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Adeus ao capitão

Volta e meia eu me lembrava de Captain Beefheart. Eu o imaginava em seu trailer, no alto do deserto do Mojave, vivendo uma realidade paralela com suas pinturas e a companhia de Jan - mulher com quem era casado há 40 anos.

Até alguns anos atrás, eu nutria o mesmo tipo de sentimento por outro gênio louco dos 60's. Visualizava Syd Barrett em Cambridge, lidando com seus demônios particulares e se entretendo com o jardim.

Os dois se foram, natural que sejam assim, mas deixaram a sensação de que, pouco a pouco, não restará qualquer revolucionário da música dividindo conosco esse planeta.

O inventor da psicodelia floydiana morreu em 2006. Don Van Vliet, o Captain Beefheart, morreu na última sexta-feira, dia 17.

Fruto dos anos 60, Don deixou um legado que influenciou esteticamente new wave, punk, blues e congêneres.

Difícil acreditar que Beefheart e Frank Zappa, protagonistas da vanguarda criativa dos anos 60 e 70, se conheceram na adolescência. Tocaram juntos, pintaram, bordaram, se desentenderam e entraram para a história.

O álbum mais emblemático de Captain Beefheart, o duplo "Trout Mask Replica", de 1969, foi produzido e lançado por Zappa. Os dois tocariam juntos ainda no lendário "Bongo Fury", de Zappa.

Mas apesar da proximidade com o gênio, Van Vliet tinha seu próprio universo musical. Uma mistura torta e improvável de blues, 60's rock, avant-garde, psicodelia e até certa dose da sujeira e distorção executadas por contemporâneos como os Stooges. Tudo sob uma voz pigarrenta que muitos comparavam a Howlin Wolf.



O disco de estreia de Beefheart, "Safe as Milk", de 1967, é mais do que um impressionante cartão de visitas. Faixas como "Sure 'Nuff 'n Yes I Do" e "Electricity" são simplesmente obrigatórias a quem se dedica a estudar os anos 60.

Dono de uma carreira errática ao longo dos anos 70, em que brigou, se reconciliou e brigou de novo com Zappa, Beefheart gravou seus últimos discos na virada para a década de 80. "Doc at the Radar Station", seu penúltimo trabalho, é outra gema com nível de "discoteca básica".


Em 1982, Van Vliet, que nunca teve disposição para lidar com as coisas da indústria fonográfica, largou a música para se dedicar integralmente às artes plásticas - sua habilidade para as artes foi evidenciada aos 13 anos de idade quando recebeu convites para estudar na Europa. "Meus pais fugiram para o deserto para me afastar da arte", revelou em entrevista a Dave Letterman.

Desde então, Don vivia recluso em um trailer no deserto do Mojave numa espécie de idílio criativo. Cruzei parte daquela imensidão poeirenta em duas ocasiões e o lugar tem mesmo algo de místico. Natural que uma alma como a de Van Vliet tenha buscado refúgio naquele isolamento contemplativo.

Um dos únicos contatos de Beefheart com gente da música era a inglesa PJ Harvey.

Ela conta que em 2000, Don, provavelmente sob os efeitos da esclerose múltipla que veio a dominá-lo, não reconheceu sua voz ao telefone. Mesmo assim, encheu de elogios a demo do que viria a ser o disco "Stories from the City, Stories from the Sea".

A percepção de Don mantinha-se aguçada: o álbum é mesmo excelente.

Descanse em paz, capitão.

A influência de Lynott - 24 anos depois

Dezembro é um mês de trágicas mortes no mundo da música. De John Lennon e Dimebag Darrell -assassinados por fãs psicopatas- a Darby Crash, do Germs, que cumpriu um pacto suicida com a namorada.

Essa também foi a época em que Phil Lynott, líder do Thin Lizzy, deu seus últimos suspiros. O vocalista morreu logo após as festas de fim ano, mais precisamente em 4 de janeiro, em decorrência de anos de consumo enlouquecido de drogas. Seus órgãos simplesmente pararam de funcionar com a quantidade de veneno ingerida ao longo da vida. Um desfecho mais sombrio e doloroso que uma overdose.

Caixa Preta se antecipa às homenagens que certamente acontecerão daqui a um ano, quando se completará a data de 25 anos de sua morte, e relembra aqui mais um ano sem o pai do rock irlandês.


Imagine você o que deve ter sido crescer filho de mãe solteira e único negro da escola, do bairro e da cidade inteira na Irlanda dos anos 50?

Agora imagine que, contra todos os prognósticos, esse alvo perfeito de bullying veio a se tornar o mais adorado rock star do país, dono de uma estátua no centro de Dublin e com sua efígie estampada em selos comemorativos dos correios.

E Lynott percorreu uma trajetória igualmente improvável na música. A versão do Thin Lizzy para a cantiga popular "Whiskey in the Jar" fez mais pela auto-estima do povo irlandês, então vivendo numa pindaíba, do que todo o progresso socio-econômico das décadas seguintes.

Um negro irlandês transformar folk em rock no ano de 1973 e ainda emplacar o Top 10 parece obra de ficção.

O documentário "Out of Ireland", exibido há alguns anos no Eurochannel e inédito em DVD, remonta a árvore genealógica do rock'n'roll na Irlanda e dedica ao Thin Lizzy e, mais especialmente a Phil Lynott, um capítulo generoso.

No filme, Bono Vox rasga elogios ao baixista/vocalista e Bob Geldof revela que Lynott vivia o personagem "astro do rock" em tempo integral. "Ia de óculos escuros e jaqueta de couro ao supermercado ao meio-dia".

Filho de um suposto e desconhecido marinheiro brasileiro, Phil é cultuado pela belíssima voz, o carisma, a inteligência e a presença de espírito de um autêntico rock star.

A carreira de Lynott com o Thin Lizzy é irremediavelmente ligada ao hard rock e heavy metal, embora interpretassem esses gêneros de maneira singular e, em seu DNA, fossem pura e simplesmente uma banda de rock'n'roll. E, vez ou outra, com o vocalista justificando sua pele e enveredando pela soul music em temas magníficos.

Difícil classificar o Lizzy, mas sua influência. essa sim, parece não ter fim. De Henry Rollins, que no livro "Get in the Van" declara-se um fã, ao suecos do Cardigans - autores de uma versão açucarada de "The Boys are Back in Town".

Em 2007, o Motörhead incluiu um cover de "Rosalie" em seu show em São Paulo. Na ocasião, Lemmy perguntou se havia fãs do Thin Lizzy na casa. Uns poucos se manifestaram. Decepcionado, disse: "Vamos lá, o cara era brasileiro".

Em 2010, o Supersuckers supreendeu ao abrir seu show em Sampa com um cover de "Are you Ready" - pedrada de um B-side do Thin Lizzy.

Mais de duas décadas de sua morte e a lenda de Phil Lynott sobrevive.



John Lydon: a entrevista

Impossível contar a história do rock sem citar John Lydon. O eterno líder do Sex Pistols é amado, odiado, imitado, criticado e reverenciado. Tudo ao mesmo tempo e com o mesmo fervor.

Aos 54 anos, Lydon resolveu reformar o magnífico PiL. Como parte do processo de botar a banda mais uma vez na estrada, o vocalista tem concedido as habituais entrevistas promocionais. Uma delas, de março deste ano, me pegou de surpresa.

Mais de uma vez li relatos que descrevem John Lydon como um sujeito arrogante e megalomaníaco. De outras fontes, ouvi que o cantor é alguém que vive em outro planeta.

O jornalista André Barcinski, por exemplo, conta que desistiu de entrevistar Lydon para seu livro "Barulho" após este ter exigido uma limousine para ir buscá-lo num hotel.

Pois bem, ao menos para este escriba a fama acaba de ser implodida.

O responsável pela façanha é o canadense Nardwuar, um impagável entrevistador sobre o qual escrevi um texto que já se evaporou da Caixa Preta. Nard conversou com Lydon por nada menos que 45 minutos. O resultado é diversão pura.

O gancho para a entrevista foi, claro, a reunião do bacanérrimo PiL - banda que não se apresentava ao vivo há 17 anos e que em 2010 foi headliner do badalado festival Coachella, entre outros.

E se apenas a notícia da volta do PiL já seria suficiente para animar qualquer ouvinte, a conversa -que você pode ouvir nos podcasts do iTunes- tem um aura de camaradagem que eu há muito não via.

Lydon, ao contrário da (má) fama, revela-se um daqueles ingleses fanfarrões e boa praça: não economiza nas gargalhadas e responde sobre tudo com supreendente simplicidade.


Pra começar, essa figura "icônica" do rock'n'roll mostra que não se fechou numa bolha e acompanhou muito do que se fez na música desde a revolução de costumes que ajudou a criar. Só pra citar um exemplo, John Lydon é fã do Exploited. Eu não imaginaria.

Como bom inglês, fala com gosto de seu time de futebol favorito, o londrino Arsenal, de quem cita vários jogadores da velha guarda. Mas também discorre sobre atividades prosaicas, como preferir DVDs ao cinema - local onde é tremendamente assediado.

Lydon se diz fã das bandas alemãs Magma e Can, gosta do Free, diz que o Clash não sabia tocar reggae direito e reclama que a herança do punk é lamentável: de um lado bandas obtusas e radicais, de outro o Green Day com cabelos espetados e jaquetas de couro.

Nardwuar é o melhor entrevistador que conheço. Mistura cara-de-pau com conhecimento enciclopédico de rock. Em uma de suas considerações, pergunta se Lydon conheceu "heróis do punk americano" - gente como, por exemplo, Jello Biafra.

A resposta é um contraponto curioso ao que eu mesmo havia perguntado a Jello há menos de um mês: "Ele fala demais e não tem humor. Tenta parecer intelectualizado e provar seu ponto de vista sobre as coisas. Parece que está sempre tentando vender essa imagem. Acho que às vezes temos que saber socializar e apenas bater um bom papo".

E isso Lydon provou que sabe fazer.



No vídeo acima, o PiL no auge da forma. Quem se aventura a trazer Lydon e banda para o Brasil?

Lemmy, o blues e a cerveja

Em 2001, me encontrei acidentalmente com Lemmy num local bastante apropriado: um cassino em Las Vegas.

O eterno líder do Motörhead estava vestido exatamente como já vimos em milhares de fotos e vídeos ao longo dos anos: camisa preta, jeans surrados e a velha bota de couro de cobra.

Embora tenha como mandamento quase sagrado respeitar a privacidade alheia, abri uma exceção e interpelei Lemmy para um prosa de uns 3 minutos. Contei que havia estado no primeiro show que o Motörhead realizou no Brasil, em 1989, e que lembrava o set-list de cabeça.

Lemmy achou graça, mas devolveu com um cruzado no queixo: "E nos outros shows que fizemos por lá depois, você não foi por quê?". Me esquivei do golpe. Disse que tinha ido a todos eles -mentira, claro- mas que o primeiro a gente não esquece. Lemmy assentiu: "Nisso você tem razão".

Foi a única vez que vi Lemmy fora do palco e me pareceu exatamente o tipo de cara que você imagina que ele seja. Boa praça, meio rabugento e absolutamente autêntico.


Aparentemente, essa é a opinião de grande parte do público masculino que tem entre 35 e 49 anos. Pelo menos é o que afirmam os espertos publicitários da geração X.

Depois de usarem "Should I Stay or Should I Go", do Clash, em um comercial de TV, de plagiarem o logo e a capa de uma compilação do Minor Threat para o lançamento de um tênis e de transformarem Iggy Pop e John Lydon em garotos propaganda, agora é a vez de modificarem "Ace of Spades" com a permissão de seu autor.

Explica-se: a canção mais famosa do Motörhead, em versão alternativa, virou tema da campanha "Slow Down the Pace" -algo como "Diminua o ritmo"- para a cerveja Kronenbourg 1664.

O objetivo da marca é fazer com que pessoas como eu, e talvez como você, caro leitor, acreditem que se o Lemmy pode largar a vida de excessos e se contentar com uma cervejinha, porque nós, simples mortais, não podemos?
De acordo com o diretor de criação da agência responsável, o mais difícil não foi convencer Lemmy a participar do comercial - o notório apreciador de Jack Daniels com Coca-Cola já apareceu em propagandas de salgadinhos e chocolate antes.

O complicado, nas palavras do publicitário, foi lidar com a montanha de russa de humor de Lemmy durante a nova gravação de "Ace of Spades".

Como se sabe, o Motörhead jamais havia regravado seu maior clássico em estúdio e seu autor, pelo que consta, sempre protegeu a aura de clássico da canção.

Mas, no fim, a Kronenbourg 1664 ganhou uma versão blues de "Ace of Spades" para mostrar que até um bad motherfucker como Lemmy pode, por uma quantia substancial, "diminuir o ritmo".

Jello Biafra, que me confidenciou em entrevista ter passado mal fisicamente com o uso de "Search & Destroy", dos Stooges, em uma propaganda da Nike, com certeza não aprovaria.

Mas o carisma de Lemmy parece capaz de nos fazer achar o comercial da Kronenbourg a coisa mais cool do mundo.

Assista abaixo e me diga se não é legal...

The Mummies X Buzzcocks

O que existe em comum entre as vindas de Mummies e Buzzcocks ao Brasil? Elas estão separadas pelo megashow de Paul McCartney em São Paulo.

O insano quarteto surf-garage-punk de San Francisco tocou na última quinta-feira, 18, e a lendária banda de Manchester toca na próxima, 25/11.

E o que isso quer dizer? Nada. Ou alguma coisa.


Os Mummies fizeram um show insólito e memorável num Clash Club surpreendentemente lotado, interpretando um tipo de música cuja sonoridade nasceu na época em que os Beatles reinavam sobre o planeta. Trata-se de um amálgama de sons sessentistas (garage, surf music, pré-punk) recuperados com crueza lo-fi.

Pra saber mais sobre a algazarra promovida pelas múmias, leia a resenha que escrevi para o portal aqui.


Já o Buzzcocks é de outra praia, mas nem tanto. Formaram ao lado dos Pistols e Clash uma espécie de tríade sagrada do punk inglês. Mesmo com metade da fama são os melhores melodistas de toda aquela geração que incluiu, ainda, gente como Damned, Stranglers, X-Ray Spex e muitos outros.

Me encontrei com Pete Shelley em 2007, última vez em que o Buzzcocks esteve no Brasil. A primeira coisa que fiz questão de dizer ao ídolo de Morrissey e tantos outros é que ele e seu parceiro, Steve Diggle, são o Lennon-McCartney do punk. Shelley soltou um "Oh!", sucedido de um sorriso com discrição britânica.

Meu primeiro contato com o Buzzcocks aconteceu através da famosa compilação de singles com o esperto título de Singles Going Steady. Ouvi até não aguentar mais.

Poucos anos depois, em 1995, tive a chance de ver e ouvir aquele repertório ao vivo no extinto Aeroanta - casa que ficava no Largo de Pinheiros, em São Paulo, e que abrigou outra penca de shows antológicos.

Até hoje está entre os shows realizados no Brasil com volume mais absurdo. Talvez perca para o Motörhead do já quase surdo Lemmy.

Se você, como este escriba, foge de megashows como o diabo da cruz, claro que vai escapar de Macca no Morumbi.

Sua primeira alternativa para a multidão que vai chorar enquanto canta o la-la-la de "Hey Jude" foi a demência dos Mummies.

Se por acaso acabou perdendo, o Caixa Preta dá a dica: roube ou pegue um empréstimo, mas não deixe de ver o Lennon- McCartney do punk na próxima quinta-feira.

E pode chorar que não faz mal nenhum.

Uma dica e um aviso

Primeiro, a dica: a famosa estação de rádio de Los Angeles, KROQ, através da qual tornou-se conhecido o radialista Rodney Bingenheimer, citado em 9 de cada 10 documentários sobre punk, deu uma prévia do novo álbum do Social Distortion.

A faixa "Machine Gun Blues", que integra o track-listing de Hard Times and Nursery Rhymes, pode ser ouvida aqui e acompanhada de uma entrevista (texto) com Mike Ness.


Agora, o aviso: o Portal Rock Press está reestruturando algumas de suas áreas, razão pela qual o Caixa Preta deixará de usar, em breve, a plataforma do Blogger.

Para quem já acessa via portal, nada vai mudar. Mas se você acessa pelo endereço de URL (http://caixapretaprp.blogspot.com/), terá que fazer outro caminho. É simples: visite o portal (http://www.portalrockpress.com.br), clique em "Colunas" e, depois, em "Caixa Preta".

Como parte da migração do blog para o novo formato, as postagens anteriores a setembro de 2010 já foram removidas do histórico do blog. Mas todos os textos voltarão na nova versão.

Uma prosa com Jello Biafra

Em pouco mais de 20 anos de jornalismo musical diletante, entrevistei alguns personagens importantes na história do punk americano.

Ian MacKaye (Minor Threat/Fugazi), Jerry Only (Misfits), Mike Muir (Suicidal Tendencies), Shawn Stern (Youth Brigade), entre outros.

Faltava um dos maiores.

Na sexta-feira passada, dia 29, falei com Jello Biafra por telefone. A conversa durou cerca de 35 minutos e foi publicada hoje no Portal Rock Press como aquecimento para os shows certamente históricos que Jello realizará nos próximos dias no Brasil (leia mais aqui).

Biafra sintetiza tudo que se imagina de um artista que está umbilicalmente ligado à história do punk. É altamente politizado, sarcástico, um grande letrista e observador da sociedade. A coerência de sua obra musical e de seu ativismo são sustentados pelo binômio talento/integridade.



Conheci o Dead Kennedys em 1986, quando a emblemática banda de San Francisco se separava e, de tabela, aumentava o vazio numa época em que o punk começava a definhar (o Black Flag, só pra citar outro exemplo, acabou no mesmo ano).

Curiosamente, enquanto a ressaca tomava conta da cena na América e na Europa, um quase desapercebido boom de punk rock dominou a 'classe de 86' em São Paulo. As divertidas "Ashtma" e "Nellie the Elephant", do Toy Dolls, tocavam nas festinhas da época e o disco de estreia do Dead Kennedys, lançado originalmente em 80, era editado sem autorização por aqui através da gravadora Continental. Tocou até no rádio e, dizem, vendeu cerca de 30.000 cópias, das quais Jello Biafra e seus comparsas não viram um centavo sequer.



Três anos depois o vocalista reaparecia num projeto com a visceral banda canadense D.O.A e, daí por diante, comprei tudo que Jello gravou.

Ouvindo cada parte dessa discografia imponente, dá para entender a reverência com que o mais importante punk vivo será recebido no Brasil para divulgar o excepcional The Audacity of Hype.

Para preparar os ouvidos, o Caixa Preta montou um Top 20 com uma canção escolhida de cada disco gravado por nosso terrorista predileto (pra chegar no número, incluímos faixas inéditas de uma trilha sonora, uma coletânea e uma participação num álbum do Napalm Death).

Se tiver paciência, monte o tracklist e já entre no clima dos shows:

  1. Holiday in Cambodia (DK's, Fresh Fruits for Rotten Vegetables, 80)
  2. Nazi Punks Fuck Off (DK's, In God We Trust, Inc, 80)
  3. Moon Over Marin (DK's, Plastic Surgery Disasters, 82)
  4. This Could Be Anywhere (DK's, Frankenchrist, 85)
  5. Chickenshit Conformist (DK's, Bedtime for Democracy, 86)
  6. Full Metal Jackoff (w/ D.O.A., Last Scream of the Missing Neighbors, 89)
  7. Message from Our Sponsor (w/ Keith LeBlanc, Terminal City Ricochet, 89)
  8. The Power of Lard (Lard, The Power of Lard, 89)
  9. Fork Boy (Lard, The Last Temptation of Reid, 91)
  10. Fireball (Tumor Circus, s/t, 91)
  11. Bad (w/ Nomeansno, The Sky is Falling and I Want my Mommy, 91)
  12. Convoy in the Sky (w/ Mojo Nixon, Prairie Home Invasion, 94)
  13. Sidewinder (Lard, Pure Chewing Satisfaction, 97)
  14. Electronic Plantation (No WTO Combo, Live from the Battle in Seattle, 99)
  15. 70's Rock Must Die (Lard, 70's Rock Must Die, 00)
  16. Allah Save Queens (w/ Carpet Bombers for Peace, Salt in the Wound - EP, 03)
  17. Plethysmograph (w/ The Melvins, Never Breath what You Can't See, 04)
  18. Those Dumb Punk Kids (Will Buy Anything) (w/ The Melvins, Sieg Howdy, 05)
  19. The Great and the Good (w/ Napalm Death, The Code is Red..., 05)
  20. I Won't Give Up (JB & TGSOM, The Audacity of Hype, 09)

A volta do xamã espacial

No início de 2006, Dave Wyndorf tomou uma overdose de comprimidos e quase morreu.

Todos os compromissos de sua banda foram cancelados e chegou-se a duvidar que, aos 50 anos de idade, ele teria a energia necessária para retomar a carreira.

É como se a obra do Monster Magnet, grupo fundado por Wyndorf no final dos anos 80, dependesse diretamente dos excessos de seu criador. Arauto da cena stoner rock, o grupo de New Jersey sintetiza musicalmente o que qualquer psicotrópico faria com seu cérebro.

Delírios interplanetários, xamanismo, serpentes, ácido, pornografia. Imagine tratar de tudo isso ao mesmo tempo com a devida dose de loucura sob uma base sonora com um pé no space rock, outro no proto-punk e as antenas no hard rock dos 70's.

Manter a chama de uma discografia então formada por irretocáveis 6 álbuns de estúdio parecia trabalho demais para quem perdera o combustível alucinógeno.


Mas um ano depois da experiência quase fatal de seu mentor, o Monster Magnet lançou um colosso chamado 4-Way Diablo.

Os mais exigentes fizeram ressalvas de toda espécie. Desde as convencionais ("Eles nunca vão fazer outro Powertrip"), até as mais venenosas ("O álbum foi concebido antes da overdose e com canções escritas em vários momentos do tempo").

Wyndorf reapareceu transfigurado para a turnê de promoção do disco. De um "sleazy motherfucker" à la Iggy Pop, Dave virou uma espécie de Tad - aquele rockeiro balofo de Seattle. O definitivo rock star estava gordo e livre dos vícios.

Mas o tempo está ao lado deste xamã pós-moderno: nesta semana foi lançado o oitavo e novíssimo álbum de estúdio do Monster Magnet, Mastermind.

Intenso, viajante, coisa de louco.

Tudo que Wyndorf canta soa muito bem. Suas letras são únicas, o trabalho de guitarra do velho comparsa Ed Mundell é de outro planeta e cada composição é uma pequena gema de um rock'n'roll escrito à base de algum manual perdido dos 70's.

É a banda mais bacana em atividade. Neste e em qualquer planeta.

Stonehenge é aqui.

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Assista abaixo ao primeiro clipe extraído de Mastermind.

Social Distortion, capítulo 7

O Social Distortion nunca foi conhecido por ter uma produção musical prolífica. Da estreia ao segundo disco, a banda levou 5 anos.

Mais tarde, Mike Ness e seus comparsas viveram um período de alta atividade que rendeu alguns discos de ouro e um status que extrapola os guetos do punk.

Em seguida, com o afastamento da Sony Music, a banda precisou de infindáveis 7 anos recheados de todo tipo boato para lançar o álbum que a recolocou de vez na estrada.

Sair da confortável letargia custou, de cara, os serviços do já quarentão John Maurer, baixista que esteve com o grupo por 15 anos. O line-up, então já reformulado pela morte de Dennis Dannel, passou a ser quase uma banda de apoio para Mike Ness.

Foi com essa formação que o Social D aportou no Brasil esse ano pela primeira vez e tocou no Via Funchal, em São Paulo, para impressionantes 5.000 fãs.

Antes de ontem, saiu um comunicado que nos acostumamos a receber em longos intervalos (como da última vez, após 7 anos): o novo disco do Social Distortion está pronto. Sai em janeiro de 2011, com o single "Machine Gun Blues" estreando no mês que vem no iTunes e, por consequência, no resto da internet.


O que esperar do sétimo álbum de carreira da banda? O Caixa Preta aposta numa sonoridade que estará a um passo da faca nos dentes do raivoso White Light, White Heat, White Trash, de 1996, e a meio passo do ensolarado e otimista Sex, Love & Rock'n'Roll, de 2003.

Por trás de uma timidez que alguns têm como leseira, Ness é um artista sagaz. Soube muito bem batizar sua obra cujo perfil é quase autobiográfico. Da rebeldia punk dos 20 anos de idade de Mommy's Little Monster à heroína e ressaca do final dos 80's de Prison Bound, passando pelo reconhecimento artístico e o inferno particular de Somewhere Between Heaven & Hell.

A amargura de uma maturidade cheia de sequelas aparece em White Light, White Heat, White Trash. E o retorno, após um hiato durante o qual trocou a vida de junkie pela de pai e marido, vem com o registro de Sex, Love & Rock'n'Roll.

O novo disco, Hard Times and Nursery Rhymes, pode indicar uma tentativa de estabelecer a comunicação entre o passado turbulento e a placidez da quinta década de vida que se aproxima.

A única canção inédita registrada durante os últimos 7 anos é "Far Behind". Faixa ainda mais melodiosa e assobiável do que se ouviu em parte do repertório de Sex, Love & Rock'n'Roll. Poderia ser uma notícia boa para uns e ruim pra outros, mas a assinatura sonora de Mike Ness parece mesmo indelével.

Trata-se do primeiro, e talvez único, artista egresso do punk rock a incorporar elementos da música de raiz americana e, ainda assim, manter uma interessante conexão com seu passado.

Ness redescobriu Johnny Cash para um novo público em 1990, com a já famosa regravação de "Ring of Fire", nada menos que 15 anos antes da cinebiografia que colocou o "homem de preto" mais uma vez no mapa. O próprio Cash admirava o Social Distortion e Neil Young, outro apreciador, convidou a banda para abrir uma de suas turnês naquela época.

Não são apenas estes dois bastiões da boa música norteamericana que reconhecem em Mike Ness muito mais do que o punk bêbado do ótimo documentário Another State of Mind, de 1983. A deferência de Bruce Springsteen e Brian Setzer os levou a participar do primeiro disco solo de Ness, Cheating at Solitaire, uma mistura envenenada de country, bluegrass e rock'n'roll estradeiro.

Assim, à essa altura já parece pouco importante o quanto a vida de seu mentor pode interferir no sétimo capítulo da saga do Social Distortion.

Para o céu ou para o inferno, muita gente já aguarda ansiosa pelo primeiro mês de 2011.


Acima, Mike Ness e Bruce "The Boss" Springsteen em uma jam em 2009.

Death Angel no Brasil

Na década de 80, a baía de San Francisco tornou-se o epicentro da cena americana de thrash metal. De lá saíram bandas que definiram o gênero, como Metallica, Exodus, Possessed, Testament e Vio-lence.

Em meio a esse pessoal, surgiu uma banda de formação exótica e que parecia a grande promessa do Bay Area Thrash. Formado por cinco primos descendentes de filipinos, o Death Angel misturava a sonoridade característica do gênero com groove e algumas (boas) baladas. Tudo sob uma execução virtuosa e a voz levemente afetada de Mark Osegueda.

Do segundo álbum do grupo, Frolic Through the Park, saiu um video-clipe que ganhou espaço nos programas de metal da MTV americana e circulou no Brasil em coletâneas caseiras de VHS: "Bored".

A música tinha um riff pegajoso, vocais herdados do hard rock e um intrincado solo de guitarra usando a técnica do arpeggio.

O Death Angel ganhou projeção e foi contratado pela Geffen Records, selo que abrigava as duas bandas que definiram a passagem da década: Guns N' Roses e Nirvana.

Com o suporte da gravadora de David Geffen, que então tornara-se bilionário com a aquisição do selo pela MCA, os primos filipinos lançaram seu álbum mais ambicioso: Act III.



Gravado e produzido com um nível acima do que se costumava ouvir no thrash metal até então, o álbum parecia destinado a ocupar a prateleira de clássicos do gênero, ao lado de Master of Puppets, Among the Living e Reign in Blood.

Não foi bem o que aconteceu.

O ano de 1990 marcou o declínio daquela cena. Várias bandas se separaram, os grandes nomes mudaram a orientação musical e os poucos que se mantiveram fiéis às origens musicais entraram num período de ostracismo. Talvez apenas o Slayer, sob a batuta de Rick Rubin, tenha conseguido passar incólume à decadência do estilo.

Para piorar, um terrível acidente automobilístico no Arizona atrapalhou os projetos de carreira do Death Angel. O prodígio baterista Andy Galeon -que gravou o primeiro disco aos 14 anos de idade!- sofreu vários ferimentos e a Geffen tentou interferir em sua substituição.



No documentário Get Thrashed, os músicos contam que o acidente foi tão traumatizante que, de fato, levou ao fim da banda.

Confesso que não acompanhei o retorno do Death Angel em 2001, após o hiato de uma década em que muita água passou sob a ponte. Tampouco ouvi qualquer álbum lançado desde então. O site oficial dá conta que eles gravaram 3 discos desde a volta, sendo o mais recente Relentless Reunion, lançado no mês passado.

Da família filipina sobraram apenas o vocalista Mark Osegueda e o guitarrista Rob Kavestany. O incrível baterista Andy Galeon fez parte da reunião desde 2001, mas deixou a banda no ano passado.

Na próxima sexta, o Death Angel desembarca pela primeira vez no Brasil para realizar uma turnê que percorre 8 cidades. Em São Paulo, o show acontece no sábado, dia 23, no Clash Club.

Ver essa banda ao vivo é recuperar um pouco da história do gênero que implodiu o metal convencional e todos os seus piores clichês.

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Assista abaixo ao vídeo-clipe de "Seemingly Endless Time", faixa do álbum Act III e que frequentou o extinto programa Fúria Metal da MTV Brasil. Nunca as praias da Califórnia pareceram tão sombrias...

¡Viva Chile, mierda!

País com o mapa mais irregular da cartografia mundial, o Chile teve um presidente brutalmente assassinado nos anos 70, sofreu com a ditadura de Pinochet, levou pra casa o Nobel de literatura com Pablo Neruda e foi arrasado por um terremoto com tsunami há apenas 9 meses.

Essa semana, o país tornou-se o centro do mundo. A complexa e emocionante operação de salvamento no místico deserto de Atacama foi transmitida ao vivo para o planeta Terra. Talvez tenha servido como uma espécie de passaporte para o Chile ingressar de vez na primeira divisão da geopolítica internacional - se você não sabe, nossos vizinhos têm uma invejável colocação no ranking de IDH.

A história dos 33 mineradores é tão fabulosa que está pronta para virar filme. Como também virou filme o não menos impressionante desastre nos Andes Chilenos, no qual um grupo de passageiros precisou recorrer ao canibalismo para sobreviver.

Não é pouca coisa para um país espremido no oeste da América e à beira do Pacífico. Mesmo assim, as contribuições do Chile para a cultura pop passam quase batidas.

Ou você sabia que Tom Araya, o lendário baixista e vocalista do Slayer, é natural de Valparaíso, no Chile?

E que um dos filmes mais bacanas da última (ou penúltima) Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é chileno?

Ou que o mais descolado e inteligente programa infantil dos últimos anos vem do país andino?


Abaixo, posto vídeos desse modesto, porém qualificado, Top 3 de nossos vizinhos. Mas antes, um pequeno causo do fundo da Caixa Preta.

Em fevereiro de 1989, a então popular banda de metal Kreator, da Alemanha, tocaria pela primeira vez no Brasil. Editor de um pequeno fanzine, consegui acompanhar a equipe de produção no local do show, um galpão que se chamava Projeto Leste I. Na ocasião, entrevistei a banda chilena Necrosis, que fazia um thrash metal à moda da época e abriria o show dos alemães. Seu primeiro LP, lançado naquele ano e chamado "The Search", chegou a ser editado no Brasil.

Mas o Kreator acabou não aparecendo e o fato entrou para o folclore do underground brasileiro. Nunca se esclareceu o que, de fato, aconteceu, mas os germânicos foram substituídos de última hora pelo Ratos de Porão, o que transformou o lugar num barril de pólvora com 5.000 metaleiros enfurecidos. Lembro-me bem de um ônibus fretado, vindo do Rio Grande do Sul, e cheio de cabeludos que não ficaram exatamente satisfeitos com a notícia.

Mas os chilenos do Necrosis eram boa praça e descobri há pouco que continuam na ativa, vinte e tantos anos depois.

Resistência é mesmo com esse povo.


Tom Araya, em 2010, homenageia a seleção de futebol chilena e ainda manda um "Viva Chile, mierda!" durante a execução da clássica "Chemical Warfare"


Trailer de "Tony Manero", filme sombrio e estranho sobre um decadente cover de John Travolta no Chile dominado pela ditadura militar. Disponível em DVD no Brasil.


31 Minutos - o melhor programa infantil em muitos anos. Engraçadíssimo, lúdico e cheio de referências pop. Quem souber onde se consegue um DVD da série, dublado em português, avise o Caixa Preta. É para a filha do blogueiro, entenda-se. ;-)

O SWU pela TV

Nunca fui adepto de festivais. Na década de 90, estive em algumas edições do finado Hollywood Rock. Nos anos 00, cobri os shows de Kraftwerk e PJ Harvey no TIM Festival -que nem era algo tão grande assim-, e Stooges e Fantômas no Claro q é Rock.

Mas ir até Itu no meio de um feriado para enfrentar filas quilométricas, estacionamento a preços escorchantes e (muita) gente que está ali sem estar ali, não dá.

Isso sem falar do frio. Mas nesse aspecto, o SWU não devia estar pior que o cultuado festival Juntatribo, realizado na vizinha Campinas em 1994, onde me senti um picolé coberto de terra.

Seja como for, acabei vendo alguns shows do SWU. Pela TV. Coisas boas e outras nem tanto.

Rage Against the Machine impressionou. Zack de la Rocha mantém o pique de 15 anos atrás e Tom Morello, como se sabe, é um tremendo guitarrista. O set-list também ajudou: "Testify", "Bombtrack", "Bulls on Parade" e "People of the Sun" logo de cara. As câmeras mostravam a massa pulando sem parar.

Me lembrei de quando ouvi o grupo pela primeira vez, no início de 1993, na Virgin Megastore da Piazza Duomo, em Milão. Era o som ambiente da belíssima loja, mas não consegui descobrir quem tocava aquela mistura enfezada de rock e rap que lembrava os pais da matéria, Urban Dance Squad. Meses depois, já não dava pra ignorar o RATM nas rádios brasileiras e na MTV.

Nem deu tempo de voltar ao presente e despencou um balde de água fria com cara de Brasil: o show no SWU é interrompido por falta de segurança. Uma voz sai dos auto-falantes pedindo a cooperação de...50 mil pessoas. Broxante é pouco.

Não sei se por isso, mas o Multishow não exibiu o show na íntegra. Na noite seguinte, uma repórter afirmou que alguns equipamentos da emissora foram destruídos na confusão.



Queens of the Stone Age, como se previa, fez um set explosivo. Repertório esperto que passeou pela discografia. Pra começar os trabalhos, a dinamite sonora de
"Feel Good Hit of the Summer", do primeiro álbum Rated R. Depois, material recente como as poderosas "3's & 7's" e "Sick, Sick, Sick" do ótimo Era Vulgaris.

Josh Homme curtia o momento: "What a magic fuckin' night". Mas o público, pelo menos o que se via pela TV, não repetia o êxtase dos fãs do RATM. Estranho, inclusive, pensar que o QOTSA, com seu som que não é o rockinho insosso de um Kings of Leon, nem o metal vira-lata do tal Avenged Sevenfold, possa ser apreciado por grandes multidões.

Se até então os dois shows, vistos do conforto do lar, foram de primeira, o mesmo não se pode dizer dos highlights exibidos enquanto os repórteres enrolavam o espectador. Capital Inicial fazendo um cover da abobrinha "Mulher de Fases", Jota Quest e suas macaquices envelhecidas e a combinação universitária de Joss Stone e Sublime. Só faltou o Jack Johnson para eu, mesmo de casa, desistir do festival.

Para compensar esse best of em forma de pesadelo, a cobertura do Multishow nos brindou com entrevistas hilárias. Fred, o ex-Raimundo, emocionado com a homenagem de Dinho Ouro Preto e dando um cano sobre qual música do Pixies queria ouvir. Igor Cavalera reinventando a roda pra (tentar) dizer que o SWU tem uma importância do tamanho do primeiro Rock in Rio. E os "fãs", claro, que não sabiam dizer o nome de UMA música dos artistas que tinham ido ver.

Aí veio o Pixies...

Uma apresentação xaroposa e protocolar da banda que se juntou para turnês nostálgicas. Nem um disquinho novo sequer. E Frank Black desafinado, Kim Deal com meia tonelada e o baterista, de quem o nome me escapa, atravessando o samba.

Mesmo assim, talvez pelo culto que existe em torno da banda, recebeu do público muito mais do que ofereceu. "Monkey Gone to Heaven", "Planet of Sound" e "Where is my Mind?" seguraram a onda, ainda que em execuções ordinárias. A comoção da massa -me espanta que os Pixies tenham tantos fãs- seria mais merecida pela turma de Josh Homme.

Com as opções de shows no Brasil -só esse ano já tivemos maravilhas como ZZ Top, Social Distortion e Supersuckers por aqui-, é de se perguntar o porquê de encarar todos os perrengues para acompanhar in loco um festival em Itu.

Vendo pela TV, até que deu pra imaginar.

A incrível vida de Ozzy Osbourne

Terminei de ler há pouco mais de um mês e, dada a boa divulgação, já não é exatamente uma novidade. Ainda assim, recomendo: comprem já a autobiografia de Ozzy Osbourne!

Mesmo se você for louco o suficiente para não apreciar a discografia colossal que Oz construiu ao lado do Sabbath, o livro vale cada centavo pelas descrições absolutamente despudoradas do que foi ser um astro do rock nos anos 70 e 80.

Cada página tem uma história mais trágica ou cômica que a anterior: orgias, incêndio, tiros, acidentes, pó, maconha, prisão, bebedeiras, brigas e muito mais.

Para quem é fã do Black Sabbath então, os relatos das gravações e turnês não têm preço. Na época dos dinossauros, Ozzy e seus comparsas registraram discos emblemáticos em condições que até Deus duvida.

"Volume 4", tido e havido como a grande obra do Black Sabbath, foi escrito e gravado numa mansão de Los Angeles frequentada por malucos e groupies, enquanto a banda consumia toneladas de cocaína. Daí a faixa "Snowblind" e uma paranoia persecutória que terminou com a mansão cercada pela polícia após de um vacilo hilariante do baterista Bill Ward.

Já "Sabbath Bloody Sabbath" foi gravado num castelo supostamente mal assombrado. Depois de um bloqueio criativo, Tony Iommi sacou da manga o riff monstruoso da faixa-título e o resto é história.



Ozzy trata o livro também como um testamento. Ele faz um 'mea culpa' comovente em relação à sua primeira mulher, Thelma, de quem fez gato e sapato. Também pede perdão aos pais e, claro, à Sharon Osbourne, que o aturou em sua fase mais deprimente. A hoje multimilionária celebridade de TV perdoou Ozzy até pela tresloucada tentativa de assassiná-la.

Apesar do tal "cérebro de geléia", Oz faz relatos minuciosos de seus 40 anos no circo do rock'n'roll. Dos integrantes de seitas que peregrinavam atrás do Sabbath até o dia em que arrancou a cabeça de um morcego ao vivo, passando pelos encontros com gente como Frank Zappa, John Bonham e Brian Wilson.

Ozzy é um louco de pedra e esmiúça sua vida em 400 páginas da melhor literatura rock que existe por aí.

Aproveite o feriado para devorar.

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Leia também: Black Sabbath e a arte de criar Paranoid, o disco
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Dançando no inferno com o novo Killing Joke

Acaba de ser lançado um dos dois discos que mais me interessavam em 2010: "Absolute Dissent", do Killing Joke (o outro, para vocês saberem, é o novo do ZZ Top, com produção de Rick Rubin).

Demorei muito para prestar a devida atenção na banda de Jaz Coleman. Desde sempre ouvia falar, mas, por essas coisas que não se explicam, nunca tive um disco deles.

Há alguns anos um amigo me enviou uma cópia do álbum "Killing Joke", de 2003, aquele em que Dave Grohl é o baterista, e o DVD ao vivo "XXV Gathering! Let Us Prey". Pronto, corrigi rapidamente uma injustiça de décadas e me converti imediatamente.

As guitarras lancinantes de Geordie, com seu som gelado e metálico, e a voz sensacional de Coleman se adaptam a material pesado, pop, depressivo e atmosférico.

Revistando a carreira do grupo nos anos 80, época em que era objeto de culto, descobre-se um passado bem mais interessante do que, por exemplo, o do Ministry.

Se hoje os discos das duas bandas repousam na prateleira do industrial rock, o Killing Joke pode gabar-se de ter feito barulho muito antes. Ouça o consistente "Fire Dances", de 1983, e o compare com "With Simpathy", do Ministry, lançado no mesmo ano.



Com "Extremities, Dirt & Various Repressed Emotions", de 1990, o KJ passou a soar ainda mais pesado e brutal. A sequência de lançamentos que inclui "Pandemonium", "Democracy" e o já citado "Killing Joke" é impressionante.

Hoje tive uma prévia do novíssimo e aguardado álbum. Ouvi apenas 4 de suas 12 faixas: "Absolut Dissent", "The Great Cull", "This Word Hell" e "Endgame". E a primeira impressão é de que os rumores são verdadeiros: trata-se de mais um disco primoroso.

As revistas e sites estrangeiros têm tratado esse que é primeiro trabalho com o line-up original do Killing Joke desde 1982, com absoluta reverência.

Jaz Coleman afirma que é a melhor coisa que eles gravaram na vida.

As letras são ácidas e inteligentes e, sob 10 toneladas de peso, reside um groove irresistível. Se houver uma pista de dança no inferno, com certeza está tocando Killing Joke.

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Veja abaixo um clássico do KJ dos anos 80 executado em 2005, no aniversário de 25 anos da banda.

Scandinavia Übber Alles

Desde sempre as melhores bandas de rock'n'roll vêm de países de língua inglesa. Não adianta quebrar a cabeça para contrariar. Americanos, ingleses, irlandeses, escoceses, australianos... O rock é desse pessoal.

É evidente que há coisas boas, e às vezes muito boas, sendo feitas fora do eixo anglo-saxônico. Mas são versões "tortas" do rock'n'roll (no bom sentido) ou coisas mais underground.

Tem gente que ama as bandas progressivas italianas, há os que idolatram o kraut rock alemão e aqueles que se esbaldam com as esquisitices japonesas. Até Charlie Garcia e outros artistas da vizinha Argentina têm lá seus fãs. Mas você sabe que não é a mesma coisa.

Com exceção de nichos como o metal e o punk, a tese se confirma. Rock'n'roll de primeira, quase sempre, vem de onde se fala inglês. A língua materna, o DNA, os aspectos socio-culturais. Está tudo ali.

Nos anos 90 assisti a uma entrevista com o saudoso Richard Wright, grande tecladista do Pink Floyd, em um programa apresentado pela Bruna Lombardi e que se chamava "Gente de Expressão". Em determinado momento, Wright afirmou que o clima cinzento e chuvoso da Inglaterra é parte integrante de como eles pensam música. Não é só o idioma, portanto, mas todo um conjunto de fatores, um certo jeito de ser, que faz com que o rock'n'roll ganhe suas melhores interpretações pelas mãos desse povo.

Mas toda regra tem uma exceção.

Existe uma região no norte da Europa conhecida como Escandinávia e que, por alguma razão desconhecida a este escriba, produz bandas que não se acha em qualquer outro país de língua não-inglesa. Talvez seja alguma coisa na água. Um amigo que mora em Oulu, na Finlândia, me disse que eles bebem água de uma árvore chamada betule. Mas o sabor é terrível.

Alguns geógrafos afirmam que apenas Noruega e Suécia são, de fato, escandinavos. Mas podemos usar uma designação mais genérica para incluir, também, Finlândia e Dinamarca: países nórdicos.

Desse canto do mundo já saíram artistas que dominaram as paradas de sucesso internacionais, como Roxette, A-Ha, The Cardigans e o zilionário Abba. Já se fez de tudo por lá: do pop comercial do Ace of Base ao "alternativo" de Peter, Bjorn & John, passando pelo hard rock meio poser de Backyard Babies e o inclassificável Refused. A lista é impressionante.

Se falamos de metal, a Noruega tem os demônios mais encardidos do planeta habitando suas bandas de black metal: Mayhem, Gorgoroth, Marduk, Burzum, Dark Throne e Satyricon. O fenômeno é tão conhecido que mereceu documentários e estudos de todo o tipo. Mas a Suécia vem logo atrás: é a terra do pioneiro do death metal Bathory e dos infames Dismember e Entombed. A Dinamarca é terra do folclórico King Diamond e seu Mercyful Fate - Lars Ulrich, do Metallica, é nascido em Copenhagen também. E a Finlândia tornou-se o paraíso do metal gótico, genêro de gosto (muito) duvidoso, mas incontestavelmente popular.

Não há muito sol brilhando naqueles cantos, mas, mesmo assim, a Suécia é o berço do hardcore melódico na Europa. O selo Burning Heart Recs é uma referência no estilo e bandas como No Fun At All e, principalmente, Millencolin, conseguiram fazer sucesso lá na Califórnia.

Hardcore finlandês é um capítulo à parte. Tremendamente influente na cena brasileira, os porões da Finlândia produziram gente como Rattus, Terveet Kädett e Lama. A Suécia também teve seu impacto nos punks brasileiros da década de 80 através de uma coletânea lançada apenas por aqui -"Afflicted Cries in the Darkness of War"- e que trazia as bandas Fear of War, Rovsvett, Anti-Cimex e Crude SS.

Mas essa é uma olhada bastante supercial na música produzida por esse povo que, além de tudo, tem os melhores índices de qualidade de vida do mundo.

O Caixa Preta apresenta abaixo um Top 5 explosivo com suas favoritas do rock'n'roll escandinavo:


Turbonegro (Noruega)


Gluecifer (Noruega)


The Hellacopters (Suécia)


Spiritual Beggars (Suécia)


The Hives (Suécia)

Um fim de semana com o New Model Army

Corria o ano de 1991. Em um intervalo de mais ou menos 15 dias tocaram em São Paulo, no há muito extinto Dama Xoc, Ramones e New Model Army.

A frequência de shows internacionais naquela época era muito, mas muito mais modesta que hoje em dia. Portanto, duas bandas dessa magnitude tocarem num curto espaço de tempo na cidade foi um acontecimento.

O Ramones estava em turnê de apoio ao bem sucedido Brain Drain, disco rebocado pelo hit "Pet Sematary". Fui dos 300 privilegiados a ver a banda nesse momento em que recuperava o prestígio e iniciava uma grande escalada de popularidade entre a garotada do Brasil.

Mas com os modestos recursos de um primeiro emprego, não tive verba para ver também o New Model Army que excursionava para promover o sublime álbum Impurity. À época, ver Joe, Johnny, CJ e Marky foi uma escolha. Mas o fato é que ainda pude ver o Ramones em outras ocasiões até sua tour de despedida.

Já com o NMA, a espera foi bem mais longa. Só em 2007 os ingleses aportaram novamente no Brasil. Na ocasião, o trovador pós-punk Justin Sullivan fez piada com a demora: "Fazia 16 anos que não tocávamos aqui. Obrigado por terem mantido a fé. Vemos vocês de novo no ano de.... (alguém da banda sopra a data)... 2023!".

Para felicidade geral, o retorno do NMA acontece essa noite, apenas 3 anos depois. E a ocasião é bastante especial. Em comemoração a seus 30 anos de carreira, a banda vai executar uma infinidade de canções em formato acústico e elétrico. E um set-list diferente por noite. A turnê vem causando comoção em várias cidades do mundo conforme indicam as comunidades de fãs espalhadas pela internet.

Os shows acontecem no Citibank Hall, casa de espetáculos ainda conhecida por alguns como Palace, nome que ostentou durante anos e que traz forte nostalgia dos anos 80. Como a primeira apresentação do Ramones no país e o famigerado show do Toy Dolls que terminou em batalha campal pelas rua de Moema.

Aqueles que lembram do New Model Army somente por "51st State of America" -canção que toca até hoje em algumas rádios-, se surpreenderia se soubesse que a veterana banda de Bradford tem muito mais do que fãs. Tem devotos. Gente que viaja o mundo atrás do grupo, colecionadores obsessivos e malucos que se tatuam com símbolos celtas e insígnias presentes nas capas dos discos.

Hoje de manhã estive no Palace para comprar um ingresso para minha esposa. Na fila, em meio a fãs de Roberto Carlos que pagavam até 1.000 reais por uma chance de ver aquele que chamam de "Rei", três discretos adeptos do NMA. Dois deles na faixa dos 40 anos de idade, cabelos grisalhos e o nome da banda tatuado no braço.

O fim de semana promete.

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Assista abaixo a um vídeo ao vivo de "Vengeance", canção que permaneceu ausente durante anos do repertório do grupo. Motivo? O refrão que diz "I believe in vengeance, I believe in getting the bastards" irrompia no público o desejo de destruir tudo que visse pela frente.

Hoje tem Supersuckers - hell yeah!

Esse post é minha tentativa de abrir a Caixa Preta e começar a manter esse blog atualizado, com pelo menos um texto novo por semana e mais alguma(s) notinha(s).

Começo hoje, falando que daqui a algumas horas tem a auto-proclamada "maior banda de rock'n'roll do mundo" ao vivo no CB Bar, em São Paulo. Desmarque quaisquer que sejam seus compromissos e vá para "Hell City, Hell" esta noite.

A aparição no Brasil da banda de Tucson, radicada em Seattle, já foi marcada e remarcada algumas vezes. O primeiro sinal de que uma hora o Supersuckers enfim desembarcaria por aqui foi o show solo do líder do bando, Eddie Spaghetti, no ano passado no mesmo CB.

Remexendo no baú, recordo que meu primeiro contato com a banda foi através de um programa numa rádio rock de Santos cujo nome me escapa. A edição teve a participação do dono da loja Studio Tan, de São Paulo, que, no auge da grunge, importava para o Brasil material da Sub Pop.

Os caras apresentaram Tad, o francês Les Thugs e, claro, o infernal Supersuckers. Fiquei fã das três bandas. Mas passados 20 anos, gosto das duas primeiras, mas fã mesmo só do grupo originário do Arizona.

Na mesma época, me lembro de ver os clipes de "Coattail Rider" e "Creepy Jackalope Eye" na MTV. Fui atrás dos discos Smoke of Hell e La Mano Cornuda, que traziam essas e outras faixas de rock'n'roll explosivo. Títulos e capas cabulosas só aumentavam o fator "cool" dessa banda levemente desconhecida por aqui.

Anos depois, numa terça-feira qualquer, estava no centro de São Paulo e resolvi comprar alguns CDs. Não tinha nada em mente, só vontade de ouvir coisa nova. Voltei para casa com o ótimo "Five Lessons Learned", do Swiggin Utters, e o colossal "The Evil Powers of Rock and Roll", do Supersuckers, numa charmosa versão em digipack.

Trata-se de um dos discos mais poderosos e com as guitarras mais "crunchy" gravadas no milênio. A faixa-título e "Cool Manchu" são duas bombas atômicas.

Ao falar desse disco e dos Supersuckers no geral, um amigo cunhou a frase: "Esses caras são o meu AC/DC".

Talvez sejam o meu também.