sabia do retorno da banda punk canadense.

Explica-se: em 1992, quando "Under the Bridge" bombava, o D.O.A. retomava discretamente suas atividades após uma aposentadoria relâmpago.

Em 1990, a banda anunciou que iria se separar e, à convite do já falecido Dirk Dirksen, ex-road manager dos Doors e agitador cultural de San Francisco, realizou uma turnê de despedida que culminou com um show gravado e lançado no DVD The End. O show tem, inclusive, uma energética participação de Jello Biafra, que canta duas músicas do disco Last Scream of the Missing Neighbors -gravado em parceria com o D.O.A.-, entre as quais a sombria "Full Metal Jackoff", com seus 17 minutos de paranóia oitentista.

Naqueles tempos, eu assinava a Maximumrockandroll, o lendário fanzine punk de San Francisco, e me deparei com um curioso anúncio. O D.O.A. voltava à carga divulgando seu último lançamento, o disco 13 Flavours of Doom, mas, sutilmente, mandava o recado: "Queremos tocar na América do Sul!".

A surpresa era ainda maior porque, até aquela época, poucas bandas punks estrangeiras tinham tocado por aqui. Me ocorrem os caóticos shows de Ramones e Toy Dolls no fim dos 80's, com batalhas campais e pessoas esfaqueadas. E apenas na metade da década seguinte, três shows incendiários do Agnostic Front para 200 pessoas por noite no mitológico Black Jack Bar.

Houve outros, claro, mas eventos tão espaçados que podem ser mapeados pela memória. Já a desejada turnê sulamericana do D.O.A. nunca chegou a acontecer.

Mas os punks de Vancouver continuam vivos e bem. Pelo menos Joey Keithley. Desde 1992, lançaram nada menos que 8 álbuns de estúdio. Um dos últimos é Northern Avenger, de 2008, produzido por ninguém menos que Bob Rock, o homem por trás do multiplatinado black album do Metallica.

Foi Bob Rock, aliás, que cunhou o termo "northern avenger" (vingadora do norte) para se referir à lendária Gibson SG de Joey Shithead. O apelido pegou e virou o título do disco que, diga-se, é inspirado e muito bem produzido.

A indefectível voz de Shithead canta refrões que são um convite à baderna: de sacadas bem-humoradas ("Golden State") a temas recorrentes do ethos punk ("Police Brutality" e "This Machine Kills Fascists"), passando por reminiscências de uma vida no underground ("Still a Punk").

Para quem já leu a autobiografia de Joey -"I, Shithead: A Life in Punk"-, não é surpresa a inclusão de um reggae ("Poor Poor Boy") e uma regravação do Creedence Clearwater Revival ("Who Will Stop the Rain"). O canadense conta no livro como uma viagem à Jamaica, quando criança, o tornou um admirador do reggae original e porque, para ele, a folk music e o punk são "filosoficamente próximos".

O livro, aliás, traz dezenas de histórias imperdíveis, como, por exemplo, um encontro surreal com David Lee Roth, no auge do Van Halen, ou a revelação de que Kurt Cobain e Courtney Love teriam se conhecido num show do D.O.A...

Mas a boa notícia mesmo é que Northern Avenger, o disco, foi lançado no Brasil. E o selo Red Star quer, ainda por cima, materializar um antigo sonho do D.O.A. e trazer os caras para a América do Sul.

Joey Shithead já disse que topa.

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Atualização (30/08/11)
: turnê do D.O.A. no Brasil confirmada!

Apresentação em SP: 19/11/11
Local: Hangar 110
Com shows de Olho Seco e Agrotóxico
Ingressos: 1º lote: R$ 30,00; 2º lote: R$ 40,00; Porta: R$ 50,00

• Ingressos online através do Ticket Brasil: www.ticketbrasil.com.br
• Outras informações: (11) 3229-7442


D.O.A. bota pra quebrar em "Human Bomb", clipe promocional de Northern Avenger.


E aqui, a sensacional versão de 1982 para "War", hit original do soulman de Detroit Edwin Starr.

Uma entidade chamada Slayer

O metal underground dos anos 80 é imbatível. Inspirado pelo espírito de rebeldia e independência, implodiu as fórmulas criadas pelos veteranos do gênero e cunhou uma sonoridade radical e com mínimo potencial comercial.

Os protagonistas do thrash metal e seus subgêneros eram punks na essência: subiam ao palco com as camisetas e jeans surrados do dia-a-dia, falavam de bebedeiras, violência e questionavam a autoridade - seja da Igreja ou dos chefes de estado em tempos de Guerra Fria.

Num piscar de olhos, as estrelas do heavy metal de então pareciam velhas e ultrapassadas. A vitalidade e o poder de invenção do thrash também colocaram o hardcore numa encruzilhada. De um lado, os veteranos do metal britânico se refugiavam no odioso hair metal. De outro, alguns punks dissidentes aprendiam solos de guitarra e deixavam o cabelo crescer para criar o subgenênero batizado de crossover.

O tempo encarregou-se de absorver a influência estética e comportamental do thrash metal, um gênero essencialmente underground, e canonizar alguns de seus fundadores. A popularidade do Metallica engoliu metade da música pop nos primeiros anos da década de 90, enquanto Anthrax e Megadeth, cada qual à sua medida, vendiam milhões de discos.


Mas apenas o Slayer, formado desde sempre por um chileno, um cubano e dois americanos, reinou absoluto quando o thrash metal caiu no ostracismo.

O quarteto de Los Angeles, com seus riffs que pareciam içados das profundezas, sempre soou mais radical e extremo que seus pares mais famosos. Mas, em última análise, foi o fato de seus integrantes nunca se colocarem em situações públicas embaraçosas ou cobiçarem a aceitação pop que lhes trouxe a inabalável reputação.

Nos anos 90, o insano guitarrista Kerry King manter seus braceletes com pregos de 15 centímetros, enquanto o Metallica tocava alguma balada country, era quase um statement.

Comprei o disco de estreia do grupo -Show no Mercy- no início de 1986 na mitológica e hoje finada Woodstock Discos. Ouvir o álbum na íntegra modificou alguns padrões de percepção. E, no mesmo ano, esses padrões precisariam ser revistos com o lançamento da bomba atômica Reign in Blood, tocada em primeira mão, e na íntegra, pelo programa Rádio Corsário.

Desde então, o Slayer conquistou uma aura de importância próxima aos grandes dos anos 70. Deixou de ser uma banda comum e virou uma entidade.

Apesar dos temas pouco palatáveis e da violência sonora, o grupo expandiu sua influência para além do círculo fechado do metal. Foi regravado pela cantora pop Tori Amos, numa lúgubre interpretação de "Raining Blood", sampleado pelo Public Enemy, em um rap do épico It Takes a Nation of Millions to Hold us Back, virou tema popular no game Guitar Hero e cedeu músicas para diversos filmes.

Desfalcado momentaneamente do guitarrista Jeff Haneman, que contraiu uma doença bizarra que parece saída das próprias letras do grupo, o Slayer volta ao Brasil após 5 anos. Na próxima quarta, eles implodem o Master Arena, em Curitiba e, na quinta, devem lotar mais uma vez o Via Funchal.

Cumpra sua obrigação cívica e compareça.


Maturidade sem frescuras: em 1990, o Slayer lança o elaborado Seasons in the Abyss


Em 1985, o esporro juvenil de "The Antichrist" ajuda a demolir o heavy metal tradicional

A obscura fase new wave de Alice Cooper

Daqui a uma semana, Alice Cooper toca no Credicard Hall, em São Paulo. Se nada de novo acontecer até lá, a passagem do inventor do rock horror pelo país vai passar em branco pra mim.

Eu gostaria de ver o sexagenário Alice ao vivo, ainda que ele pareça perdido na dispersa música do século 21. Mas a frustração de saber que seus clássicos esquecidos do início dos 80's serão solenemente ignorados me faz pensar 3 vezes antes de encarar o show.

Esqueça as cobras, aranhas e guilhotinas. O Alice Cooper que eu mais gosto é aquele que abandonou seu teatro de horror e abraçou a sonoridade pop-punk-new wave com uma assinatura própria e que rendeu 4 discos descolados, dançantes e repletos de humor negro.

Os álbuns Flush the Fashion (ótimo título!), Special Forces, Zipper Catches Skin e o complexo e sofisticado DaDa são muito bons. Todos eles.

Até topar com essa ignorada fase da carreira de Tia Alice, eu tinha uma imagem unidimensional do autor de "School's Out". Inteligente, sagaz, mas, de alguma forma, preso à uma fórmula condenada a envelhecer.



Tudo mudou quando, em 1990, pus as mãos na versão em LP de Special Forces. Fui imediatamente fisgado pela revigorada energia de Cooper em temas repletos de riffs de guitarra crocantes, teclados espertos e arranjos de alta sensibilidade pop.

De "Who Do You Think We Are", que abre o disco num dos momentos mais "rocker" de Alice, passando pelo faiscante cover de "Seven and Seven is", do Love, até a gema new wave "Prettiest Cop of the Block", tudo exala frescor e novidade.

"You Look Good in Rags" é baseada num simples e marcante riff, com direito a um jogral pirado; "Skeletons in my Closet" mostra o lado cool e contido de Cooper, a versão '81 de "Generation Landslide" é demolidora e "Vicious Rumors" é outro rock'n'roll de fina cepa.

Tudo em Special Forces soa muito bem quase 30 anos depois: a voz de Alice, os lampejos punk e as letras que estão entre as melhores que ele já escreveu. Ouvir frases como "You make a 2 dollar t-shirt obscene" ou "Do you want a Spanish lover to lay in bed all day? Ole!", pronunciadas do jeito que são, é divertidíssimo. A influência do velho padrinho Zappa nunca ficou tão evidente.

Infelizmente, Special Forces e os outros álbuns da fase new wave de Alice Cooper desapareceram na poeira do tempo. Alice, que na época andava completamente bêbado e foi dispensado pela Warner após sucessivos fracassos comerciais, jura que mal se lembra de ter gravado os 4 discos.

Mas se ele fosse maluco o suficiente para privilegiar esse repertório ao vivo, eu não perderia o show por nada.


Alice Cooper na turnê de Special Forces, em 1981. O áudio dos vídeos -raros- não faz justiça à qualidade das canções.


Alice Cooper ou Adam Ant? A versão 80's de Tia Alice interpreta a arrasa-quarteirão "Who Do You Think We Are", de Special Forces.

Bad Brains em dose dupla

No início dos anos 90, um amigo resolveu abrir uma loja de discos fora do manjado circuito da Galeria do Rock. Em meus momentos de ócio, criativo ou não, eu passava por lá para falar sobre música e, eventualmente, sair com um disquinho na sacola.

Numa tarde qualquer, e prefiro acreditar que o link da conversa tenha sido meu entusiasmo pelo álbum Time's Up e a primeira vinda do Living Colour ao Brasil, recebi um LP emprestado sem qualquer pista. Meu amigo passou o disco e limitou-se a dizer: "Ouça isso!". Era Quickness, do Bad Brains.

Parece estranho, mas na época pouquíssima gente falava sobre a banda por aqui. Apenas nos anos seguintes é que o quarteto de Washington DC foi captado pelo radar do público brasileiro. Aquele disco então, em tempos pré-internet, era tratado como novidade: tinha sido lançado há apenas 1 ou 2 anos.

A capa de Quickness era uma antítese para a explosão de cores e texturas do Living Colour: a foto dos músicos em PB sobre um fundo branco básico. Em lugar de roupas extravagantes e óculos escuros, camisas de flanela e dreadlocks com a espessura de galhos de árvore.

Quando coloquei o vinil para rodar foi como se tivesse levado um choque. O riff lancinante e a distorção de guitarra de "Soul Craft" não pareciam com nada que eu tivesse ouvido. E a voz de HR, naqueles tempos e ainda hoje, soa absolutamente singular.

Comprei uma cópia de Quickness em CD, depois I Against I em vinil (branco) e, numa viagem à Itália pouco depois, consegui a versão em LP do relativamente raro Attitude.

Numa de minhas audições, reconheci uma das faixas de I Against I como um dos temas incidentais do lendário programa de skate "Grito da Rua", exibido pela TV Gazeta, de São Paulo, nos anos 80.

Pouco tempo depois, a MTV Brasil exibiria em seus programas mais alternativos os clipes de "Soul Craft" e "I Against I". E o próprio Bad Brains, sem HR, gravaria o álbum Rise pela Maverick Records, selo da Madonna, tendo alguma execução nas rádios-rock da época.

Desde então, as informações sobre esses punks afro-americanos tornaram-se fartas por aqui. Do semi-anonimato, o Bad Brains virou mais do que apenas um fenômeno cult. E mesmo em seu país de origem, a banda obteve um reconhecimento ainda que tardio. Vários artistas citam a influência do grupo e as qualidades do talentoso guitarrista Dr. Know. A canção "Sailin' On", por exemplo, foi regravada por nada menos que três artistas tão populares quanto diferentes: No Doubt, Living Colour e Moby.

Em 2007, mais de 15 anos após desvendar Quickness, vi o Bad Brains ao vivo numa Eazy (antiga Broadway) completamente lotada. Na ocasião, a banda excursionava para divulgar Build a Nation, álbum produzido por Adam Yauch, dos Beastie Boys.

Apesar da sentida ausência de HR, substituído nos shows brasileiros por Israel Joseph I, o vocalista do disco Rise, a apresentação foi antológica. Testemunhar, ao vivo, temas que ajudaram a fundar o hardcore americano, como "Pay to Cum" e "Banned in DC", entrecortados pelo reggae mântrico e enfumaçado que só eles sabem executar, foi realmente emocionante.

O único volume de história que possuo sobre a banda é o charmoso livro "Banned in DC", que traz um painel fotográfico da fervilhante cena hardcore punk de Washington entre 1979 e 85.

Mas há pouco tempo descobri que existem mais 2 itens que prometem ser essenciais a quem aprecia a complexa obra desses heróis negros do punk: um documentário sobre o Bad Brains e outro sobre o excêntrico HR.

Nunca é tarde para (re)descobrir o talento de músicos como esses.


Trecho do documentário, ainda em fase de produção, que promete registrar a carreira do Bad Brains


E aqui, o clipe da poderosa "Soul Craft".

David Bowie - a biografia

"The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars é um desses raros álbuns que teriam tornado o artista uma lenda mesmo que não tivesse feito nada antes ou depois. (…) Se toda a carreira de Bowie nos anos 60 e comecinho dos 70 não tivesse existido, e se ele fosse atropelado por um ônibus de dois andares na primavera de 1972, ainda estaríamos falando sobre ele. (…) Essa é a magnitude de Ziggy, o disco".

O parágrafo acima é um dos melhores nas mais de 400 páginas que compõem "Bowie", recente biografia de David Bowie escrita pelo jornalista Marc Spitz.

Há uns 10 anos li outro livro de Spitz, também muito bom, chamado "We Got the Neutron Bomb", cuja fórmula repete exatamente aquela do badalado "Mate-me, por favor": depoimentos de gente da fauna musical remontando um momento histórico. No caso, o punk de Los Angeles.

Em "Bowie", Spitz vai além do trabalho de repórter e editor, e conta a história de David Bowie à sua maneira. O jornalista fez um minucioso trabalho de pesquisa. Visitou a casa onde Bowie nasceu, conheceu os bares e clubes que ele frequentava, entrevistou muita gente e leu-assistiu-ouviu muito do que seria a fonte de inspiração do artista. De antigos seriados e programas de TV até bandas obscuras dos anos 60.

O formato segue a cronologia clássica, mas com muitos insights e observações em primeira pessoa. O autor garante, logo no prefácio, que o desafio de fazer o livro foi equilibrar o jornalista e o fã assumido. Talvez por isso, Spitz tenha escolhido imprimir um estilo pessoal para contar a vida de outra pessoa. Não é como se o autor fosse um narrador neutro. Ele próprio faz o papel de um observador que, vez ou outra, ilustra como foi afetado pessoalmente pela música de Bowie.


Os highlights na carreira do biografado são mais que conhecidos. Mas "Bowie", o livro, tem farto material para devoradores de cultura pop e que começa ainda na infância do menino David Jones.

Como outros artistas de sua geração, Bowie cresceu numa modesta família de classe média baixa. Sua infância foi passada no ambiente do pós-guerra europeu e, até por viver com adultos ainda assombrados pelo passado recente do nazismo, teve o imaginário capturado pela efervescência e prosperidade que reinavam do outro lado do oceano.

Na pré-adolescência, testemunhou e se apaixonou pela primeira geração do rock'n'roll. Ganhou uma guitarra do pai -um ex-empresário cultural falido- e, mais tarde, tornou-se aluno de Owen Frampton, pai do aspirante a guitarrista Peter Frampton.

Virou mod, hippie, rockeiro psicodélico e adepto da folk music. Bowie era uma esponja e muito do que ele ouviu e das pessoas com quem se relacionou, foi parar em sua biblioteca mental para ser, a seu tempo, reprocessado de forma singular.

E não pense que foi fácil: David integrou várias bandas mal sucedidas nos anos 60. Seu amigo, contemporâneo e rival criativo Marc Bolan atingiu o sucesso muito antes, fomentou a onda de idolatria batizada de T. Rextasy e depois virou poeira perto do sucesso colossal de Bowie. Quando morreu, num acidente de carro, sua obra já estava congelada no tempo.

Bowie fez o contrário. Se meteu com o povo do teatro, da mímica e das artes plásticas. Foi influenciado por muita gente, como Dylan, Iggy Pop e Velvet Underground, mas influenciou não apenas o triplo de artistas como, pelo menos, três gerações inteiras de fãs. Tornou-se um ícone cultural da década de 70 e relevante até os anos 00.

Algumas passagens do livro são imperdíveis, como a "fase Los Angeles", pós-Ziggy, em que Bowie, um então cocainômano incontrolável, foi morar na casa de Glenn Hughes, na ocasião baixista do Deep Purple. O criador de "Space Oddity" e "Starman" estava, na época, com a cabeça literalmente nas estrelas. Fruto de uma família com diversos casos de esquizofrenia -incluindo seu meio-irmão, Terry Jones, que foi consumido pela doença-, David desembestou a falar sobre extraterrestres, OVNIs, magia negra e magia branca. Nessa fase, ficava 72 horas sem dormir e recomeçava, do mesmo ponto, conversas que havia tido dias antes.

Quando desmantelou a banda de apoio Spiders from Mars e aposentou o herói glitter Ziggy Stardust, deixou órfã toda uma legião de fãs. Cherry Currie, cantora das Runaways, viu um show de Bowie na turnê "Philly Dogs", em que reinterpretava o material do disco Diamond Dogs com a pegada do soul da Filadélfia. Quando viu o ex-alien andrógino metido num, como diz o autor, "terno de michê porto-riquenho", ficou horrorizada.

Interessantíssima também a descrição do período que levou à criação de Ziggy e ao sucesso de Alladin Sane, em que Bowie era empresariado pelo astuto advogado Tony Defries, fundador da produtora MainMan. A agência empresariava gente como Lou Reed, Iggy Pop e alguns maluquetes egressos da trupe de Andy Warhol. Bowie era o centro de tudo e sua influência pode ser medida por ter, inclusive, mixado o clássico Raw Power, dos Stooges.

A leitura faz com que os anos 70 se passem em frente aos nossos olhos. Sem ter estado lá, dá para criar conexões imaginárias entre o modus operandi da MainMan e da produtora de cinema independente BBS -do trio Bert Schneider, Bob Rafelson e Steve Blauner- que lançou alguns filmes, como o emblemático Easy Rider - Sem Destino, que definiram aquele mesmo período e implodiram a antiga Hollywood. A cultura popular estava em ebulição.

Mas há muito mais para ler e se impressionar. A vida de Bowie em Berlim, quando aliou-se ao cerebral produtor Brian Eno para criar a experimental "Trilogia de Berlim" -formada pelos discos Low, Heroes e Lodger- que influenciou, de uma única vez, a new wave, o pós-punk e o rock industrial. Ou então o sucesso arrebatador de Let's Dance e as diversas parcerias de sucesso com produtores como Tony Visconti e Nile Rodgers, e músicos do quilate de Robert Fripp, Mick Ronson, Trent Reznor e Carlos Alomar.

"Bowie" é escrito com conhecimento quase enciclopédico de cultura pop, o que, além de tudo, torna a experiência ainda mais enriquecedora. Como prega o autor, num de seus poucos clichês, é material para "ler no volume máximo".

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Bowie, em 1969, interpreta seu primeiro hit, "Space Oddity". O personagem Major Tom seria citado novamente pelo próprio Bowie em "Ashes to Ashes", de 1980, e "Hallo Spaceboy", de 95. E também pelo alemão Peter Schiling em "Major Tom (Coming Home)", de 1983, seu único sucesso.


A belíssima "Life on Mars?", do clássico álbum Hunky Dory, foi escolhida pela revista Q, em 2007, como a terceira melhor canção pop de todos os tempos.