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Coven - Quando o diabo era pop

Na primeira metade dos 80's, uma coleção de figurinhas chamada Stamp Color fez um baita sucesso entre a molecada. Colávamos as figurinhas no armário, nos cadernos, na janela do quarto.

Stamp Color era uma viagem com ilustrações ao estilo do peruano Boris Valejo e capas de rock. Me lembro bem das figurinhas de "Love Hunter", do Whitesnake, e "Some Enchanted Evening", do Blue Öyster Cult.

Mas teve uma, em especial, que passou boa parte do ginásio colada na minha prancheta: "Blood on the Snow", do Coven. Eu não sabia do que se tratava, mas achava a capa do disco incrível: um diabão vermelho tocando violino.

Lá pelos 15 anos de idade, eu já ouvia Venom e Mercyful Fate, bandas reconhecidamente fascinadas pelo capeta, mas nunca topei com o tal disco do Coven. E olha que, nos anos 80, vi e ouvi praticamente tudo que existia de metal underground.

Décadas se passaram e "Blood on the Snow" virou apenas isso: uma memória apagada da pré-adolescência sobre uma capa de disco bacana. Nunca li nem ouvi nada do Coven em todos esses anos.

Bem, até recentemente...


Lendo um ensaio sobre satanismo no rock, me deparei várias vezes com o nome dessa banda de Chicago. Recorri à internet para tirar a dúvida e, sim, tratava-se do mesmo Coven. O fascinante da história é que o grupo, absolutamente esquecido, foi precursor de um monte de coisas que viriam a ser associadas à cena (black) metal surgida nos 80's.

O primeiro álbum do Coven, com o radical título "Witchcraft Destroys Minds and Reaps Souls" (em tradução livre: "Bruxaria destrói mentes e estraçalha almas"), foi lançado em 1969 - um ano antes da estreia do Sabbath! Mais incrível ainda é que o baixista dos caras chamava-se Oz Osborne e eles tinham uma canção intitulada "Black Sabbath". Dá pra acreditar?

O Coven só não tomou dos ingleses mesmo a invenção do heavy metal. A cantora Lynx Dawson tem uma voz tão parecida com a de Grace Slick, que parece que estamos ouvindo Jefferson Airplane. O elemento satânico chega a soar deslocado.

Mas o resto eles fizeram antes que todo mundo: foram fotografados fazendo o sinal do capeta e usando crucifixos invertidos. Mesmo com o ocultismo em voga, ninguém havia ligado o satanismo ao rock'n'roll de forma tão gráfica e explícita.

Só mesmo a porralouquice dos anos 60 para explicar que uma grande gravadora como a Mercury botasse dinheiro num disco que terminava com uma missa negra de 13 minutos regida por um ministro da Church of Satan. Suicídio comercial é pouco.

Ou talvez os executivos achassem que estavam antenados com a vibe mística que dominava a cultura pop. Afinal, eram os tempos em que Aleister Crowley havia sido redescoberto, tornando-se alvo de interesse de Jimmy Page e dos Beatles.

O diabo estava na moda.

Mas o álbum de estreia do Coven teve o pior timing possível: foi lançado no mesmo ano em que a atriz Sharon Tate, grávida de nove meses, foi brutalmente assassinada pela Família Manson. Roman Polanski, seu marido, havia dirigido apenas um ano antes "O Bebê de Rosemary", filme que mostra o triunfo do coisa ruim sobre uma jovem moça grávida.

Os crimes conhecidos como Tate-LaBianca abalaram a classe artística e são tratados como um dos eventos que encerra definitivamente a utopia sessentista. E o Coven ficou perdido nesse limbo. É de se supor que o satanismo, até então tratado com uma variação da cientologia, tenha começado a parecer realmente perigoso.

Mas o Coven teria ainda seus 15 minutos de fama regravando -dizem que a contragosto- uma canção pop pacifista chamada "One Tin Soldier". Pelo que consta, a música, ainda hoje, é muito executada em rádios de classic rock na América.

Os integrantes do Coven, que juravam estar mesmo engajados na adoração ao tinhoso, gravaram dois outros discos nos anos 70 - um deles o tal "Blood on the Snow" que, por décadas, foi um absoluto mistério para mim.

A faixa-título do álbum, essa, sim, uma sonzeira da pesada, foi transformada num estiloso video-clipe, em tempos que isso sequer existia. Sim, o Coven gostava de inovar.

Sabe-se lá quem foi o brazuca que teve a ideia de transformar a capa desse disco sombrio numa figurinha pra adolescentes. Sem querer, abriu o portal para uma das histórias mais obscuras do rock.

Obra do demo?


Enfim, "Blood on the Snow": viagem lisérgica pelo inferno

LEIA MAIS: Black Metal - Porque o diabo ainda é pop

5 comentários:

Adelvan disse...

Também descobri o Coven mais ou menos recentemente - há un 4 anos. Nunca tinha ouvido falar antes. Acho bem legal, já toquei várias faixas deles no meu programa de rádio.

Eduardo Abreu disse...

Bacana, Adelvan! O Coven ganhando algum 'airplay' no Brasil... Quem diria? Depois passe o link do seu programa. Abraço!

Juliano Silva disse...

Muito boa resenha, eu tenho este vinil que inclusive saiu em versão nacional, pela Tapecar.

Anônimo disse...

Descobri o Coven recentemente atraves do you tube. Super original. Publio RJ 2015.

Eduardo Abreu disse...

Quando escrevi essa coluna não imaginei que apareceriam fãs do Coven por aqui. Muito legal! Aliás, na primeira temporada do programa "Heavy Lero", o ex-VJ Gastão Moreira e o editora do poeira Zine, Bento Araújo, falam sobre o Coven. As coincidências entre essa banda de Chicago e o Black Sabbath são assustadoras.