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"Pais e Punks": igual a tudo na vida

Na semana passada, o canal GNT exibiu "Pais e Punks", documentário que revela como alguns integrantes de bandas punk lidam com a paternidade e seus efeitos.

O tema é quente. Há alguns anos, a MaximumRockandRoll dedicou uma edição especial a respeito. A ideia era entender como um punk rocker pode se tornar um pai de família sem repetir os padrões impostos socialmente.

O documentário esbarra nessa abordagem, mas ao invés de veganos que alimentam a prole com dietas radicais ou punks ortodoxos que vivem numa bolha alheia ao mundo do consumo, a diretora Andrea Blaugrund Nevins entrevistou membros de bandas conhecidas e que vivem de música.

Nesse sentido, foi bastante acertada a escolha de Jim Lindberg, vocalista do Pennywise, como protagonista do filme. Pai de três filhas, Lindberg passa meses em turnê para sustentar a família e vive num eterno dilema para conciliar seus papeis.

O empresário da banda e o idealizador do festival itinerante Warped Tour não vêem conflito na situação. É tudo business. "Não vejo porque o Pennywise não possa estar aí daqui a 10 ou 20 anos. Se continuarem levando a carreira a sério, trabalhando duro e entretendo o público, vão durar muito tempo", diz Andy Somers, o agente.

Mas há dois temas espinhosos pelo caminho: manter relações familiares quando se passa cinco meses por ano longe de casa e preservar o espírito punk tocando toda noite por dinheiro.

Jim Lindberg não aguenta uma coisa nem outra. Confessa que trocaria a adulação e a vida na estrada por estar ao lado das filhas. E que pinta o cabelo e o cavanhaque pra que a molecada skatista não perceba que o vocalista do Pennywise é um coroa.

Vários outros entrevistados deixam as máscaras caírem. 

Casos de Tony Adolescent, que diz não ter mais vigor físico para aguentar o ritmo das apresentações do Adolescents. De Fat Mike, do NOFX, que revela encher a cara antes de subir no palco. E de Duane Peters, o porra-louca do US Bombs, que confessa sentir-se um palhaço de circo tocando a mesma música toda noite. Pesado.

Todos fazem isso para sustentar seus filhos, o que pode frustar a utopia punk de manter a música e a mensagem puras. Talvez seja apenas o tipo de entrevistado escolhido para o filme. Ou talvez seja apenas a realidade.

Mas é no segmento final de "The Other F Word" -o título original brinca com o "f" de "family" em lugar "fuck"- que o bicho pega no lado emocional.

Flea, o milionário baixista do Red Hot Chili Peppers e punk de ocasião, que num passado longíquo tocou no Fear, fala sério como poucas vezes. Enxuga as lágrimas relembrando sua família disfuncional e se comove ao afirmar que ter sido pai lhe deu uma segunda vida.

Tony Adolescent também remexe nas más experiências da infância e conta como jamais superou o trauma de ter perdido um filho às vésperas do nascimento. Até Duane Peters, radical skatista da primeira geração e um dos vocalistas mais alucinados do punk rock, chora de soluçar ao lembrar do filho morto num trágico acidente automobilístico.

É fácil ligar os pontos e entender porque vários desses músicos, filhos de pais alcoólatras e mães fanáticas por religião, encontraram no punk rock sua válvula de escape. E mais ainda: porque se tornaram pais amorosos e que não querem destruir a infância de suas crianças. 

Alguns se tornaram pais de família quase convencionais. Outros, como Lars Frederiksen, do Rancid, não são mais do que moleques crescidos. Poucos, como Ron Reyes, ex-Black Flag, largaram tudo para trás. Mas todos foram profundamente afetados por esse terremoto chamado paternidade.

Como reflete Jim Lindberg, após largar o Pennywise para assumir o papel integral de pai: talvez o jeito de mudar o mundo seja educando melhor as crianças.

Faz sentido.