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Top 10 - O melhor de 2015




KILLING JOKE - Pylon

Desde 1999, os ingleses só lançam discos sensacionais. É um caso raro, talvez único na música pop, de uma banda já cultuada e bastante influente que atingiu seu auge criativo com três décadas de carreira. E agora, o Killing Joke resolveu abusar: lançou três álbuns simplesmente primorosos em apenas cinco anos. "Pylon", o mais recente deles, é definitivamente o disco de 2015. O grupo permanece refinando seu cruzamento de pós-punk oitentista com metal industrial, e adicionando à receita as exatas doses de dub e levadas dançantes. Mesmo que já venham fazendo isso há algum tempo, o resultado não deixa de impressionar. A bateria tribal encontra-se com guitarras geladas e cortantes, produzindo uma ambiência verdadeiramente apocalíptica. Jaz Coleman continua cantando bem demais e tecendo profecias sobre o fim do mundo civilizado com referências cifradas ao ocultismo. E toda essa descrição sequer chega perto de fazer justiça a canções como as emocionantes "Euphoria" e "Big Buzz", ao bate-estaca "New Cold War", à bela e sombria "War on Freedom" ou à avalassadora "I Am the Virus". De chorar.



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THE BOMB - The Axis of Awesome

The Bomb é um dos mais bem guardados segredos de Chicago. Liderado por aquele que considero o melhor vocalista do punk rock americano -Jeff Pezzati-, o grupo vem gravando um disco melhor que o outro desde o início dos anos 2000. Esse ano, o Bomb soltou o excelente "The Axis of Awesome". O EP é composto de cinco faixas, entre as quais um cover de "Backseat of My Car", dos Dwarves. Consta que Pezzati sofra há anos de Parkinson, mas sua voz permanece como nos tempos do grande Naked Raygun (e sim, seus "Oh, oh, oh, oh. Hey, hey, hey!" estão todos lá). A música do Bomb é energética, com bons riffs de guitarra costurando cada composição e um fundo de melancolia que dá o brilho especial. Pra melhorar, uma versão especial de "The Axis of Awesome" foi lançada em vinil transparente com arte gravada em serigrafia. Coisa linda.




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PiL - What the World Needs Now...

A abertura do novo trabalho do PiL é talvez a mais abrasiva em toda a discografia da banda. "Double Trouble" é um punk rock rasgado e cantado por John Lydon como se nele ainda habitasse um certo Johnny Rotten. De arrepiar qualquer fã dos Pistols! Em "Bettie Page", uma guitarra de agente secreto faz a linha até um refrão que remete claramente a David Bowie. "What the World Needs Now..." é assim; começa punk, flerta com a new wave, tem climas atmosféricos e, em alguma altura, cai, obrigatoriamente, no funk chapado e viajandão que é marca registrada do PiL. E o disco só cresce a cada audição. Lydon é gênio.



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IMPERIAL STATE ELECTRIC - Honk Machine
Vamos combinar: se tem Nicke Royale na parada, fique tranquilo que é música boa. O ex-líder do Hellacopters é um melodista de primeira, sabe tudo de produção e tem ainda uma ótima voz. Por conta disso, é natural que o Imperial State Electric, sua nova menina dos olhos, caminhe para suprir a lacuna deixada pelo grande Hellacopters. O que temos em "Honk Machine" é outra grande fornada de canções que bebe no melhor dos 60's e 70's. A balada soul "Walk on By" é de partir corações e "Another Armageddon" traz o refinamento do rock clássico sueco.

 


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KADAVAR - Berlin
O trio alemão Kadavar leva tão a sério a ideia de recriar o hard rock clássico que se veste com roupas de brechó e mantém cortes de cabelo e costeletas como se usava em 1973. Alguns dizem que é passar do limite, que eles estão fazendo cosplay de Foghat e Hawkwind. E quer saber? Dane-se. O que vale é a capacidade de escrever boas canções demonstrada por Lupus, Dragon e Tiger (ótimos nomes!). E o disco já abre impondo respeito com o rifaço de guitarra de "Lord of the Sky" e seus power chords de rock de arena. Há quem reclame que o Kadavar, sem os mantras pesados e psicodélicos dos álbuns anteriores, terminou previsível em "Berlin". Mas são justamente as canções mais diretas que os fazem sair de um gueto já superpovoado de grupos que tocam longuíssimos e hipnóticos drones. E para ficar ainda melhor, o álbum termina com uma estupenda regravação da balada fantasmagórica "Reich Der Träume", da mitológica Nico (sim, aquela que cantou com o Velvet Underground e que era alemã como o Kadavar).



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JOHN CARPENTER - Lost Themes
John Carpenter é um dos cineastas mais singulares do final dos 1970 e autor do score musical de quase todos os seus filmes. É dele, por exemplo, o cabulosíssimo tema de "Halloween" e também as trilhas geladas e atmosféricas de filmes como "A Bruma Assassina" (The Fog) e "Eles Vivem" (They Live). Aos 67 anos de idade, Carpenter decidiu lançar seu primeiro álbum solo. O resultado oferece mais de sua música eletrônica baseada em sintetizadores vintage e com lampejos de synth-rock. Apesar do título, "Lost Themes" traz apenas composições inéditas e que funcionam como uma viagem por um filme imaginário. Conheça o disco e corra o risco de não querer ouvir outra coisa.



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DURAN DURAN - Paper Gods
Duran Duran sempre foi uma de minhas bandas prediletas do pop 80. Até hoje não posso ouvir "Save a Prayer" e volto imediatamente ao verão de 1982, quando o público lotava os cinemas para ver "ET - O Extraterrestre" e o mundo parecia um lugar muito mais ingênuo. Mas o grupo não resistiu à impiedosa virada de milênio e foi contagiado pela ruindade de seus pares. Lançou discos pavorosos, como "Pop Trash" e "Red Carpet Massacre", ressurgindo inesperadamente com o ótimo "All You Need is Now", de 2011. E para provar que o álbum não era seu canto do cisne, temos "Paper Gods". Simon LeBon mantém a voz que o mundo conhece de hits como "Rio" e "Planet Earth", e o grupo ainda é capaz de escrever um refrão como: "Bow down to the paper gods / In a world that's paper thin" (Ajoelhe-se diante dos deuses de papel / Em um mundo com espessura de papel"). Entendeu o recado? E mais: qual single pop de 2015 chega perto da esfuziante "Pressure Off", com a presença inestimável do mestre Nile Rodgers, do Chic, e da cantora Janelle Monáe?



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FAITH NO MORE - Sol Invictus
"Sol Invictus" é provavelmente o disco mais traiçoeiro de 2015. Foi antecedido de tamanha expectativa, dado o longuíssimo hiato desde "Album of the Year", que estranharíamos o que quer que ele nos trouxesse. E o álbum tem um tipo de estranheza própria do Faith No More, o que não simplifica em nada sua apreciação. Imagino, aliás, quantas resenhas escritas no calor da primeira audição já andam merecendo uma boa revisão. Porque as dez canções de "Sol Invictus" demoram a fermentar, mas revelam que estamos diante de um Faith No More legítimo. Está tudo ali, em seu lugar, e o álbum cabe perfeitamente na discografia da banda. Há faixas tortas, misteriosas, sombrias e ainda algumas que, noutros tempos, já sairiam candidatas a hit. Experimente "Superhero", "Separation Anxiety", "Black Friday" ou "Matador" e me diga se, em 2015, há algo no FNM que lembre uma banda aposentada. Eu acho que não.



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CLUTCH - Psychic Warfare 

A veterana banda de Maryland só melhora com o tempo. Seu álbum anterior, "Earth Rocker", foi um dos mais ouvidos pelo blog em 2013, e esse ano o grupo voltou ao estúdio para produzir outra pequena jóia repleta de peso, groove e psicodelia. "Psychic Warfare" é um tanto mais sombrio que "Earth Rocker" e destila temas que vão de teorias conspiratórias americanas a feitiçaria, flertando com uma sonoridade de leve acento sulista e um coração que pulsa stoner rock. Discaço!



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TURBONEGRO - Hot for Nietzsche (single)
Os vocais roucos e gritados de Tony Silvester, conforme registrados no disco "Sexual Harrasment", não estavam funcionando para o Turbonegro. E então o que fizeram esses talentosos noruegueses? O óbvio: mandaram Silvester cantar como se fosse o lendário Hank Von Helvete. O resultado é um single com um daqueles rocks épicos de sábado à noite; uma canção sobre farras e excessos, e que o Turbonegro não escrevia pelo menos desde o álbum "Retox". A canção abre com filigranas guitarrísticas à Pete Townshend, tem poderosos acordes AC/DCianos e os faiscantes solos do grande Euroboy. Nasce um pequeno novo clássico.



Concorda ou discorda desse top 10? Faça sua lista de melhores do ano e publique nos comentários.

Black Metal - Porque o diabo ainda é pop

No último dia 21 de julho, o termo "black metal" chegou aos trending topics mundiais do Twitter. Não percebi qualquer motivo para que tanta gente estivesse falando ao mesmo tempo sobre um dos gêneros musicais mais perversos já surgidos. Mas estavam.

Na semana seguinte, dia 26, como um sinal sacana de que o capiroto jamais deixou de ser popular e apenas se disfarçou sob outras peles, leio que uma organização chamada Satanic Temple inaugurou, em Detroit, uma bonita e provocadora estátua de Baphomet. Para quem ouviu metal underground na década de 80, o nome dessa divindade pagã adotada pelo Satanismo é relativamente conhecido. Somente no clássico álbum "Bonded by Blood", do Exodus, há três faixas em que o tal Baphomet é mencionado.

Vinde a mim as criancinhas
A estátua foi revelada diante de 700 presentes e virou notícia no mundo. Jex Blackmore, diretora da filial do Satanic Temple em Detroit, explica que o impressionante monumento em bronze, de quase três metros de altura, simboliza valores opostos ao de um polêmico monumento cristão instalado por um deputado na sede do governo de Oklahoma. Uma verdadeira peleja entre Deus e o Diabo na terra da Motown e do proto-punk.

Não há sinais que haja relação entre o Satanic Temple -que não se define como religião, mas como grupo de afinidade para céticos e libertários- e o submundo do rock. Ainda assim, percebe-se semelhanças na cruzada pela laicidade empreendida pelos templários norteamericanos e, antes deles, por alguns moleques rebeldes da Noruega. Porque foi ali, no país com o maior IDH do planeta, que o subgênero conhecido como black metal tornou-se um fenômeno sociológico.

O power trio Venom, de Newcastle, pode até ter batizado o gênero, mas quem o formatou, no sentido musical e estético, foram o suíço Hellhammer e o sueco Bathory. A Noruega, contudo, tomou para si o estilo com o surgimento de uma geração de bandas encabeçada por Mayhem, Darkthrone e Burzum. A cena, então pequena e obscura, terminou conhecida pela violência e o radicalismo. O suicídio de um músico, o assassinato de outro e a onda de incêndios criminosos contra igrejas chocou a Escandinávia.

Varg Vikernes, o diabo norueguês
No ótimo documentário "Until the Light Takes Us", de 2009,  tais acontecimentos são remontados com rigor. Varg Vikernes, do Burzum, é a figura central e mais polêmica do filme. Condenado pelo assassinato de Euronymous, integrante do Mayhem, Vikernes também é associado ao incêndio de três igrejas seculares e à tentativa de articular um atentado terrorista contra um enclave de esquerda chamado Blitz House (foi apanhado em sua casa com 150 quilos de explosivos). Após sua detenção, no entanto, os incêndios não cessaram. Dezenas de outras igrejas foram transformadas em cinzas por copy cats, confundindo a polícia e aterrorizando a população norueguesa.

Vikernes, que é bastante articulado e um tipo perigoso de modelo para adolescentes rebeldes, explica os ataques como sua maneira de restabelecer o paganismo original da Noruega. O circo midiático em torno de seu julgamento transformou-se em uma espécie de versão escandinava do caso OJ Simpson. A forma irresponsável como parte da imprensa pautou seu trabalho foi abordada em um documentário feito para a televisão em 1999 e intitulado "Satan Rides the Media".

Varg Vikernes ficou preso por 15 anos e durante o confinamento alinhou suas ideias com a da direita xenófoba europeia. Sua ideologia é uma mistureba de neo-nazismo, mitologia teutônica e paganismo, explicada em nada menos que dez livros. O terrorista norueguês Anders Behring Breivik, responsável pelo massacre de 77 pessoas que chocou o mundo em 2011, era admirador confesso de Vikernes. Chegou a lhe escrever cartas em que explicava seus pensamentos ultranacionalistas. Um bando de lunáticos, isso sim.

Diversas outras bandas continuam a se inspirar na versão de Satanismo que o black metal encampou. Na Noruega, por tudo que já foi dito, o fenômeno tornou-se parte da cultura popular. O duo Satyricon, remanescente da geração dos anos 90, assinou há alguns anos com a major Sony BMG e emplacou um disco de black metal em primeiro lugar na parada norueguesa  e em quinto na finlandesa. Já a banda brasileira de hardcore/punk Agrotóxico revelou que, ao desembarcar no país nórdico para alguns shows, foi questionada por oficiais da imigração se a música que faziam era black metal.

Com tanta exposição, esse subgênero maldito terminou, inevitavelmente, usurpado de seu significado original. O niilismo dos pioneiros do black metal foi reformatado por bandas que pularam nesse vagão à procura de sucesso. O inglês Cradle of Filth e o norueguês Dimmu Borgir, por exemplo, criaram suas versões gourmetizadas da música do diabo para consumo comercial. O documentarista canadense Sam Dunn, que fez filmes para Rush e Iron Maiden, estudou o assunto no oitavo episódio de sua série "Metal Evolution", produzido para a Internet após o fim do programa no canal VH1.

Assim, seja nos destaques do Twitter, na adoração dos góticos libertários do Satanic Temple ou nas manchetes de tabloides noruegueses, o diabo, em pleno século XXI, ainda tem algo de pop.

Assassinatos, suicídio e cerca de 50 igrejas incendiadas: esse impressionante documentário mostra os estragos promovidos em nome da besta

O competente Sam Dunn faz uma mapa do metal extremo e investiga suas mais cabulosas subdivisões

Uma reflexão sobre como o circo midiático transformou Varg Vikernes, do Burzum, em anti-herói nacional

Henry Rollins - O pioneiro punk multimídia

Nenhum personagem saído da cena punk ocupou tantos espaços quanto Henry Rollins. Antes de o rótulo "multimídia" se tornar surrado e até anacrônico, esse sujeito desafiou definições e estendeu sua influência através de discos, rádio, TV, livros, cinema e shows de stand-up.

Crescido em Washington, DC, meca do hardcore na costa oeste americana, Rollins integrou uma banda de pouco sucesso chamada S.O.A. (State of Alert) e, pra pagar as contas, foi gerente da sorveteria Häagen Dazs. Um de seus subordinados na loja era ninguém menos que Ian MacKaye, integrante do Minor Threat e que fundaria, anos depois, o revolucionário Fugazi.

Henry Rollins ficou conhecido por integrar o Black Flag, banda da qual era fã, e passou com eles por todo tipo de percalço. As turnês excruciantes do grupo liderado por Greg Ginn eram capazes de destruir psicologicamente qualquer ser humano. Os integrantes ganhavam pouquíssimo dinheiro, viviam esfomeados e com duas mudas de roupa na van. Cruzavam a América para tocar em um pulgueiro diferente a cada noite e, volta e meia, eram perseguidos pela polícia, que impedia a realização dos shows ou simplesmente os interrompia.


O vocalista retratou essa trajetória punk no ótimo livro "Get in the Van", publicado pela 2.13.61, sua própria editora (o nome é uma alusão a data de seu nascimento). Henry escreveria ainda outros livros, como "Black Coffee Blues", e publicaria também trabalhos de outros autores, como o famoso cantor e compositor australiano Nick Cave.

Mas o homem ficaria famoso de verdade com a Rollins Band, grupo que fundou após o fim do Black Flag. Aproveitando a febre da música alternativa, que no começo dos anos 90 alcançou o público de massa nos EUA, a Rollins Band emplacou pelo menos dois singles de sucesso: "Tearing" e "Liar". Chegaram a se apresentar ao vivo no Brasil, mais precisamente na praia de Santos, em ocasião de um festival patrocinado pela M2000, uma marca de tênis que sumiu da praça.

Durante esse show, Henry arrebentou o supercílio e terminou a apresentação completamente ensanguentado. Ele relata o caso em seu disco de spoken word "Think Thank", numa faixa chamada "Brazil". De acordo com o próprio, o público foi ao delírio ao vê-lo coberto de sangue, como se estivesse emulando uma performance de Alice Cooper, mas a dor era terrível.

Rollins lançou outros álbums de spoken word além de "Think Thank", resultado de suas turnês de stand-up que já cruzaram o mundo até Israel e a Austrália, seu país predileto. Nessas apresentações, o ex-vocalista do Black Flag conta "causos" hilários e destila sua visão de mundo corrosiva com muito bom humor.


O carisma e a sagacidade renderam fama ao sujeito. Henry Rollins participou de filmes -foi dirigido por David Lynch no espetacular "A Estrada Perdida"- e teve seu próprio programa de TV, em que entrevistou gente como Samuel L. Jackson e deu espaço para apresentações ao vivo de Manu Chao, Slayer e Peeping Tom.

Henry Rollins também é radialista e conduz um excelente programa na emissora KCRW.
Todas as segundas-feiras cumpro o ritual de abrir o site da rádio para ouvir, via streaming, a edição da véspera, transmitida em Los Angeles das dez à meia-noite. Atualmente no episódio nº 333, "Henry on KCRW" toca uma variedade incrível de música: de jazz africano a avant-garde japonês, de punk rock obscuro a clássicos dos anos 60 e 70.

Recentemente, tenho topado com vídeos e entrevistas de Rollins em minhas navegações pela Internet. Dia desses, por exemplo, vi seu reencontro com o louco e talentoso jornalista canadense Nardwuar. Como qualquer entrevista conduzida pelo intrépido réporter, há várias curiosidades pop reveladas e momentos de total surrealismo. Vale a pena ver as duas conversas entre Henry e Nardwuar, separadas por um intervalo de 13 anos.

Mas melhor ainda foi descobrir a interessantíssima participação de Rollins numa edição de 2001 do programa de Howard Stern. Durante uma hora de papo, em que o folclórico radialista trata o convidado com surpreendente parcimônia, Henry discorre sem censura sobre sua vida pessoal. Diz, por exemplo, que, embora adore crianças e mulheres, não consegue se imaginar começando uma família. "Com minhas viagens e o tipo de vida que levo, não quero ser aquele tipo de pai que só aparece de vez em quando. Não dá para manter um relacionamento nesses moldes. Optei por obedecer a um único mestre: a arte".

Também confessa que ganhou muito dinheiro com a música, mas nem de perto o suficiente para viver dele pelo resto da vida ("Por sorte, sou do tipo que adora trabalhar"). O vocalista-ator-escritor também é perguntado por um ouvinte sobre a trágica morte de seu amigo Joe Cole (leia aqui o texto que escrevi sobre o assunto). Ele conta que, à época, estava gravando "The End of Silence", aquele que se tornaria seu disco mais famoso. Durante o período de gravação, recebeu em casa uma visita de Rick Rubin, produtor do álbum, que chegou a bordo de um caríssimo Rolls-Royce. A visita espalhafatosa, conclui Rollins, deve ter despertado a atenção de bandidos na vizinhança não muito aprazível de Venice. E o resto é história.

Mas Howard Stern ainda arrisca uma pergunta: quer saber sobre a lenda de que Rollins guardara os miolos do amigo em uma Tupperware! E o entrevistado responde, com absoluta naturalidade: "Sim, é verdade. Fiz isso pois que não queria que os pais dele se deparassem com pedaços de cérebro por toda parte. Então, recolhi os miolos espalhados e os mantive num pote".


Howard Stern Show (2001)
Quase uma hora de papo em que Rollins fale sobre dieta, academia, U2, fama, dinheiro, mulheres e o assassinato de Joe Cole.


Nardwuar X Henry Rollins - Round 1 (1998)
Ou porque ele odiava Vancouver, sexo com stripper no Canadá, falsos trotes telefônicos para Mike Ness, do Social Distortion, o infame episódio punk do Saturday Night Live e os masters roubados de "Raw Power", dos Stooges.


Nardwuar X Henry Rollins - Round 2 (2011)

Kim Fowley (1939-2015): Morre o inventor das Runaways

(Republico abaixo coluna que escrevi em 16 de janeiro último, para o blog da Red Star Recordings, a respeito da morte Kim Fowley).

Kim Fowley, produtor das Runaways e excêntrico personagem da cena musical de Los Angeles, morreu aos 75 anos de idade. Foi ele quem concebeu a ideia da banda feminina de punk, apresentou as integrantes umas às outras e produziu o disco epônimo de 1976, além de Queens of Noise e Waitin' for the Night. Fowley também co-escreveu o grande hit do grupo: "Cherry Bomb".

Em 2001, o jornalista e escritor Marc Spitz -da revista Spin e autor da última biografia de David Bowie- juntou-se a Brendan Mullen, ex-proprietário do Masque, templo underground de Los Angeles, para escrever um livro sobre as origens da cena punk de LA. Adotaram a mesma fórmula do famoso "Mate-me, por favor", de Legs McNeil, e entrevistaram todos os importantes personagens que colocaram a cidade no mapa do punk, hardcore e new wave. O livro "We Got the Neutron Bomb" é ótimo, mas, infelizmente, nunca foi lançado no Brasil.

Selecionei abaixo trechos de depoimentos de Kim Fowley no capítulo do livro dedicado às Runaways e que também traz, claro, as opiniões de Joan Jett, Cherrie Curie e outras pessoas ligadas ao grupo.

  Kim Fowley e Joan Jett
  • "A solidão de um visionário é você ser a única pessoa em dado instante do universo a perceber a magia. Eu sou uma pessoa mágica, então reconheço outras pessoas mágicas. Precisa de alguém assim para identificar outro igual".
  • "O mundo é dos homens, já dizia James Brown. E ele estava certo. Quando você pega mulheres para fazer coisas tradicionais masculinas, você terá controvérsia e combustão. As Runaways foram minha ideia, e eu fui atrás de encontrar as pessoas para integrar o grupo. E através de uma sequência de confusão, sorte e bom gosto, cinco garotas foram selecionadas".
  • "Quando eu conheci Kari Krome, ela era muito letrada e estava muito mais interessada em Jack Kerouac do que em Chuck Berry. Ela não tinha pontencial para rock star. Ela é uma garota bonita de se olhar, mas você precisa ser Steven Tyler ou Iggy Pop. Kari Krome também não era Patti Smith. Patti estava interessada nas mesmas coisas que Kari Krome, mas acontece que uma delas (Patti) era uma performer e a outra (Kari) escrevia letras para os outros interpretarem".
  • "Por que não poderia haver um Elvis garota, ou os Beatles femininos, ou uma Little Richard ou Bo Diddley de saias? Sempre houve a versão feminina de tudo na música, mas ninguém jamais havia recrutado cinco garotas e dito: 'Essas cinco meninas são mágicas, e se elas tocarem essas canções e tiverem certo estilo, o público vai comprar'. Foi como fazer uma seleção de elenco para um filme de cinema".
  • "Fui eu quem disse às Runaways o que era bom e o que era mau. Era um navio apertado e a tripulação se rebelou. Elas eram meninas, não mulheres; elas tinham realmente a idade que nós alardeávamos. Todas tinham dezesseis anos, estavam no colegial... Houve episódios internos de histeria adolescente, do tipo: 'Você usou tal peça de roupa da mesma cor que eu, e vou brigar por isso agora'. Ou então era: 'Não fale com o meu namorado ou vou furar seus olhos, vadia'".
  • "Eu já tinha visto Darby Crash e Pat Smear [dos Germs] antes. Eles eram groupies masculinos à espreita das Runaways. Eram mais como irmãozinhos, mas havia alguma atitude de groupie por trás da postura deles".

O top 10 de todos os tempos dessa semana

(No último mês de dezembro, o ativista dos bons sons Márcio Carlos me fez um convite simpático: listar meus 10 discos favoritos e escrever algumas linhas sobre cada um deles. O texto foi publicado originalmente no Webzine Alternar. Republico abaixo. E, já sabe, fique convidado também a enviar seu 10 mais nos comentários).

Como levar a sério uma lista de 10 discos em que não aparecem “London Calling”, do Clash, ou “Ace of Spades”, do Motörhead? Como acreditar que seria possível passar o resto da vida numa ilha deserta sem a companhia de “Excitable Boy”, do mestre Warren Zevon, ou da obra-prima “Harvest”, de Neil Young? E que tal pensar que você ficaria privado para todo o sempre de exorcizar seus demônios com “Reign in Blood”, do Slayer, porque o autor desse top 10 teve a pachorra de deixá-lo de fora? Mas fazer listas é isso: excluir centenas de discos obrigatórios em detrimento de uns poucos que, em determinado instante do tempo, ocupam um lugar especial no seu imaginário. A eles.




Dick Dale – “Better Shred Than Dead” (1959–1996)
O rei da surf guitar faz parte de uma especial geração de transgressores. Se Link Wray inaugurou a distorção, foi Dale quem adaptou para a guitarra elétrica um certo tipo de palhetada antes comum apenas a outros instrumentos de corda. Sem querer, gerou a semente para o surgimento dos gêneros mais selvagens do rock’n’roll. O auto-proclamado rei da surf guitar contribuiu também para o desenvolvimento de guitarras e amplificadores, desafiando Leo Fender a criar equipamentos capazes de dar conta de sua ferocidade sonora. Como é do tempo dos singles, a obra de Dick Dale não pode ser resumida em um disco de carreira. A melhor maneira de compreendê-lo é através da antologia “Better Shred Than Dead”, um CD duplo que compreende 40 anos de subestimada carreira.




The Stooges – “Funhouse” (1970)
Não é exagero dizer que com seu disco epônimo lançado em 1969, Iggy e os Stooges acabaram com o que restava de inocência no rock’n’roll. Mas foi apenas em “Funhouse” que a violência sonora dos padrinhos do punk foi devidamente captada em estúdio. O álbum prenunciou a distopia setentista e o sequestro do rock por junkies e marginais, traduzindo a desorientação da época. A primeira parte de “Funhouse” traz algumas das canções mais icônicas dos patetas de Detroit (“TV Eye”, “Down on the Street”) e a segunda, temas sujos, arrastados e distorcidos, acrescidos do sax de Steve MacKay, e que soam como free jazz tocado por punks. Nada mais seria como antes.



Black Sabbath – “Vol. 4” (1972)
A maioria do público idolatra os primeiros três discos do Sabbath, mas a grande trilogia da banda é aquela formada por “Vol. 4”, “Sabbath Bloody Sabbath” e “Sabotage” (dos três, “Vol. 4” é o mais impressionante). O álbum foi gravado em uma mansão de Los Angeles com os quatro integrantes cheirando pó enlouquecidamente e na companhia de groupies, penetras e traficantes. O resultado é um disco inspiradíssimo e que traz o riff de guitarra mais absurdo gravado pelo mestre Tony Iommi: “Supernaut”.



Frank Zappa – One Size Fits All (1975)
As bandas de apoio de Zappa tiveram inúmeras encarnações e sua obra é fundada em uma discografia complexa e que abrange de doo-wop a jazz eletrônico, passando por obras conceituais debochadas (como “Thing Fish”) e peças orquestrais. A tarefa de selecionar um único álbum de artista tão idiossincrático é árdua, mas “One Size Fits All”, nono disco de Zappa com os Mothers of Invention, é um de seus momentos mais iluminados. Da abertura apoteótica com “Inca Roads” até a antológica “Andy”, o álbum tem todos os principais atributos zappianos: exuberância técnica, senso de humor e afiado sentido de composição.



Misfits – “Static Age” (1978)
Grande parte dos singles clássicos do Misfits são oriundos de uma mesma sessão de gravação de 1978. Esse material foi reunido pela primeira vez em um álbum somente em 1996 –após a resolução da guerra judicial entre Glenn Danzig e Jerry Only- sob o título “Static Age”. Quase tudo que você precisa ouvir do Misfits está aqui e com aquela gravação deliciosamente tosca que agrega um charme especial às canções. A imersão da banda na estética de filmes B e no submundo de Hollywood nunca funcionou tão bem. Um clássico do punk rock.



ZZ Top – “Eliminator” (1982)
A pequena e velha banda do Texas já era um dos atos mais bem sucedidos do blues rock americano quando gravou “Eliminator”, em 1982. Alguns de seus trabalhos anteriores, como o excelente “Degüello”, davam pistas que Gibbons, Hill e Beard tinham recursos para reinventar seu som poeirento e estradeiro. Mas em “Eliminator”, tudo, absolutamente tudo, funcionou à perfeição. As canções são irresistíveis e a execução é infernal, com Gibbons entregando alguns de seus melhores riffs e solos. Os clipes icônicos para faixas como “Legs” e “Gimme All Your Lovin’” impulsionaram o ZZ Top ao imaginário popular e resultaram em vendas multiplatinadas para o disco.




Tom Petty & the Heartbreakers – “Full Moon Fever” (1989)
Obra-prima da música pop baseada numa safra de canções tão suculenta que deixa o álbum parecido com uma coletânea de sucessos. Mas “Full Moon Fever” é um disco de carreira de Petty e seus Heartbreakers, gravado na esteira de sua colaboração com o supergrupo Travelling Willburys -- George Harrison e Roy Orbinson participam com vocais de apoio e Jeff Lyne toca baixo e produz. “Free Fallin’”, “I Won’t Back Down”, “Love is a Long Road”, “Runnin’ Down a Dream”: a lista de composições exuberantes impressiona, assim como o trabalho de guitarra do grande Mike Campbell. Disco de cabeceira de quem tem algum juízo.




Social Distortion – Somewhere Between Heaven and Hell (1992)
A cultura low rider, o revisionismo da estética dos filmes de gângsteres e de pin-ups, as tatuagens e os rebeldes sem causa. Mike Ness tomou todos esses temas para si, escreveu belíssimas canções sobre eles e transformou-se em um tipo de trovador com espírito punk. O repertório do Social Distortion encontrou o equilíbrio perfeito em “Somewhere Between Heaven and Hell”, com sua produção impecável e um passeio de caranga envenenada por blues, rock’n’roll e Americana.



Fugazi – “In on the Kill Taker” (1993)
Surgido das cinzas de Minor Threat e Rites of Spring, o Fugazi pegou tudo que se conhecia sobre punk rock e hardcore e virou do avesso. A revista inglesa de metal Kerrang! certa vez descreveu a música da banda como post-hardcore e talvez seja esse o melhor rótulo para definir o som do grupo. O Fugazi atingiu seu ápice em “In on the Kill Taker”, de 1993 - um êxtase de tramas instrumentais complexas e viscerais e com o inconfundível contraste entre as vozes de Ian MacKaye e Guy Picciotto. O repertório desse disco foi defendido ao vivo em performances arrebatoras por uma banda que deixava as tripas no palco.



Monster Magnet – Dopes to Infinity (1995)
Dave Wyndorf é um dos grandes artistas do rock dos últimos 30 anos e dono de uma de suas mais belas vozes. O líder do Magnet também conhece como poucos a cena de bandas de garagem dos anos 60, o hard rock, a psicodelia e o space rock dos 70’s. É um ourives da boa cultura pop. E foi reprocessando essas referências com uma quadrilha de grandes músicos que Wyndorf cunhou álbuns como “Powertrip”, “God Says No” e “Monolithic Baby!”. Em “Dopes to Infinity”, de 1995, há quase tudo do melhor que o Monster Magnet sabe fazer: temas instrumentais apocalípticos, baladas lisérgicas, flertes com o proto-punk à la Stooges/MC5 e hard/stoner pesadíssimo. Se existirem bordeis em Marte, é essa a música que eles tocam.

Ministry no Brasil é evento histórico

Em quase 35 anos de carreira, o Ministry jamais se apresentou no Brasil. A banda que surgiu em Chicago por obra do cubano Al Jourgensen, fazia no início um synth-pop inofensivo, como se pode ouvir no disco de estreia, "With Simpathy". Alguns anos mais tarde, no entanto, criaram uma pequena revolução no som pesado ao misturar elementos eletrônicos com guitarras distorcidas, samples, vocais cavernosos e uma pegada punk/metal. Tornaram-se para muitos os pais do estilo conhecido como "industrial music".
O álbum "The Land of Rape and Honey", de 1988, uma autêntica trilha sonora para o fim do mundo, foi o primeiro a cair no radar dos fãs de música pesada. Depois dele, o caminho estava aberto para Jourgensen e seu comparsa Paul Barker, que se tornaram uma referência de seu tempo. Os dois discos seguintes -"Mind is a Terrible Thing to Taste" e "Psalm 69"- viraram clássicos imediatos. Do primeiro, saíram os singles "Thieves" e "So What". E de "Psalm 69" foram içadas faixas bombásticas como "N.W.O.", "Just One Fix" e "Jesus Built My Hotrod" - todas lançadas com o apoio de clipes cabulosos e que foram seguidamente exibidos pela extinta MTV Brasil.

Jourgensen e Barker também se meteram em diversos outros projetos no período, como Revolting Cocks (do infame cover "Do Ya Think I'm Sexy?", de Rod Stewart), Pigface, 10,000 Homo DJs, Pailhead (com Ian MacKaye) e o sensacional Lard, com Jello Biafra, que deixou 2 álbuns e 2 EPs (a faixa "Fork Boy", do primeiro disco, foi usada na cena de rebelião em "Assassinos por Natureza", de Oliver Stone).

Ministry

Ao longo da década de 90, o Ministry produziu ainda grandes discos como "Filth Pig" (que tem a impressionante regravação de "Lay, Lady, Lay", de Bob Dylan) e "Dark Side of the Spoon", cujo título em inglês ("O Lado Escuro da Colher") é um trocadilho com os hábitos heroinômanos de Al Jourgensen. É desse álbum também a música "Bad Blood", usada na trilha sonora de "Matrix".

A associação do Ministry com o cinema foi ainda mais marcante no filme "AI - Inteligência Artificial", de Steven Spielberg, em que aparecem tocando num tipo de rodeio de destruição de robôs. O convite partiu de ninguém menos que Stanley Kubrick, o gênio responsável por obras-primas como "2001: Uma Odisséia no Espaço", "Laranja Mecânica", "O Iluminado", entre outras; e que há anos vivia recluso na Inglaterra. Al Jourgensen conta que ao receber o telefonema de Kubrick, achou que se tratasse de uma trote. Soube depois que o lendário cineasta conhecera a música da banda no set de seu último filme, "De Olhos Bem Fechados". Na primeira década do novo milênio, o Ministry gravou dois álbuns praticamente conceituais e que protestavam contra o governo fascista de George W. Bush: "The Last Sucker" e "Rio Grande Blood". Paul Barker deixou o grupo depois de longos anos e Jourgensen seguiu sozinho, até acabar com o Ministry e voltar para mais um disco e uma turnê.

Seu mais recente álbum, "From Beer to Eternity", de 2013, é versátil e tenta resgatar um pouco de cada fase da carreira, com faixas mais experimentais, um maior uso de electronica e o peso arrebatador de sempre. A boa notícia é que, dessa vez, o Ministry finalmente passará pelo Brasil! O show acontece dentro de três semanas na Audio Club, em São Paulo, e a banca da Red Star Recordings estará por lá com todo o catálogo do selo e diversos títulos nacionais e importados.

 Gibby Haynes, do Butthole Surfers, assume os vocais nessa bomba atômica dos anos 90.