"The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars é um desses raros álbuns que teriam tornado o artista uma lenda mesmo que não tivesse feito nada antes ou depois. (…) Se toda a carreira de Bowie nos anos 60 e comecinho dos 70 não tivesse existido, e se ele fosse atropelado por um ônibus de dois andares na primavera de 1972, ainda estaríamos falando sobre ele. (…) Essa é a magnitude de Ziggy, o disco".
O parágrafo acima é um dos melhores nas mais de 400 páginas que compõem "Bowie", recente biografia de David Bowie escrita pelo jornalista Marc Spitz.
Há uns 10 anos li outro livro de Spitz, também muito bom, chamado "We Got the Neutron Bomb", cuja fórmula repete exatamente aquela do badalado "Mate-me, por favor": depoimentos de gente da fauna musical remontando um momento histórico. No caso, o punk de Los Angeles.
Em "Bowie", Spitz vai além do trabalho de repórter e editor, e conta a história de David Bowie à sua maneira. O jornalista fez um minucioso trabalho de pesquisa. Visitou a casa onde Bowie nasceu, conheceu os bares e clubes que ele frequentava, entrevistou muita gente e leu-assistiu-ouviu muito do que seria a fonte de inspiração do artista. De antigos seriados e programas de TV até bandas obscuras dos anos 60.
O formato segue a cronologia clássica, mas com muitos insights e observações em primeira pessoa. O autor garante, logo no prefácio, que o desafio de fazer o livro foi equilibrar o jornalista e o fã assumido. Talvez por isso, Spitz tenha escolhido imprimir um estilo pessoal para contar a vida de outra pessoa. Não é como se o autor fosse um narrador neutro. Ele próprio faz o papel de um observador que, vez ou outra, ilustra como foi afetado pessoalmente pela música de Bowie.
Os highlights na carreira do biografado são mais que conhecidos. Mas "Bowie", o livro, tem farto material para devoradores de cultura pop e que começa ainda na infância do menino David Jones.
Como outros artistas de sua geração, Bowie cresceu numa modesta família de classe média baixa. Sua infância foi passada no ambiente do pós-guerra europeu e, até por viver com adultos ainda assombrados pelo passado recente do nazismo, teve o imaginário capturado pela efervescência e prosperidade que reinavam do outro lado do oceano.
Na pré-adolescência, testemunhou e se apaixonou pela primeira geração do rock'n'roll. Ganhou uma guitarra do pai -um ex-empresário cultural falido- e, mais tarde, tornou-se aluno de Owen Frampton, pai do aspirante a guitarrista Peter Frampton.
Virou mod, hippie, rockeiro psicodélico e adepto da folk music. Bowie era uma esponja e muito do que ele ouviu e das pessoas com quem se relacionou, foi parar em sua biblioteca mental para ser, a seu tempo, reprocessado de forma singular.
E não pense que foi fácil: David integrou várias bandas mal sucedidas nos anos 60. Seu amigo, contemporâneo e rival criativo Marc Bolan atingiu o sucesso muito antes, fomentou a onda de idolatria batizada de T. Rextasy e depois virou poeira perto do sucesso colossal de Bowie. Quando morreu, num acidente de carro, sua obra já estava congelada no tempo.
Bowie fez o contrário. Se meteu com o povo do teatro, da mímica e das artes plásticas. Foi influenciado por muita gente, como Dylan, Iggy Pop e Velvet Underground, mas influenciou não apenas o triplo de artistas como, pelo menos, três gerações inteiras de fãs. Tornou-se um ícone cultural da década de 70 e relevante até os anos 00.
Algumas passagens do livro são imperdíveis, como a "fase Los Angeles", pós-Ziggy, em que Bowie, um então cocainômano incontrolável, foi morar na casa de Glenn Hughes, na ocasião baixista do Deep Purple. O criador de "Space Oddity" e "Starman" estava, na época, com a cabeça literalmente nas estrelas. Fruto de uma família com diversos casos de esquizofrenia -incluindo seu meio-irmão, Terry Jones, que foi consumido pela doença-, David desembestou a falar sobre extraterrestres, OVNIs, magia negra e magia branca. Nessa fase, ficava 72 horas sem dormir e recomeçava, do mesmo ponto, conversas que havia tido dias antes.
Quando desmantelou a banda de apoio Spiders from Mars e aposentou o herói glitter Ziggy Stardust, deixou órfã toda uma legião de fãs. Cherry Currie, cantora das Runaways, viu um show de Bowie na turnê "Philly Dogs", em que reinterpretava o material do disco Diamond Dogs com a pegada do soul da Filadélfia. Quando viu o ex-alien andrógino metido num, como diz o autor, "terno de michê porto-riquenho", ficou horrorizada.
Interessantíssima também a descrição do período que levou à criação de Ziggy e ao sucesso de Alladin Sane, em que Bowie era empresariado pelo astuto advogado Tony Defries, fundador da produtora MainMan. A agência empresariava gente como Lou Reed, Iggy Pop e alguns maluquetes egressos da trupe de Andy Warhol. Bowie era o centro de tudo e sua influência pode ser medida por ter, inclusive, mixado o clássico Raw Power, dos Stooges.
A leitura faz com que os anos 70 se passem em frente aos nossos olhos. Sem ter estado lá, dá para criar conexões imaginárias entre o modus operandi da MainMan e da produtora de cinema independente BBS -do trio Bert Schneider, Bob Rafelson e Steve Blauner- que lançou alguns filmes, como o emblemático Easy Rider - Sem Destino, que definiram aquele mesmo período e implodiram a antiga Hollywood. A cultura popular estava em ebulição.
Mas há muito mais para ler e se impressionar. A vida de Bowie em Berlim, quando aliou-se ao cerebral produtor Brian Eno para criar a experimental "Trilogia de Berlim" -formada pelos discos Low, Heroes e Lodger- que influenciou, de uma única vez, a new wave, o pós-punk e o rock industrial. Ou então o sucesso arrebatador de Let's Dance e as diversas parcerias de sucesso com produtores como Tony Visconti e Nile Rodgers, e músicos do quilate de Robert Fripp, Mick Ronson, Trent Reznor e Carlos Alomar.
"Bowie" é escrito com conhecimento quase enciclopédico de cultura pop, o que, além de tudo, torna a experiência ainda mais enriquecedora. Como prega o autor, num de seus poucos clichês, é material para "ler no volume máximo".
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Bowie, em 1969, interpreta seu primeiro hit, "Space Oddity". O personagem Major Tom seria citado novamente pelo próprio Bowie em "Ashes to Ashes", de 1980, e "Hallo Spaceboy", de 95. E também pelo alemão Peter Schiling em "Major Tom (Coming Home)", de 1983, seu único sucesso.
A belíssima "Life on Mars?", do clássico álbum Hunky Dory, foi escolhida pela revista Q, em 2007, como a terceira melhor canção pop de todos os tempos.
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3 comentários:
parabéns pelo blog e pelo ótimo trabalho!
Obrigado!
Oi Dudowisky!!! Quem te escreve é a Débora Casella!!! lembra de mim?? AMEI seu blog!!! Seu dom para as letras sempre foi nítido!Seu blog é mais uma das grandes provas. Ainda mais escrevendo sobre música, né? O Paulo que me falou do rock press... adoraria entrar em contato contigo de novo!!! Vc †á no face? Senão me escreva! debora.casella13@gmail.com um grande abraço apertado!
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