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Lições de vida e de morte com Warren Zevon e David Bowie

Quem se apressou a resenhar o derradeiro álbum de David Bowie, provavelmente quebrou a cara. Em 48 horas, "Blackstar" deixou de ser o possível início de uma nova fase do artista, como muitos apregoaram, para virar uma espécie de álbum-testamento. Trata-se do mais rápido caso de revisionismo da história da música pop.

O título do disco passou a ser entendido como o da estrela -ele, Bowie- que se apaga. E o tema da canção "Lazarus", acompanhado de um vídeo impactante, ganhou significado épico. E tudo porque o artista, ao invés de anunciar publicamente sua luta contra o câncer, optou por transformar em arte a própria finitude. Coisa de gênio.

Aos mais atentos, o recado já vinha sendo dado desde "The Next Day", o disco anterior e que quebrou um hiato de dez anos em que Bowie manteve-se longe do olho público, sem gravar ou excursionar. "Where Are We Now?", o emocionante single do álbum, é uma canção que agora conecta-se perfeitamente ao epitáfio de "Blackstar". David Bowie já previa o fim de sua passagem estelar e refletia sobre a mortalidade.


Antes dele, em um caso louco demais até para a ficção, Warren Zevon, grande menestrel do rock americano, previu o descobrimento de uma doença terminal. Zevon gravou em 2000 um álbum quase monotemático, com o sugestivo título "Life'll Kill Ya", em que desfia seu humor corrosivo sobre a fragilidade humana e a ideia de que a morte chega para todos.

"My Shit's Fucked Up", uma das grandes canções do disco, detalha, em primeira pessoa, uma visita de rotina ao médico seguida de um terrível diagnóstico.

Em tradução livre:

Bem, eu fui ao médico
E disse, "Estou meio zoado"
Ele respondeu, "Vou te falar a real, filho. Seu bagulho está fodido"

Eu disse, "meu bagulho está fodido?
Bem, eu não vejo como..."
E ele falou, "O bagulho que costuma funcionar -
Não vai mais funcionar agora."

Sim, sim, meu bagulho está fodido
Acontece aos melhores de nós
Os caras ricos sofrem como a gente
E isso vai acontecer com você


E que tal a faixa que dá nome ao álbum:

Do presidente dos Estados Unidos
Ao mais vagabundo astro do rock and roll
O doutor chegou e vai te atender agora

Ele não quer saber quem você é
Alguns têm terríveis, terríveis doenças
Alguns levam facadas, outros levam bala
Alguns morrem durante o sono
Na idade de cento e um
 

A vida vai te matar
É o que eu disse
A vida vai te matar
E então você estará morto
A vida vai te achar
Onde quer que você vá
"Que ele descanse em paz"
Foi tudo o que ela escreveu




Dois anos mais tarde, Warren Zevon passou a sofrer com enjoos e tonturas frequentes. Convencido por seu dentista, procurou um clínico e, tal qual como nas letras pessimistas de "Life'll Kill Ya", descobriu portar ele mesmo um câncer raro e inoperável.

Ao contrário de Bowie, Zevon tornou pública a sua condição. E assim como o inglês, apressou-se em gravar um último disco. O câncer devastador do artista, famoso pelo hit "Werewolves of London", comoveu a América e virou um documentário de partir o coração chamado Warren Zevon: Keep Me In Your Heart.

Dave Letterman, o mais notório e declarado fã de Warren, o convidou para uma espécie de despedida em rede nacional. Ao perguntar sobre o que este, diante da iminência da morte, aprendera sobre a vida, teve como resposta uma frase que tornou-se, desde então, um bordão muito repetido: "Aproveite cada sanduíche".

David Bowie e Warren Zevon, cada qual à sua maneira, nos ensinaram muito sobre viver e morrer. 


Os últimos dias de Warren Zevon mostrados com rara sensibilidade. Separe os lenços

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