"Como é o ódio puro? O tipo de ódio que leva a pessoa a cometer um assassinato sem sentido. Acho que você é apenas um poser com seu ódio até matar alguém. Então você cruza a linha e seu ódio se torna tangível".
Trecho da anotação do diário de Joe Cole em 15 de fevereiro de 1986, de passagem por uma cidade do Oklahoma.
Cole foi roadie na última das mitológicas turnês do Black Flag. Ficou nada menos que seis meses zanzando pela América num comboio de três vans que levavam o resto da equipe e também as bandas Gone e Painted Willie. O tipo de turnê que, provavelmente, não existe mais.
Ele tinha 25 anos de idade e há pouco tinha desistido da carreira de tenista. Fã de música, era amigo de Henry Rollins e, a convite deste, virou roadie por acaso.
Suas memórias da turnê foram anotadas num caderninho. Escrevia normalmente na van, após descarregar e montar os equipamentos.
Joe Cole tinha dificuldade de socializar, sentia-se perdido no meio dos músicos punks e seu humor era uma verdadeira montanha russa. O que mais curtia na experiência eram as longas viagens pelas estradas americanas ao som de Devo e Swans e os papos com Rollins.
Descobriu o ácido durante a turnê e teve viagens alucinantes. Algumas delas em salas de cinema, junto com a trupe punk, assistindo repetidamente ao filme "Brazil", de Terry Gilliam.
Outras vezes atrás do volante, vendo o céu cor-de-rosa e demônios de todo tipo. Numa delas, entrou numa transferência paranoica com o técnico de som Ratman -com quem mantinha clima de constante animosidade- e, alucinado, socou o para-brisa do furgão até quebrar. Dirigiram assim até a próxima cidade numa bad trip de 48 horas.
O roadie por acidente também testemunhou a truculência policial nos estados do sul e meio-oeste, onde, muito comumente, os shows do Black Flag eram interrompidos ou proibidos de acontecer.
De sujeito pacato e de poucas palavras, Cole aprendeu a expulsar punks trogloditas e skinheads do palco a pontapés. Saiu-se bem em algumas brigas e fez até um ogro a quem quebrou o nariz lhe pedir desculpas na frente de um policial.
Teve esparsas aventuras sexuais com garotas punks, sempre um combustível para melhorar seu humor e render anotações eróticas no diário.
Testemunhou seu chapa Henry Rollins esmurrar um fã obtuso e arrancar, com uma baqueta, dois olhos de uma cabeça de alce que foi atirada no palco e que viraram petisco.
Se divertiu também vendo o Black Flag tocar na mesma noite que o Venom em uma biboca de New Jersey, no que ele descreve como um espetáculo "spinaltapiano".
Foram as últimas turnês selvagens antes do hiato punk da segunda metade dos anos 80. Certamente, o fim de uma era.
Mas Cole não tinha essa percepção e vivia atormentado por seus próprios demônios. A ideia do futuro o assombrava. Sabia que não era um roadie de verdade e também não queria ser. Enxergava um lado da cena punk que achava banal e tinha consciência de ser um mero assistente na viagem particular de outros. Queria ser ele, Joe Cole, o protagonista.
Repetiu a experiência em 1987, na primeira turnê da Rollins Band. Alguns shows para 30 ou 40 pessoas. Outros realmente intensos, de uma banda que começava a nascer.
Nunca esteve tão deprimido, mas nunca transou com tantas garotas. Chegou a cogitar embarcar para a turnê europeia da Rollins Band, mas, por fim, declinou do convite. Queria voltar logo para Los Angeles e decidir o que faria da vida.
Quatro anos mais tarde, em 1991, a convite de Henry Rollins, organizou e datilografou os diários que manteve durante as duas turnês para transformá-los em livro.
Duas semanas após concluir a tarefa, foi assassinado.
O clipe de "100%" é uma homenagem do Sonic Youth a Joe Cole. Henry Rollins não gostou.
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6 comentários:
e o henry rollins gosta de alguma coisa?
Olha, ele gosta de algumas coisas boas: Thin Lizzy, Black Sabbath, PIL. E, ao contrário da crença popular, gosta de mulher também.
mas que ele é chato quenem o jello biafra isso não duvido...
Os dois últimos cérebros do que se costumava chamar de hardcore , Jello e Henry vivam até os 100 anos !
A chatice do Rollins passa a léguas de distância da do Jello, não tem nem comparação...
Esse livro é maravilhoso, Edu, pena que o mala do Rollins não me deixou publicá-lo em português.
Resposta do mané: melhor não.
Mala!
O Rollins está rico e a editora deve ser um mero hobby pra ele. Mesmo assim, não faz sentido não autorizar a publicação em português.
Até porque oferecer acesso ao livro é uma maneira de fazer as pessoas conhecerem a história do Joe Cole.
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