O Bad Religion já esteve inúmeras vezes no Brasil e vê-los ao vivo não é exatamente uma novidade. Ainda assim, quem se aventurar no Lollapalooza, neste sábado, pode acabar testemunhando um pedacinho da história. E tudo porque o grupo pode incluir em seu repertório uma canção chamada "Billy Gnosis".
A execução dessa música ao vivo, como ademais qualquer material originário do álbum "Into the Unknown", de 1983, é desejo antigo e utópico de muitos fãs.
Concebido por Greg Graffin (voz) e Brett Gurewitz (guitarra), "Into the Unknown" desagradou de cara Jay Bentley e Pete Finestone, baixista e baterista da banda. Ambos abandonaram o barco antes mesmo de se iniciarem as gravações e foram substituídos por Paul Dedona e Davy Goldman.
Boa parte das 10 mil cópias existentes do disco acabaram devolvidas pelas lojas e terminaram estocadas num armazém. Com o tempo, os LPs foram sumindo do estoque até evaporarem de vez. E o álbum tornou-se uma autêntica relíquia.
"Into the Unknown" é um caso peculiar de disco que já nasceu maldito. Gurewitz recorda que a banda foi a San Francisco lançar o álbum no lendário Mabuhay Gardens, e deparou-se com uma plateia de 12 gatos pingados. Isso mesmo: DOZE. Rapidamente perceberam que o público havia recusado a nova proposta musical do grupo e que o repertório do disco deveria ser enterrado na história.
Dois anos mais tarde, e já sem Brett Gurewitz, internado numa clínica de desintoxicação, o Bad Religion, com o ex-Circle Jerks Greg Hetson no time, lançou um EP para sepultar de vez as lembranças do disco fracassado. Trocaram o desconhecido, para onde tinham se aventurado em "Into the Unknown", pelo conhecido hardcore/punk de 1980. E batizaram o EP comicamente de "Back to the Known" ("De volta ao conhecido").
Até 2010, o Bad Religion manteve-se em silêncio sobre esse capítulo singular de sua biografia.
No restante da década de 80, tornaram-se bastiões do punk americano. Com o fim de Minor Threat e Misfits em 1983, e de Dead Kennedys e Black Flag em 86, coube ao Bad Religion manter a chama do hardcore acesa. O grupo ganhou muitos adeptos nos EUA e na Europa, e seu álbum "Suffer", lançado em 1988, obteve o status imediato de clássico.
Alguns anos depois, na esteira do grunge e da febre alternativa, assinaram com a 'major' Atlantic Records e experimentaram o sucesso no mainstream do rock. "Recipe for Hate", de 1992, gerou os hits radiofônicos "American Jesus" e "Struck a Nerve", e "Stranger Than Fiction", lançado em 94, ganhou disco de ouro na América com 500 mil cópias vendidas.
A febre baixou e o Bad Religion retornou naturalmente para a Epitaph Records, selo fundado por Brett Gurewitz e que o fez milionário com o sucesso colossal do Offspring. E então, em 2010, através de um box-set especial com 15 LPs lançado pela própria Epitaph, o obscuro e esquecido "Into the Unknown" ganhou nova luz.
Fãs de diferentes gerações puderam, enfim, descobrir o que há no álbum que quase arruinou a carreira do Bad Religion, que fez Jay Bentley afastar-se provisoriamente do grupo e implodiu a turnê de divulgação por completo desinteresse do público.
A grande história por trás de "Into the Unknown" é que Graffin e Gurewitz, de um jeito torto, fizeram a coisa mais punk que era possível fazer em 1983: tocar rock progressivo! Após a fama imediata conquistada com o álbum de estreia, "How the Hell Could be Any Worse?", o Bad Religion chutou o balde e gravou um disco repleto de sintetizadores e com a faixa mais longa de toda sua carreira - "Time and Disregard", com sete minutos de duração. Ninguém entendeu bulhufas. E quem entendeu não gostou.
"Into the Unknown", analisado em retrospecto, é um álbum bastante curioso. O Bad Religion não tinha cacife e nem dinheiro para gravar rock progressivo. Sua abordagem exótica e ingênua resultou numa mistura estranha de prog, punk e hard rock americano do fim dos 70's. E o disco está longe de ser ruim. Mesmo com a produção inadequada e com arranjos nada convencionais, ainda soa como Bad Religion e oferece uma audição alternativa para o hardcore melódico que o grupo ajudou a criar.
Desde o relançamento do LP como parte do box-set -em CD, permanece inédito-, a banda resolveu resgatar para os palcos aquela que é a melhor canção de "Into the Unknown". Há registros ao vivo de "Billy Gnosis" tão recentes quanto junho de 2015. E a música é executada com elegância e sem sombra de constrangimento. Até mesmo o site oficial do grupo presta agora certo respeito ao disco: "Através do tempo, o mundo terminou por alcançá-lo e 'Into the Unknown' tornou-se um item muito procurado por colecionadores. E merecidamente, pois se você deixar de lado sua parcialidade de cabelos punk espetados, descobrirá um álbum verdadeiramente fascinante".
Quem sabe o público brasileiro terá um gostinho de "Into the Unknown" na arena do Lollapalooza?
Daqui a pouco saberemos.
Ainda inédito em CD e no Spotify, "Into the Unknown" pode ser ouvido na íntegra, e em toda sua glória proggy-punk, no Youtube
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4 comentários:
Rapaz, gostei do disco, mas compreendo perfeitamente o porque de ter sido rejeitado. Muito foda esse resgate, parabéns pelo excelente texto, como sempre. Tenho uma ressalva, apenas: você não informou o ano em que o disco foi lançado, uma informação, a meu ver, essencial. Tive que recorrer à wikipedia pra saber.
De acordo, Adelvan. É um disco interessante, mas dá para entender o estranhamento que causou na época. Obrigado pela observação sobre o ano de lançamento. Isso é citado de passagem no fim do texto ("...fizeram a coisa mais punk que era possível fazer em 1983..."), mas já incluí a informação no início também. Grande abraço!
Sabia da existência desse disco, mas nunca tinha parado pra ouvir (tô ouvindo nesse momento). Muito bacana procurar conhecer discos obscuros de bandas conhecidas e esse do Bad Religion é bastante interessante!
Legal que está curtindo o disco, Rogerio. Acho que o álbum é um ponto fora da curva e a história de ter ficado 30 anos no esquecimento confere uma certa aura a ele também. Em tempo: "Billy Gnosis" não foi incluída no setlist do Lollapalloza. Abs!
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