ÚLTIMAS COLUNAS
Leia, comente, compartilhe

The BellRays volta para incendiar o Brasil

Quer ver um show de máximo impacto, num dia da semana menos concorrido, num horário decente e com um banda de sangue quente? Não é um convite, é uma intimação: na próxima terça-feira, dia 6, o quarteto soul-punk The BellRays volta ao Brasil para show no Clash Club. Imperdível.

Acho que já disseram que os BellRays são uma mistura do pré-punk de Detroit com blues, garage rock e uma band leader enfeitiçada por divas do soul como Aretha Franklin e Odetta. E se não disseram, faço minha a descrição: os BellRays são isso ou quase isso.

A banda está na ativa desde o comecinho dos anos 90, mas, pra muita gente, só entrou mesmo no radar na última década. O quarteto passeou por vários selos independentes sem se vincular a nenhum. Teve, inclusive, uma passagem pela Alternative Tentacles, de Jello Biafra, selo cuja variedade de artistas levou ao banimento de anúncios pela MaximumRockandRoll com a alegação de promover lançamentos que não eram exatamente punks.

Quem se importa? Jello, um audiófilo qualificado, abrigou os BellRays na gravadora do morcego e lançou o disco The Red, White and Black, de 2004. O álbum, de certa forma, encerra o ciclo de uma sonoridade mais crua e sinaliza a transição para um formato mais sofisticado, mas não domesticado, do excelente Have a Little Faith, de 2006.

Foi com esse disco na bagagem que os BellRays aportaram no Brasil para botar mais fogo no Inferno. Estive na apresentação antológica, em 2007, e vi o público dançar e se esgoelar com canções como "Tell the Lie", "Time is Gone" e "Detroit Breakdown".


Lisa Kekaula, front woman sem o padrão de beleza universal, mas com a sensualidade natural de uma cantora negra de soul, se equilibrava sobre um par de saltos e desfilava imponente num vestido colado e cintilante. A seu lado, uma banda envenenada que ganhou cancha em 20 anos de estrada e com ouvidos para a Motown e o MC5.

Me vi, lá pelas tantas, cantando o refrão de "Highway to Hell", do AC/DC,  com o microfone estendido pela senhora Kekaula que, antes, em momento embascante, havia descido do palco para cantar, no meio do público, a belíssima balada "Have a Litte Faith". Êxtase garage-soul-punk.

Quando os marketeiros de Barack Obama usaram "Revolution Get Down", dos BellRays, para incendiar a esperança em uma nova América multiracial, sabiam o que estavam fazendo.

Política continua sendo só política, mas nos BellRays vale a pena acreditar.


Clipe de "Infection", do álbum Hard Sweet and Sticky, de 2008

Uma prosa com Joey Shithead, do D.O.A.

Joey "Shithead" Keithley é uma das personalidades mais importantes do punk na América do Norte. Para os canadenses, então, é um autêntico godfather.

Aos 55 anos de idade, Joey permanece ativo com sua banda D.O.A. Já são mais de 3 décadas de carreira, 15 álbuns de estúdio, dois livros, um disco solo e outro, seminal, ao lado de Jello Biafra. 

No momento em que esta coluna é escrita, o D.O.A. está encerrando sua primeira turnê pelo Brasil. Foram três shows: o primeiro em Curitiba, o segundo em São Paulo (foto abaixo) e o último, deste domingo, no Rio de Janeiro.

A banda aterrissou no Brasil na quinta passada, dia 17, e fui convidado para um jantar de boas-vindas aos canadenses. Por um desses acasos, meu lugar na mesa era aquele ao lado de Joey Shithead. Apreciador de uma boa conversa, não se importou em relembrar inúmeras histórias sobre os primórdios do punk na América do Norte, o rock canadense e muito mais.

Joey me contou, por exemplo, como foi abrir um show do David Lee Roth em Vancouver.

"Estava programado para que o Poison tocasse, mas um integrante deles quebrou o braço e fomos convidados em cima da hora pra susbtitui-los. Tinha quase 15 mil pessoas no lugar e muita gente na primeira fila atirando moedas em nós. Os seguranças do David gostaram da gente e começaram a dar porrada em quem jogava coisas no palco. Depois, nos camarins, aprontamos várias e fomos expulsos pelo empresário dele. Mas David é um cara direto, sem frescuras. E na época era um completo 'party animal'. Cheirava várias e frequentava todos os inferninhos".

O Canadá tem assuntos variados na cultura rock. Citei alguns nomes menos óbvios e deixei Joey discorrer, entre uma e outra garfada num delicioso siri.

"Nardwuar é um bom entrevistador. Tem um grande conhecimento musical. Mas da primeira vez que ele me entrevistou, quase saí andando depois de 5 minutos. Não tinha entendido qual era a daquele personagem. O Razor? Não sei nada sobre eles, exceto que fizeram um documentário a respeito dos caras. Ah, esse é o Anvil? Não sei quem é quem. E nunca vi o documentário. O Michel [Langevin, baterista do Voivod] já tocou com a gente em um show beneficente. Ensaiamos por uma tarde e ele tocou umas 12 músicas. É um cara bacana. Do BTO [Bachman-Turner Overdrive] tenho boas lembranças: fizemos um show com eles em um presídio de segurança máxima no norte do Canadá. Era a primeira apresentação do BTO com a formação original em uns 20 anos".


Joey me perguntou se eu recomendava alguma loja de discos em São Paulo. Expliquei o que era a Galeria do Rock e de como Jello Biafra comprou uma enormidade de LPs por lá.

"Sim, eu posso imaginar. Ele tem uma coleção enorme. Uma grande sala com álbuns do chão até o teto. E tudo organizado alfabeticamente! Se você perguntar a ele sobre um LP qualquer, ele dá uma olhada rápida e já puxa o disco da estante. É incrível. Existe um tipo de colecionador que compra de tudo, e existe aquele que só coleciona o que realmente gosta. Jello faz parte do segundo tipo. Não sei quantos álbuns ele tem, mas, baseado em um veterano radialista de Vancouver a quem ajudei a remover 40 mil LPs, eu arriscaria dizer que Jello tem uns 20 mil discos".

Não dá pra papear com um ícone punk sem falar de outros protagonistas. Mencionei que, em 1999, hospedei Mykel Board, célebre colunista da MaximumRockandRoll, e que o mesmo me disse que só havia duas pessoas em toda a cena punk pelas quais ele colocaria a mão no fogo. Uma delas era Tim Yohannan, fundador da própria MRR, falecido em 1998.

"Tim era uma grande figura. Você debatia com ele por 4 ou 5 horas sobre punk e política, e, no final da conversa, via que ele não tinha mudado uma vírgula em sua forma de pensar. Era muito teimoso e idealista. Mas o papo terminava e continuávamos amigos. Ian MacKaye também é muito íntegro. Mantém os mesmos princípios após todos esses anos. Mas quem é a outra pessoa que ele [Mykel Board] disse que não se venderia?".

Respondi que era G.G. Allin.

"Ah, não tenho muito respeito pelo G.G. Allin. O cara nunca escreveu uma música que preste. Era basicamente um encrenqueiro". Comentei que, mesmo assim, G.G. deixou sua marca. Joey concordou: "Bom, isso é verdade. E também não quero falar mal do cara. Ele nem está mais entre nós. Ah, deixa isso pra lá. Um brinde a ele!".

Erguemos as taças e brindamos G.G. Allin.

-----------------

Em breve no portal Rock Press, uma entrevista que realizei com Joey Shithead, no backstage do show do D.O.A em São Paulo, na qual ele revela como foi gravar com Jello Biafra, fala sobre Chuck Biscuits, a origem do hardcore e muito mais.


D.O.A toca a quintessencial "The Prisoner", em Vancouver, em 1992