Ele está comigo há 30 anos. Perdido no meio de outros tantos LPs e ausente há bastante tempo do meu relativamente ativo toca-discos. E hoje resolvi dar-lhe uma chance. Enquanto a agulha desliza pelos sulcos do vinil, lembranças do ginásio e de toda uma época vão saindo do baú das memórias.
Meu primeiro disco foi adquirido com economias e trocados de viagens de ônibus, o famoso 5131-Praça da Sé, que me levava até o colégio. Já havia alguns anos que gostava de rock. Era refém dos poucos programas de clipes, o mais saudoso deles o Som Pop, da TV Cultura, que vez ou outra exibia filminhos de bandas de hard rock e heavy metal. Nada mais fascinante para um adolescente de 13 anos e que adorava o som de guitarras elétricas. Mas numa noite de domingo qualquer, foi o eterno programa Fantástico quem fez a surpresa: anunciaram para depois do intervalo um "musical" do ex-vocalista do Black Sabbath. À época, o departamento de jornalismo da emissora ainda não tinha aderido ao termo video-clipe, mas para mim não fazia diferença: a simples menção ao nome da banda sagrada fez meus olhos pularem das órbitas.
O locutor global anunciou "The Last in Line" como a ideia do cantor Ronnie James Dio sobre o fim do mundo e terminou o texto com uma tradução livre do título: "O Fim da Linha". O estrago estava feito. Imagens de um elevador que despenca até o inferno, a trilha musical recheada de riffs e solos faíscantes e toda aquela ideia de fim dos tempos me fascinaram. Lembre-se que era 1984 e existia ali um componente de rebeldia em relação à ordem das coisas. Para as FMs brasileiras, pré-Rock in Rio, a maior ousadia ainda era tocar coisas pavorosas como o grupo pop-rock Radio Taxi. E a TV, salvo o oásis do Som Pop, era ainda tão sem graça quanto hoje, embora com apenas cinco emissoras.
Da veiculação de "The Last in Line" no Fantástico até a compra do disco lá se foi quase um ano. Acumulei trocos da cantina do colégio e os somei às moedinhas que sobravam das viagens de ônibus, que eu normalmente pagava com passe escolar. O que faltava para adquirir o LP, provavelmente foi conquistado graças à eterna generosidade maternal.
Com o dinheiro contado, lá fui eu, a bordo do 5131, dessa vez até o ponto final, na Praça da Sé, atrás de meu primeiro disco. A loja escolhida foi a filial da Rua 7 de Abril da outrora importante rede Museu do Disco. Garimpei em cada casulo de vinil até me deparar com a capa em tons pastéis criada por Barry Jackson - o mesmo que assinara a arte do então recém-lançado "Afterburner", do ZZ Top. Naquele vinil estava não apenas a canção que iluminou um final de domingo qualquer, mas também, e principalmente, minha definitiva introdução aos prazeres do rock'n'roll.
Trinta anos depois, meu primeiro LP está girando no toca-discos. Orgulhoso, tenta disfarçar o efeito do tempo e deixa a agulha deslizar tranquila, sem reproduzir qualquer chiado, talvez na esperança de que seja tocado com mais frequência em minhas sessões nostálgicas.
O saudoso Ronnie James e seu guitarrista, o norte-irlandês Vivian Campbell, quebram tudo no clipe exibido para todo o Brasil em 1984
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PS: Caso esteja se perguntando, sim, a imagem que abre o 'post' é do meu próprio LP. Repare no encarte consertado com durex. :)
4 comentários:
Pirava nesse videoclip quando era criança, mas o que mexeu comigo foi quando vi a Pet Semetary dos Ramones (no Som Pop).Algum tempo depois de ver o video comprei o Brain Drain que também tenho até hoje!
LPs e CDs tinham esse poder. A aventura de ir atrás deles gerava boas histórias. Sem problemas quanto a tudo estar na nuvem agora, mas quem se lembrará do dia em que viu tal vídeo no Youtube e depois ouviu o disco na íntegra via Spotify?
PS: Também adoro o "Brain Drain".
Já o meu disco # 001 da coleção foi "Viva-Ao vivo",do Camisa de Vênus. Bem, na verdade foi like a virgin da Madonna, mas eu não conto, pq só me fez ter certeza de o que eu queria mesmo era rock ...
O primeiro de metal foi "somewhere in time do Iron Maiden.
E o primeiro "Hard Core" foi Descanse em paz do RDP.
Adelvan, quando eu tinha uns 12 anos não parava de passar na TV o comercial de um lançamento chamado "16 Super Hits" (ou algo assim). Pedi o disco de presente, pois adorava "Another One Bites The Dust", do Queen, que constava na coletânea. Mas quando fui ouvir, reparei que eram versões dos hits. Não havia nenhuma gravação original! Me lembro de ler a ficha técnica e descobrir que quem tocava, na verdade, era uma banda de estúdio chamada Le Nuvole. Reencontrei esse LP há uns 2 anos na casa dos meus pais e o resgatei; mas ainda não tive coragem de ouvir.
Mas o primeiro disco que realmente comprei, indo até a loja sozinho e tudo mais, foi mesmo "The Last in Line".
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