Viver e morrer com Warren Zevon
O anúncio da morte de Poly Styrene, na última segunda-feira, surpreendeu muitos fãs de música. A ex-vocalista da seminal banda punk britânica X-Ray Spex tinha 53 anos e havia descoberto câncer na mama há apenas 2 meses. Ela tinha um disco solo saindo do forno e sonhava em recuperar-se para interpretar o novo material no palco.Mortes desse tipo são sempre dolorosas. Impossível não lembrar de outros artistas vitimados pelo câncer e que se agarraram à música até seus últimos dias. Frank Zappa foi consumido por um câncer de próstata e, nesse estado, conseguiu registrar seus últimos trabalhos, como Yellow Shark e o intrincado Civilization Phase III. Joey Ramone gravou seu álbum solo -sabiamente intitulado Don't Worry About Me- sabedor que a leucemia estava prestes a derrubá-lo.

Warren é conhecido do grande público pelo hit quase solitário "Werewolves of London", do álbum Excitable Boy, ganhador de disco de platina na América. Era um letrista brilhante e dono de um irresistível humor negro. Melhor do que qualquer "Minuto de Sabedoria", Zevon parecia ter o talento natural para sintetizar em frases curtas e precisas qualquer situação da vida.
Como numa piada de péssimo gosto, mas que o próprio teria apreciado, não fosse ele o protagonista, dois anos após gravar o excelente Life'll Kill Ya, cujo tema central é a morte, Warren Zevon foi diagnosticado com câncer. Além da faixa-título auto-explicativa, o álbum trazia canções com nomes sugestivos como "Don't Let us Sick" e a pegajosa "My Shit's Fucked Up".
Zevon morreu apenas um ano após descobrir a doença. Nesse intervalo, gravou seu derradeiro registro: The Wind. Em seus últimos momentos, o cantor, que nasceu numa família de mórmons de Chicago, conseguiu acompanhar o nascimento dos netos e, apenas duas semanas antes de deixar o planeta, viu o disco The Wind chegar às lojas.
Mas sua despedida -absolutamente marcante- aconteceu no programa de Dave Letterman, onde teve a honraria de ser o único convidado. Falou por quase uma hora com o apresentador e tocou uma série de canções. Perguntado sobre o que havia aprendido com a doença terminal, fez jus à fama de criador de grandes aforismos e disse apenas: "Enjoy every sandwich" (Aproveite cada sanduíche).
A pedidos de Letterman, a última canção interpretada por Warren Zevon diante do público foi "Roland the Headless Thompson Gunner". Composta no período em que Zevon morou na Espanha, a música é um mini-épico de 3 minutos e meio sobre um mercenário norueguês que participa de guerras pela África. A letra foi inspirada em um encontro de Zevon com o proprietário de um bar que havia trabalhado, ele próprio, como mercenário pelo continente africano.
Ao final da canção, Warren assente timidamente e Letterman vai a seu encontro para encerrar o programa. O microfone deixa vazar o agradecimento do artista ("Thanks, Dave"), ao que o apresentador, visivelmente emocionado, responde apenas com um "Enjoy Every Sandwich".
Foi a última performance pública de Warren Zevon. Ele morreria menos de um ano depois em Los Angeles.
A vida imita a arte: Zevon, com pouco tempo de vida, interpreta a linda e ácida "My Shit's Fucked Up".
Aqui, a última canção tocada em público por Warren Zevon. De arrepiar.