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The Young Gods encontram a Nação Zumbi



Se você é de São Paulo ou Rio de Janeiro, não pode perder as apresentações da veterana e espetacular banda suíça The Young Gods ao lado dos heróis do manguebit, Nação Zumbi. Os grupos se apresentam em 22/05 na Virada Cultural, em 26/05 no Cine Jóia, e no dia seguinte, um sábado, no Circo Voador.

O evento ocorre como parte das comemorações de 20 anos do já clássico álbum "Afrociberdelia", de Chico Science & Nação Zumbi, e está sendo tratado como uma prévia do que os dois grupos apresentarão, juntos, na próxima edição do famoso Festival de Montreaux, na Suíça.

Difícil imaginar uma combinação de artistas mais criativa e original. Os suíços, liderados por Franz Treichler, são tratados como um dos pilares do que se convencionou chamar industrial music. Sua obra faz intersecções com grupos tão diversos quanto Einstürzende Neubauten, Coil, Ministry, U2 e Killing Joke. Mas não apenas. Sua formação inicial também era inusitada: não havia baixista ou guitarrista; apenas o cantor Franz Treichler, o baterista Frank Bagnoud e o sampleador/programador Cesare Pizzi.

A estreia dos Young Gods em estúdio, ocorrida em 1987, trouxe um amálgama de música eletrônica e rock pesado, que, à época, não encontrava paralelos. Mesmo com o repertório em francês, o importante jornal inglês Melody Maker conferiu ao álbum, homônimo, o prêmio de disco do ano.

Do segundo lançamento em diante, o trio suíço esteve mais longe ou mais perto do rock em diversas ocasiões. Em "L'Eau Rouge", de 1989, que saiu no Brasil, em vinil, pela extinta gravadora Stiletto, o grupo vai da melancolia à agressividade sonora, de climas soturnos à música de cabaré. No mesmo ano, partem para um projeto completamente diverso: "The Young Gods Play Kurt Weill", um disco inteiro dedicado a regravações do compositor alemão Kurt Weill, autor de música para câmara e orquestra, e parceiro de Bertold Brecht na famosa "A Ópera dos Três Vinténs".

Ainda antes que Chico Science & Nação Zumbi começassem sua revolução no pop brasileiro, os Young Gods chegaram ao quarto disco de estúdio, adotando, pela primeira vez, o inglês em material autoral. E é do álbum "T.V. Sky", de 1992, a canção mais conhecida do grupo. "Skin Flowers", a reboque de um vídeo-clipe, foi seguidamente exibida por Fabio Massari em seu programa Lado B, na MTV Brasil.

Mesmo assim, os Young Gods nunca deslancharam comercialmente. São uma banda bastante singular, com uma propensão ao estranho, e mais alinhada à cena artística europeia e ao avant garde. Em 1994, quase tocaram no Brasil pela primeira vez. Estavam escalados para o festival BHRIF, em Belo Horizonte, mas cancelaram sua participação depois que as bases do disco "Only Heaven" foram acidentalmente apagadas no estúdio. Foi essa, ao menos, a história que se contou à época.




Nesse mesmo período, Chico Science & Nação Zumbi começam a sacodir a música brasileira com sua mistura original e cosmopolita. Tambores com guitarras, riffs de metal com maracatu, pitadas de hip hop e raggamuffin', e letras que conectavam o rico imaginário nordestino ao futuro digital. A reportagem que apresentou o manguebit ao Brasil foi escrita pelo então VJ Gastão Moreira e publicada na revista Mixer. Ali, descobrimos a quantidade de bandas egressas do Recife e a efervescência de sua cena musical.

O primeiro lançamento de CSNZ, "Da Lama Ao Caos", foi editado pelo selo Chaos, da Sony, que apostava em novos grupos como Planet Hemp e Skank. O impacto foi enorme e Recife tornou-se, por algum momento, a equivalente brasileira de Seattle. Da capital fora do eixo saíram grupos como Mundo Livre S/A, Eddie, Jorge Cabeleira, Sheik Tosado e Devotos do Ódio.

"Afrociberdelia", de 1996, com seu CD em caixa translúcida cor de laranja e linguagem gráfica moderna, trouxe uma das canções mais marcantes do período. A releitura de "Maracatu Atômico", de Jorge Mautner, colocava o pop do Recife conectado ao que havia de mais descolado no planeta. A canção, não por acaso, tornou-se uma trilha marcante nos tempos gloriosos da MTV Brasil e, adequadamente, foi o último clipe exibido pela emissora, em 2013, antes de sair do ar.

Chico Science morreu no ano seguinte, em um acidente automobilístico, aos 30 anos de idade. O grupo seguiu sem ele e firmou-se como uma das grandes forças criativas do pop nacional. Os dois álbuns de CSNZ ganharam a chancela de medalhões da MPB e terminaram rapidamente içados à condição de clássicos. Em matéria especial da Rolling Stone, em 2007, ambos estão listados entre os 100 maiores da música brasileira. E não só: ocupam, respectivamente, a 13ª e a 18ª posições. Top 20, portanto.

Os Young Gods seguiram em frente e passearam pela ambient music, por frequências herdadas do trip hop e por viagens lisérgicas à moda dos anos 60. Encontraram, ao longo do caminho, uma alma gêmea capaz de compreender a singularidade de sua obra. Mike Patton, o prolífico vocalista do Faith No More, passou a editar os lançamentos do grupo nos EUA através de seu selo, Ipecac Records, e também apresentou-se ao vivo com eles. Em 2008, o trio veio finalmente ao Brasil e fez três apresentações históricas em São Paulo. Como nota curiosa, os shows deveriam alternar repertórios elétrico e acústico, mas, por limitações do SESC Pompeia, apenas os sets acústicos foram apresentados. Dizem que a banda ficou furiosa, mas, para o público, valeu -e muito- ter assistido à apresentação do belíssimo álbum "Knock On Wood". E é incrível como, ao vivo, mais até do que em estúdio, a voz de Franz Treichler se parece com a de Bono Vox!

Em 2016, você tem a chance de ver esse encontro nos palcos: The Young Gods e Nação Zumbi. Eu não perderia por nada. 

Um estranho chamado Al Jourgensen

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Foi lançado há alguns dias, via Nuclear Blast, o álbum homônimo do Surgical Meth Machine, novo projeto de Al Jourgensen. Apesar dos rumores de sua aposentadoria, Uncle Al continua produzindo música com bastante frequência - lançou, de quatro anos pra cá, um disco de inéditas do Ministry e outro projeto, Buck Satan and The 666 Shooters, com o veteraníssimo Rick Nielsen, do Cheap Trick.

O disco do Surgical Meth Machine não é muito diferente de experiências sonoras já feitas por Jourgensen, especialmente com o próprio Ministry. Há muitas colagens, samplers, bateria eletrônica, barulho e uma ambiência apocalíptica bastante característica. É também um álbum debochado e que, nesse aspecto, lembra um pouco a irreverência do Revolting Cocks, outro de seus conhecidos projetos e que alcançou certa visibilidade pop com a escrachada regravação de "Do Ya Think I'm Sexy?", de Rod Stewart.

Na nova fornada de canções, se é que o termo se aplica, chama a atenção "I'm Invisible", faixa que encerra o disco. Nela, pode-se ouvir a voz limpa de Al Jourgensen, sem efeitos de estúdio, e que remete a um período perdido do Ministry. Quem conhece "With Simpathy", o primeiro trabalho do grupo, de 1983, sabe que nem sempre Uncle Al cantou de maneira cavernosa e com a voz soterrada por efeitos. Pelo contrário, o synthpop que ele hoje renega era música feita para rádios e pistas de dança; inspirada nas bandas inglesas da mesma vertente.

As mudanças na carreira desse cubano radicado nos EUA e nascido Alejandro Ramirez, dariam filme. Do já citado início, em que teve o luxo de arregimentar músicos top para sua banda de apoio e chegou a abrir um show para o Police na megaturnê do disco "Synchronicity", até as glórias do início dos anos 90, período em que o Ministry frequentou grandes festivais e teve clipes exibidos em alta rotação na MTV.

Al Jourgensen admite que o sucesso obtido na década de 1990, época que viu a última corrida do ouro das grandes gravadoras, teve lá seus efeitos. Se lambuzou com os orçamentos para entregar os discos do Ministry para a Sire -subsidiária da Warner- e caiu de cabeça numa vida de sexo, drogas e rock'n'roll sem limites e que remonta às histórias mais excêntricas dos anos 70. Usou todas as drogas conhecidas, de heroína a crack, e viu sua produção musical decair na mesma proporção.

Passou anos num vai e vem de lucidez, aparecendo em público em variados estados de sanidade e aspecto físico, e perdeu a colaboração do baixista e produtor Paul Barker, seu grande parceiro musical. O período que se seguiu, e que é conhecido como a fase de El Paso, dada a mudança de Jourgensen para o Texas, gerou discos que eram verdadeiros manifestos contra a administração George W. Bush. Dá pra dizer que Al ficou completamente obcecado pelo tema: em "Houses of the Molé" todas as faixas começam com a letra W e em "The Last Sucker" e "Rio Grande Blood", o ex-presidente republicano aparece nas capas em montagens bizarras.

O envelhecimento e a distância dos holofotes parecem ter levado Jourgensen a cultivar sua fama de louco e excêntrico como uma espécie de cartada final. Encheu o rosto de piercings subdermais, escreveu uma biografia em que conta histórias horripilantes sobre drogas e prostituição ("The Lost Gospels According to Al Jourgensen") e estrelou um documentário igualmente extremo e não indicado a espectadores mais sensíveis ("Fix: The Ministry Movie").

Em 2015, esteve no Brasil pela primeira vez em 35 anos de carreira e fez um show antológico com o Ministry. Trajando uma camisa com estampa de Che Guevara, promoveu um verdadeiro bombardeio sonoro no palco da Audio Club, em São Paulo, amplificado pelas projeções de imagens apocalípticas e anti-imperialistas. A repercussão do show foi tamanha que o Ministry terminou convidado a voltar ao Brasil no mesmo ano para apresentar-se no palco Sunset, do Rock in Rio.

Nas entrevistas de divulgação do novo trabalho, Uncle Al não comenta sobre a aposentadoria que vem adiando há tempos. Mas detona, com sua prosa divertida, o que sobrou da indústria fonográfica e brinca com o interesse da gravadora alemã Nuclear Blast: "Acham que vão ganhar dinheiro com essa velha carcaça". Por fim, revela, em outra excêntrica jogada de autopromoção, que a radiografia na capa do disco é de seu próprio rosto. De acordo com ele, os dentes implantados, incluindo aqueles de vampiro, foram resultado dos anos de abuso de drogas. "O crack e a heroína me deixaram banguela".