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Bad Brains em dose dupla

No início dos anos 90, um amigo resolveu abrir uma loja de discos fora do manjado circuito da Galeria do Rock. Em meus momentos de ócio, criativo ou não, eu passava por lá para falar sobre música e, eventualmente, sair com um disquinho na sacola.

Numa tarde qualquer, e prefiro acreditar que o link da conversa tenha sido meu entusiasmo pelo álbum Time's Up e a primeira vinda do Living Colour ao Brasil, recebi um LP emprestado sem qualquer pista. Meu amigo passou o disco e limitou-se a dizer: "Ouça isso!". Era Quickness, do Bad Brains.

Parece estranho, mas na época pouquíssima gente falava sobre a banda por aqui. Apenas nos anos seguintes é que o quarteto de Washington DC foi captado pelo radar do público brasileiro. Aquele disco então, em tempos pré-internet, era tratado como novidade: tinha sido lançado há apenas 1 ou 2 anos.

A capa de Quickness era uma antítese para a explosão de cores e texturas do Living Colour: a foto dos músicos em PB sobre um fundo branco básico. Em lugar de roupas extravagantes e óculos escuros, camisas de flanela e dreadlocks com a espessura de galhos de árvore.

Quando coloquei o vinil para rodar foi como se tivesse levado um choque. O riff lancinante e a distorção de guitarra de "Soul Craft" não pareciam com nada que eu tivesse ouvido. E a voz de HR, naqueles tempos e ainda hoje, soa absolutamente singular.

Comprei uma cópia de Quickness em CD, depois I Against I em vinil (branco) e, numa viagem à Itália pouco depois, consegui a versão em LP do relativamente raro Attitude.

Numa de minhas audições, reconheci uma das faixas de I Against I como um dos temas incidentais do lendário programa de skate "Grito da Rua", exibido pela TV Gazeta, de São Paulo, nos anos 80.

Pouco tempo depois, a MTV Brasil exibiria em seus programas mais alternativos os clipes de "Soul Craft" e "I Against I". E o próprio Bad Brains, sem HR, gravaria o álbum Rise pela Maverick Records, selo da Madonna, tendo alguma execução nas rádios-rock da época.

Desde então, as informações sobre esses punks afro-americanos tornaram-se fartas por aqui. Do semi-anonimato, o Bad Brains virou mais do que apenas um fenômeno cult. E mesmo em seu país de origem, a banda obteve um reconhecimento ainda que tardio. Vários artistas citam a influência do grupo e as qualidades do talentoso guitarrista Dr. Know. A canção "Sailin' On", por exemplo, foi regravada por nada menos que três artistas tão populares quanto diferentes: No Doubt, Living Colour e Moby.

Em 2007, mais de 15 anos após desvendar Quickness, vi o Bad Brains ao vivo numa Eazy (antiga Broadway) completamente lotada. Na ocasião, a banda excursionava para divulgar Build a Nation, álbum produzido por Adam Yauch, dos Beastie Boys.

Apesar da sentida ausência de HR, substituído nos shows brasileiros por Israel Joseph I, o vocalista do disco Rise, a apresentação foi antológica. Testemunhar, ao vivo, temas que ajudaram a fundar o hardcore americano, como "Pay to Cum" e "Banned in DC", entrecortados pelo reggae mântrico e enfumaçado que só eles sabem executar, foi realmente emocionante.

O único volume de história que possuo sobre a banda é o charmoso livro "Banned in DC", que traz um painel fotográfico da fervilhante cena hardcore punk de Washington entre 1979 e 85.

Mas há pouco tempo descobri que existem mais 2 itens que prometem ser essenciais a quem aprecia a complexa obra desses heróis negros do punk: um documentário sobre o Bad Brains e outro sobre o excêntrico HR.

Nunca é tarde para (re)descobrir o talento de músicos como esses.


Trecho do documentário, ainda em fase de produção, que promete registrar a carreira do Bad Brains


E aqui, o clipe da poderosa "Soul Craft".

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