ÚLTIMAS COLUNAS
Leia, comente, compartilhe

Queen e a obsolescência do rádio

Quando estou dirigindo, costumo ouvir rádio AM ou meus próprios CDs. FM? Muito raramente. Dia desses, com compromissos em diversos cantos da cidade, passei horas no carro e me rendi a ouvir a trilha sonora de terceiros.

Na última rádio rock que restou em São Paulo, escutava os velhos hits de sempre: "48 Crash", "Lucy in the Sky with Diamonds", "Rock'n'Roll". No fim da tarde, ouvi Queen pela terceira vez no dia. Um exagero, claro. Mas a última música, "Radio Ga Ga", trazia uma mensagem escondida.

Me recordo de quando a canção fazia sucesso, lá por 1984, e alguns fãs mais ortodoxos achavam que o Queen estava acabado. Eu gostava da música mesmo assim. Era muito garoto pra me importar com os 'velhos tempos' e gostava dos arranjos e daquela melodia meio tristonha.

Me agradava também o clipe promocional criado em cima de "Metropolis", clássico de Fritz Lang. O expressionismo alemão emprestava ares de um futuro retrô pra falar da era do vídeo e os tempos sombrios que aguardavam pelo rádio.

A boa sacada do Queen passou batida para muita gente. Lembro de "Radio Ga Ga" ser anunciada, na época, como uma homenagem ao rádio. Não era exatamente isso, ou era, mas de forma torta.

O baterista Roger Taylor, autor da faixa, vaticinava os riscos da obsolescência do rádio e antecipava em décadas as transformações da música pop e sua relação com o ouvinte.

O verso abaixo é profético e revelador:

So don't become some background noise
A backdrop for the girls and boys
Who just don't know or just don't care
And just complain when you're not there


(Então não se torne um ruído de fundo
Um pano de fundo pra garotas e rapazes
Que não querem saber ou não se importam
E só reclamam quando você não está lá)

Pelo menos 20 anos antes da hora, o Queen previa a chegada de uma juventude dispersa e para a qual a música é trilha acessória de tarefas banais.

E o rádio, gagá como nunca, há muito deixou de formar o gosto do ouvinte, de servir como plataforma de lançamentos e termômetro de popularidade. Buscou nichos de mercado pra sobreviver e reembalou tudo que é velho como clássico, atendendo uma audiência nostálgica e que, não sem alguma razão, desdenha do que a música atual tem a oferecer.

Proliferam os clichês, faltam conteúdo e inteligência. Os programetes são variações do mesmo tema e sem o menor cuidado com o básico: encadear canções para criar uma atmosfera. Vão de Steely Dan a Iron Maiden com a delicadeza de um gorila pintando porcelana.

O futuro é desanimador para quem espera alguma mudança significativa. Experiências fracassadas de uma estação com grife de college radio e de outra, abertamente comercial, que entregou por algum tempo a programação a Fabio Massari, reforçam o ceticismo.

Mas no marasmo da frequência modulada, nem é preciso esperar muito para ouvir Freddie Mercury dizer, outra vez, como há quase 30 anos, e só pra nos lembrar: "How music changes through the years".


Queen viaja no tempo para avisar que o rádio se tornava obsoleto

1 comentários:

Adelvan disse...

Um dos maiores elogios (acho que era uma critica, mas pra mim foi um elogio) que fizeram ao meu programa foi de um entrevistado que disse que ele não era "nem um pouco radiofônico", depois de eu tocar uma musica de quase 15 minutos de uma banda nova que soa como velha (e boa) de Pernambuco, o Anjo Gabriel. Tenho muito orgulho de fazer um programa de radio, e mais ainda de ele não ser "radiofônico". www.pdrock-sergipe.blogspot.com