Na semana seguinte, dia 26, como um sinal sacana de que o capiroto jamais deixou de ser popular e apenas se disfarçou sob outras peles, leio que uma organização chamada Satanic Temple inaugurou, em Detroit, uma bonita e provocadora estátua de Baphomet. Para quem ouviu metal underground na década de 80, o nome dessa divindade pagã adotada pelo Satanismo é relativamente conhecido. Somente no clássico álbum "Bonded by Blood", do Exodus, há três faixas em que o tal Baphomet é mencionado.
Vinde a mim as criancinhas |
Não há sinais que haja relação entre o Satanic Temple -que não se define como religião, mas como grupo de afinidade para céticos e libertários- e o submundo do rock. Ainda assim, percebe-se semelhanças na cruzada pela laicidade empreendida pelos templários norteamericanos e, antes deles, por alguns moleques rebeldes da Noruega. Porque foi ali, no país com o maior IDH do planeta, que o subgênero conhecido como black metal tornou-se um fenômeno sociológico.
O power trio Venom, de Newcastle, pode até ter batizado o gênero, mas quem o formatou, no sentido musical e estético, foram o suíço Hellhammer e o sueco Bathory. A Noruega, contudo, tomou para si o estilo com o surgimento de uma geração de bandas encabeçada por Mayhem, Darkthrone e Burzum. A cena, então pequena e obscura, terminou conhecida pela violência e o radicalismo. O suicídio de um músico, o assassinato de outro e a onda de incêndios criminosos contra igrejas chocou a Escandinávia.
Varg Vikernes, o diabo norueguês |
Vikernes, que é bastante articulado e um tipo perigoso de modelo para adolescentes rebeldes, explica os ataques como sua maneira de restabelecer o paganismo original da Noruega. O circo midiático em torno de seu julgamento transformou-se em uma espécie de versão escandinava do caso OJ Simpson. A forma irresponsável como parte da imprensa pautou seu trabalho foi abordada em um documentário feito para a televisão em 1999 e intitulado "Satan Rides the Media".
Varg Vikernes ficou preso por 15 anos e durante o confinamento alinhou suas ideias com a da direita xenófoba europeia. Sua ideologia é uma mistureba de neo-nazismo, mitologia teutônica e paganismo, explicada em nada menos que dez livros. O terrorista norueguês Anders Behring Breivik, responsável pelo massacre de 77 pessoas que chocou o mundo em 2011, era admirador confesso de Vikernes. Chegou a lhe escrever cartas em que explicava seus pensamentos ultranacionalistas. Um bando de lunáticos, isso sim.
Diversas outras bandas continuam a se inspirar na versão de Satanismo que o black metal encampou. Na Noruega, por tudo que já foi dito, o fenômeno tornou-se parte da cultura popular. O duo Satyricon, remanescente da geração dos anos 90, assinou há alguns anos com a major Sony BMG e emplacou um disco de black metal em primeiro lugar na parada norueguesa e em quinto na finlandesa. Já a banda brasileira de hardcore/punk Agrotóxico revelou que, ao desembarcar no país nórdico para alguns shows, foi questionada por oficiais da imigração se a música que faziam era black metal.
Com tanta exposição, esse subgênero maldito terminou, inevitavelmente, usurpado de seu significado original. O niilismo dos pioneiros do black metal foi reformatado por bandas que pularam nesse vagão à procura de sucesso. O inglês Cradle of Filth e o norueguês Dimmu Borgir, por exemplo, criaram suas versões gourmetizadas da música do diabo para consumo comercial. O documentarista canadense Sam Dunn, que fez filmes para Rush e Iron Maiden, estudou o assunto no oitavo episódio de sua série "Metal Evolution", produzido para a Internet após o fim do programa no canal VH1.
Assim, seja nos destaques do Twitter, na adoração dos góticos libertários do Satanic Temple ou nas manchetes de tabloides noruegueses, o diabo, em pleno século XXI, ainda tem algo de pop.
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2 comentários:
Nunca consegui gostar de Burzun e Mayhen não - e olha que já ouvi com boa vontade. Achei sempre chato. Mas Darkthrone é muito bom.
Acho o fenômeno bastante curioso, mas musicalmente não me agrada. OK, gosto do Satyricon.
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