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Frank Zappa para iniciantes

Já me deparei algumas vezes na situação de tentar explicar a música do Zappa para algum não-convertido. E acredite: não é fácil. Além de o assunto ser deveras extenso, ainda existe um componente que dificulta a conversa: o tamanho e o ecletismo da obra zappiana.

Talvez o ideal seria apresentar antes o universo de interesses de Zappa, o papel que o humor desempenha em sua música e contextualizar os principais marcos de sua discografia. Mas qual disco indicar a quem pretende desvendar a música do homem?

Dia desses estava ouvindo um álbum de que gosto muito, mas que, particularmente, não entraria no meu top 10 de Zappa: Them or Us, de 1984. Porém, o disco parece ótimo como introdução à zappologia: tem doo-wop, peças instrumentais intrincadas, humor debochado, arranjos vocais sublimes e faiscantes solos de guitarra. Às vezes, quase tudo isso misturado.

A falta de uma orientação clara para o disco, com seus 70 minutos de puro ecletismo e alguma autosabotagem, talvez seja o maior obstáculo para a assimilação imediata de um iniciante. Mas passado o teste, é um bela porta de entrada, tanto para discos mais lineares quanto para outros muito mais radicais.

Them or Us tem dois doo-wops no lado A do LP, que foi lançado originalmente como disco duplo: "The Closer You Are" e "Sharleena". A razão, certamente, é o apreço nostálgico de Zappa pelo estilo. Em sua autobiografia -The Real Frank Zappa Book- ele relembra os tempos em que era baterista (e único músico branco) numa despretensiosa banda de doo-wop nos anos 50.


Mas o disco reserva uma paleta muito mais abrangente: um blues rasgado e escatológico com a voz do lendário bluesman texano Johnny "Guitar" Watson ("In France"), três temas instrumentais ("Sinister Footwear II" é a melhor delas) e um deboche caipira -"Truck Driver Divorce"- que se transforma numa tortuosa jam.

"Ya Hozna" é uma de minhas favoritas: Zappa tocando um riff de heavy metal e invertendo a gravação das vozes de Ike Willis, Moon Zappa e companhia, resultando numa trilha que cairia como uma luva na cena de orgia do último filme de Kubrick.

"Be in My Video", com arranjo vocal primoroso Ike Willis, Ray White e Napoleon Murphy Brock, é uma das faixas mais acessíveis do álbum e satiriza o rock oitentista numa metáfora sadomasô. Sim, Zappa conseguia fazer essas bizarras analogias.

Stevie Vai era um músico desconhecido e obcecado por Zappa até que seu talento e insistência lhe renderam um convite do maestro para integrar a anárquica banda dos anos 80. Sob a influência de uma turminha da pesada, que tinha ainda o exímio baixista Scott Thunes, integrante-relâmpago da banda punk Fear, Vai se entregou à gloriosa promiscuidade da vida na estrada. Os relatos escrachados de seu encontro sexual com uma groupie renderam uma das faixas mais rock'n'roll de Them or Us: "Stevie's Spanking".

Num álbum com quatro temas que ultrapassam os 7 minutos e meio de duração, Zappa encaixou duas ótimas vinhetas -"The Planet of my Dreams" e "Baby, Take Your Teeth Out"-, além da curta e funkeada "Frogs with Dirty Little Lips".

E pra não deixar pedra sob pedra, Them or Us termina com a épica regravação de um clássico do southern rock: "Whippin' Post", dos Almann Brothers.

Se tamanha esquizofrenia agradar seus ouvidos, antecipo o resultado: a música de Zappa te fisgou.


"Stevie's Spanking" ao vivo: antes de jejuar para fazer um disco solo "sério", Stevie Vai era um depravado que fritava sua Fender na banda de Zappa.

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