Penetrar na mente de artistas que criaram obras complexas e originais sempre foi o desejo de jornalistas culturais, fãs e outros criadores. É como se ouvir o autor falar de seu trabalho nos desse acesso a uma chave para entender todo o processo criativo e um pouco mais.
Já tive esse tipo de curiosidade sobre gente tão diferente quanto Frank Zappa e David Lynch. Nesses casos específicos, tive sorte. Há livros e entrevistas de sobra a respeito dessas figuras.
Mas e quando o interesse recai sobre um artista bem menos popular? Posso dizer que no caso de Dave Wyndorf, líder do Monster Magnet, as informações disponíveis não são lá grande coisa.
Um dos maiores cantores do rock nos últimos 30 anos, letrista singular e compositor de finíssima estirpe, Wyndorf não é exatamente um astro. Ao contrário, seu talento gigantesco se esconde hoje no circuito underground que restou para o ainda poderoso Magnet.
Em 2004, tentei, eu mesmo, entrevistar Dave e arrancar dele algumas revelações sobre suas letras indecifráveis que juntam Stonehenge com Vietnã, bruxaria com alienígenas, e a sonoridade que transita entre space rock lisérgico, baladas viajandonas e hard rock mundano. Consegui apenas uma entrevista com seu braço direito, o talentoso guitarrista Ed Mundell.
A névoa de mistério sobre o xamã espacial continuava.
Ouvi coisas engraçadas sobre Wyndorf e que jamais comprovei. Um amigo, que é colecionador compulsivo e fã de stoner rock, me disse certa vez que Dave tinha fundado uma religião. Achei a história incrível, mas, varrendo a internet, não encontrei uma linha a respeito. Folclore, claro, mas bem que podia ser verdade.
Há alguns dias, ouvi, enfim, uma boa entrevista com Dave Wyndorf. Aconteceu faz pouco mais de dois meses e foi concedida a ninguém menos que Tom Scharpling, o produtor da popular série de TV "Monk".
Wyndorf conta histórias curiosas, algumas até bem engraçadas, mas revela-se um cara mais comum que se poderia supor. Por trás da fachada de deus do stoner rock, esconde-se um fã de música que descobriu Hawkwind e Stooges no início dos anos 70 e alimentou sua imaginação com pilhas de gibis de super-heróis. Aos 56 anos, continua um fanático por rock e quadrinhos; algo reminiscente aos personagens dos filmes de Kevin Smith, não por acaso também moradores de New Jersey.
Dave mora na mesma casa em que nasceu e, hoje, está longe de ostentar aquele visual que misturava a fuça de um bandido mexicano com o shape de Iggy Pop. Era o rock'n'roller por excelência. Passados alguns anos de uma overdose quase fatal, Dave parou com as drogas, mas ganhou um peso que não condiz com o personagem.
Assim, o criador é desconstruído, sai de sua névoa de mistério, mas revela-se, por outro lado, um artista ainda mais incrível. David Albert Wyndorf fundou o Monster Magnet e criou junto o Dave Wyndorf que nós queríamos que existisse.
Ele desmistifica, por exemplo, a ideia de que a obra do Magnet tenha sido escrita à base de drogas alucinógenas. Diz que apenas juntou tudo que gostava num único projeto musical: ficção científica barata, pré-punk, biker movies, gibis, space rock e psicodelia.
Sua prosa desenrolada, com a voz grave e um tanto rouca, é boa de ouvir. Ele relembra, às gargalhadas, um encontro bizarro com Gene Simmons no CBGB's em meados dos 70's. Conta que sua primeira banda, Shrapnel, empresariada por Legs McNeil, futuro autor de "Mate-me por favor", chegou a tocar numa festa na casa do escritor Norman Mailer e que Woody Allen estava entre os presentes.
Dave lembra também da tímida pressão da gravadora por melhores vendagens e de ter respondido: "Hey, meu trabalho é compor e gravar, vocês é que têm que vender. Querem o quê, que eu enfie mulher pelada e dinheiro na capa dos discos?". Parou, pensou e viu que, na brincadeira, tinha sacado uma ótima ideia.
Nascia "Powertrip", classicaço de 1998 e único álbum do Magnet a ganhar um disco de ouro.
Longa vida a Dave Wyndorf.
Clipe de "Medicine", pedrada do primeiro disco do Monster Magnet, de 1992. Atemporal.
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