No último domingo, dia 10 de abril, revi, após mais de 20 anos, uma apresentação ao vivo de Max Cavalera. E o cenário não poderia ser mais diferente daquele em que conheci o Sepultura.
Comparar um show atual do Soulfly com os eventos de metal dos anos 80 é exercício quase antropológico. Primeiro, porque o valor atual dos ingressos seria completamente inacessível para o público de 30 anos atrás. O país mudou e a audiência de Max Cavalera também. O bom público que foi prestigiá-lo no domingo era formado majoritariamente por fãs de meia idade. Bem diferente dos garotos rebeldes do passado e que tinham no metal extremo uma válvula de escape para as agruras da adolescência.
Outra diferença que grita são as condições técnicas de ontem e hoje. A Audio Club, que recebeu o Soulfly, tem ótima infraestrutura. É possivelmente a melhor casa de shows da cidade desde o fechamento do Via Funchal, em 2012. Tem seguranças por todos os lados, sinalizando com laser aqueles que acendem um cigarro ou um baseado na escuridão. Cobram dez pratas por uma lata de cerveja e oferecem a infame opção de pista VIP, separando o público com uma cerca.
Já o Sepultura, que vi nos primórdios, tocava com equipamentos baratos e em locais improvisados. Estive em um show do grupo pela primeira vez em 1987, ocasião em que lançavam seu ótimo álbum "Schizophrenia". A apresentação aconteceu nas modestas dependências do Sindicato dos Aeroviários de São Paulo; um prédio de três andares próximo ao Aeroporto de Congonhas. Era parte de um festival chamado "The World's Thrash", que teve outras tantas bandas importantes da época. Em determinada altura, acredite, o evento foi paralisado porque o chimbal da bateria desapareceu. Tinha ido parar, por engano, no meio dos equipamentos da banda punk WCHC.
Em 2016, Max e seu Soulfly jogam como o craque veterano e acima do peso, o tipo que conhece os atalhos do campo e não precisa suar pra ganhar o jogo. É um tal de mandar a plateia pular, abrir a roda de pogo e bater palmas que não está no gibi. O líder da banda, ungido pela credibilidade do metal "old school", é venerado pelo público. Max pede, os fãs atendem. E sequer precisa tocar sua guitarra rítmica durante boa parte da apresentação.
Em 1987, o Sepultura era ainda aquele jogador revelação, vindo dos campos esburacados da várzea e que tinha fome de bola. Chamava a atenção por ser melhor e mais habilidoso que seus pares. Em seus shows, não recorria a truques pra ganhar a torcida. Estavam afiados e confiantes, turbinados por um repertório com o frescor e a novidade da época.
O público de metal atual já flexibilizou seus gostos musicais. Aceita, por exemplo, que Andreas Kisser toque em uma jam session com Junior Lima, o irmão da Sandy, ou que leve o Sepultura para se apresentar em um trio elétrico de carnaval. Na Audio Club, provou isso cantando junto o trechinho de "Polícia", dos Titãs, e o refrão de "Ponta de Lança Africano", de Jorge Ben Jor. Curtiu até uma espécie de reggae chapado, num dos melhores momentos do show.
O público do passado, radical até o caroço, arrancaria a banda do palco a tapa se fizesse concessões parecidas. Basta dizer que, no citado festival, o Sepultura, assim que subiu ao palco, foi recebido com uma chuva de papel picado. Era o recado da ala mais purista e que já andava desconfiada com os cabelos tingidos dos irmãos Cavalera, suas bermudas floridas e a guinada para o thrash depois de despontarem como uma banda de death metal "from hell".
Na saída do show do Soulfly, neste domingo, às 23:30, ouvi elogios duvidosos a respeito de Max Cavalera. Enquanto se dirigiam para buscar seus automóveis, fãs falavam do vocalista como um velhinho casca grossa. Estavam, suponho, a valorizá-lo pelos serviços prestados. E talvez, de maneira benevolente, a aceitar que tenha se tornado um animador de festas movidas a covers, citações, pout-porris e velhos clássicos do Sepultura.
Em 1987, ao final do festival, com o chão do sindicato coberto por garrafas de cerveja e cacos de vidro, o público saiu para as ruas desertas da cidade como uma gangue egressa do filme "Warriors". Se espalharam pelas esquinas e pontos de ônibus abandonados às quatro horas da madrugada. Falavam de metal, das bandas mais obscuras e extremas que existiam. Alguns elogiavam a evolução do Sepultura. Outros, mais críticos e mordazes, lamentavam: "Estão ficando muito comerciais".
Trinta anos mudam tudo.
Em 2016, centenas de smartphones filmaram o show do Soulfly. Não há registro em vídeo do festival "The World's Thrash" (acima, pôster do evento). |
3 comentários:
Caramba, quase tanto tempo quanto eu - não via Max no palco há mais de 20 anos quando fui ver o Cavalera conspiracy em Salvador há dois anos. Muito bom ver os dois irmãos juntos, sempre. Registrei minhas impressões aqui: http://escarronapalm.blogspot.com.br/2014/09/max-igor-juntos-e-ao-vivo.html
Ah, esqueci de dizer: sensacional vc ter colocado o cartaz do show antigo! Você guarda? Tem mais? Acho sensacionais, esses registros históricos ...
Fala, Adelvan! O Igor fez uma participação nesse show do Soulfly também. Quanto ao cartaz, sabia que existia na Internet, pois o tinha visto uma vez há alguns anos. Procurei novamente e achei! É de um site com muitos pôsteres antigos de metal. Veja só: http://www.metallipromo.com/metallica.html
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