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Lemmy, o blues e a cerveja

Em 2001, me encontrei acidentalmente com Lemmy num local bastante apropriado: um cassino em Las Vegas.

O eterno líder do Motörhead estava vestido exatamente como já vimos em milhares de fotos e vídeos ao longo dos anos: camisa preta, jeans surrados e a velha bota de couro de cobra.

Embora tenha como mandamento quase sagrado respeitar a privacidade alheia, abri uma exceção e interpelei Lemmy para um prosa de uns 3 minutos. Contei que havia estado no primeiro show que o Motörhead realizou no Brasil, em 1989, e que lembrava o set-list de cabeça.

Lemmy achou graça, mas devolveu com um cruzado no queixo: "E nos outros shows que fizemos por lá depois, você não foi por quê?". Me esquivei do golpe. Disse que tinha ido a todos eles -mentira, claro- mas que o primeiro a gente não esquece. Lemmy assentiu: "Nisso você tem razão".

Foi a única vez que vi Lemmy fora do palco e me pareceu exatamente o tipo de cara que você imagina que ele seja. Boa praça, meio rabugento e absolutamente autêntico.


Aparentemente, essa é a opinião de grande parte do público masculino que tem entre 35 e 49 anos. Pelo menos é o que afirmam os espertos publicitários da geração X.

Depois de usarem "Should I Stay or Should I Go", do Clash, em um comercial de TV, de plagiarem o logo e a capa de uma compilação do Minor Threat para o lançamento de um tênis e de transformarem Iggy Pop e John Lydon em garotos propaganda, agora é a vez de modificarem "Ace of Spades" com a permissão de seu autor.

Explica-se: a canção mais famosa do Motörhead, em versão alternativa, virou tema da campanha "Slow Down the Pace" -algo como "Diminua o ritmo"- para a cerveja Kronenbourg 1664.

O objetivo da marca é fazer com que pessoas como eu, e talvez como você, caro leitor, acreditem que se o Lemmy pode largar a vida de excessos e se contentar com uma cervejinha, porque nós, simples mortais, não podemos?
De acordo com o diretor de criação da agência responsável, o mais difícil não foi convencer Lemmy a participar do comercial - o notório apreciador de Jack Daniels com Coca-Cola já apareceu em propagandas de salgadinhos e chocolate antes.

O complicado, nas palavras do publicitário, foi lidar com a montanha de russa de humor de Lemmy durante a nova gravação de "Ace of Spades".

Como se sabe, o Motörhead jamais havia regravado seu maior clássico em estúdio e seu autor, pelo que consta, sempre protegeu a aura de clássico da canção.

Mas, no fim, a Kronenbourg 1664 ganhou uma versão blues de "Ace of Spades" para mostrar que até um bad motherfucker como Lemmy pode, por uma quantia substancial, "diminuir o ritmo".

Jello Biafra, que me confidenciou em entrevista ter passado mal fisicamente com o uso de "Search & Destroy", dos Stooges, em uma propaganda da Nike, com certeza não aprovaria.

Mas o carisma de Lemmy parece capaz de nos fazer achar o comercial da Kronenbourg a coisa mais cool do mundo.

Assista abaixo e me diga se não é legal...

The Mummies X Buzzcocks

O que existe em comum entre as vindas de Mummies e Buzzcocks ao Brasil? Elas estão separadas pelo megashow de Paul McCartney em São Paulo.

O insano quarteto surf-garage-punk de San Francisco tocou na última quinta-feira, 18, e a lendária banda de Manchester toca na próxima, 25/11.

E o que isso quer dizer? Nada. Ou alguma coisa.


Os Mummies fizeram um show insólito e memorável num Clash Club surpreendentemente lotado, interpretando um tipo de música cuja sonoridade nasceu na época em que os Beatles reinavam sobre o planeta. Trata-se de um amálgama de sons sessentistas (garage, surf music, pré-punk) recuperados com crueza lo-fi.

Pra saber mais sobre a algazarra promovida pelas múmias, leia a resenha que escrevi para o portal aqui.


Já o Buzzcocks é de outra praia, mas nem tanto. Formaram ao lado dos Pistols e Clash uma espécie de tríade sagrada do punk inglês. Mesmo com metade da fama são os melhores melodistas de toda aquela geração que incluiu, ainda, gente como Damned, Stranglers, X-Ray Spex e muitos outros.

Me encontrei com Pete Shelley em 2007, última vez em que o Buzzcocks esteve no Brasil. A primeira coisa que fiz questão de dizer ao ídolo de Morrissey e tantos outros é que ele e seu parceiro, Steve Diggle, são o Lennon-McCartney do punk. Shelley soltou um "Oh!", sucedido de um sorriso com discrição britânica.

Meu primeiro contato com o Buzzcocks aconteceu através da famosa compilação de singles com o esperto título de Singles Going Steady. Ouvi até não aguentar mais.

Poucos anos depois, em 1995, tive a chance de ver e ouvir aquele repertório ao vivo no extinto Aeroanta - casa que ficava no Largo de Pinheiros, em São Paulo, e que abrigou outra penca de shows antológicos.

Até hoje está entre os shows realizados no Brasil com volume mais absurdo. Talvez perca para o Motörhead do já quase surdo Lemmy.

Se você, como este escriba, foge de megashows como o diabo da cruz, claro que vai escapar de Macca no Morumbi.

Sua primeira alternativa para a multidão que vai chorar enquanto canta o la-la-la de "Hey Jude" foi a demência dos Mummies.

Se por acaso acabou perdendo, o Caixa Preta dá a dica: roube ou pegue um empréstimo, mas não deixe de ver o Lennon- McCartney do punk na próxima quinta-feira.

E pode chorar que não faz mal nenhum.

Uma dica e um aviso

Primeiro, a dica: a famosa estação de rádio de Los Angeles, KROQ, através da qual tornou-se conhecido o radialista Rodney Bingenheimer, citado em 9 de cada 10 documentários sobre punk, deu uma prévia do novo álbum do Social Distortion.

A faixa "Machine Gun Blues", que integra o track-listing de Hard Times and Nursery Rhymes, pode ser ouvida aqui e acompanhada de uma entrevista (texto) com Mike Ness.


Agora, o aviso: o Portal Rock Press está reestruturando algumas de suas áreas, razão pela qual o Caixa Preta deixará de usar, em breve, a plataforma do Blogger.

Para quem já acessa via portal, nada vai mudar. Mas se você acessa pelo endereço de URL (http://caixapretaprp.blogspot.com/), terá que fazer outro caminho. É simples: visite o portal (http://www.portalrockpress.com.br), clique em "Colunas" e, depois, em "Caixa Preta".

Como parte da migração do blog para o novo formato, as postagens anteriores a setembro de 2010 já foram removidas do histórico do blog. Mas todos os textos voltarão na nova versão.

Uma prosa com Jello Biafra

Em pouco mais de 20 anos de jornalismo musical diletante, entrevistei alguns personagens importantes na história do punk americano.

Ian MacKaye (Minor Threat/Fugazi), Jerry Only (Misfits), Mike Muir (Suicidal Tendencies), Shawn Stern (Youth Brigade), entre outros.

Faltava um dos maiores.

Na sexta-feira passada, dia 29, falei com Jello Biafra por telefone. A conversa durou cerca de 35 minutos e foi publicada hoje no Portal Rock Press como aquecimento para os shows certamente históricos que Jello realizará nos próximos dias no Brasil (leia mais aqui).

Biafra sintetiza tudo que se imagina de um artista que está umbilicalmente ligado à história do punk. É altamente politizado, sarcástico, um grande letrista e observador da sociedade. A coerência de sua obra musical e de seu ativismo são sustentados pelo binômio talento/integridade.



Conheci o Dead Kennedys em 1986, quando a emblemática banda de San Francisco se separava e, de tabela, aumentava o vazio numa época em que o punk começava a definhar (o Black Flag, só pra citar outro exemplo, acabou no mesmo ano).

Curiosamente, enquanto a ressaca tomava conta da cena na América e na Europa, um quase desapercebido boom de punk rock dominou a 'classe de 86' em São Paulo. As divertidas "Ashtma" e "Nellie the Elephant", do Toy Dolls, tocavam nas festinhas da época e o disco de estreia do Dead Kennedys, lançado originalmente em 80, era editado sem autorização por aqui através da gravadora Continental. Tocou até no rádio e, dizem, vendeu cerca de 30.000 cópias, das quais Jello Biafra e seus comparsas não viram um centavo sequer.



Três anos depois o vocalista reaparecia num projeto com a visceral banda canadense D.O.A e, daí por diante, comprei tudo que Jello gravou.

Ouvindo cada parte dessa discografia imponente, dá para entender a reverência com que o mais importante punk vivo será recebido no Brasil para divulgar o excepcional The Audacity of Hype.

Para preparar os ouvidos, o Caixa Preta montou um Top 20 com uma canção escolhida de cada disco gravado por nosso terrorista predileto (pra chegar no número, incluímos faixas inéditas de uma trilha sonora, uma coletânea e uma participação num álbum do Napalm Death).

Se tiver paciência, monte o tracklist e já entre no clima dos shows:

  1. Holiday in Cambodia (DK's, Fresh Fruits for Rotten Vegetables, 80)
  2. Nazi Punks Fuck Off (DK's, In God We Trust, Inc, 80)
  3. Moon Over Marin (DK's, Plastic Surgery Disasters, 82)
  4. This Could Be Anywhere (DK's, Frankenchrist, 85)
  5. Chickenshit Conformist (DK's, Bedtime for Democracy, 86)
  6. Full Metal Jackoff (w/ D.O.A., Last Scream of the Missing Neighbors, 89)
  7. Message from Our Sponsor (w/ Keith LeBlanc, Terminal City Ricochet, 89)
  8. The Power of Lard (Lard, The Power of Lard, 89)
  9. Fork Boy (Lard, The Last Temptation of Reid, 91)
  10. Fireball (Tumor Circus, s/t, 91)
  11. Bad (w/ Nomeansno, The Sky is Falling and I Want my Mommy, 91)
  12. Convoy in the Sky (w/ Mojo Nixon, Prairie Home Invasion, 94)
  13. Sidewinder (Lard, Pure Chewing Satisfaction, 97)
  14. Electronic Plantation (No WTO Combo, Live from the Battle in Seattle, 99)
  15. 70's Rock Must Die (Lard, 70's Rock Must Die, 00)
  16. Allah Save Queens (w/ Carpet Bombers for Peace, Salt in the Wound - EP, 03)
  17. Plethysmograph (w/ The Melvins, Never Breath what You Can't See, 04)
  18. Those Dumb Punk Kids (Will Buy Anything) (w/ The Melvins, Sieg Howdy, 05)
  19. The Great and the Good (w/ Napalm Death, The Code is Red..., 05)
  20. I Won't Give Up (JB & TGSOM, The Audacity of Hype, 09)