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Kim Fowley (1939-2015): Morre o inventor das Runaways

(Republico abaixo coluna que escrevi em 16 de janeiro último, para o blog da Red Star Recordings, a respeito da morte Kim Fowley).

Kim Fowley, produtor das Runaways e excêntrico personagem da cena musical de Los Angeles, morreu aos 75 anos de idade. Foi ele quem concebeu a ideia da banda feminina de punk, apresentou as integrantes umas às outras e produziu o disco epônimo de 1976, além de Queens of Noise e Waitin' for the Night. Fowley também co-escreveu o grande hit do grupo: "Cherry Bomb".

Em 2001, o jornalista e escritor Marc Spitz -da revista Spin e autor da última biografia de David Bowie- juntou-se a Brendan Mullen, ex-proprietário do Masque, templo underground de Los Angeles, para escrever um livro sobre as origens da cena punk de LA. Adotaram a mesma fórmula do famoso "Mate-me, por favor", de Legs McNeil, e entrevistaram todos os importantes personagens que colocaram a cidade no mapa do punk, hardcore e new wave. O livro "We Got the Neutron Bomb" é ótimo, mas, infelizmente, nunca foi lançado no Brasil.

Selecionei abaixo trechos de depoimentos de Kim Fowley no capítulo do livro dedicado às Runaways e que também traz, claro, as opiniões de Joan Jett, Cherrie Curie e outras pessoas ligadas ao grupo.

  Kim Fowley e Joan Jett
  • "A solidão de um visionário é você ser a única pessoa em dado instante do universo a perceber a magia. Eu sou uma pessoa mágica, então reconheço outras pessoas mágicas. Precisa de alguém assim para identificar outro igual".
  • "O mundo é dos homens, já dizia James Brown. E ele estava certo. Quando você pega mulheres para fazer coisas tradicionais masculinas, você terá controvérsia e combustão. As Runaways foram minha ideia, e eu fui atrás de encontrar as pessoas para integrar o grupo. E através de uma sequência de confusão, sorte e bom gosto, cinco garotas foram selecionadas".
  • "Quando eu conheci Kari Krome, ela era muito letrada e estava muito mais interessada em Jack Kerouac do que em Chuck Berry. Ela não tinha pontencial para rock star. Ela é uma garota bonita de se olhar, mas você precisa ser Steven Tyler ou Iggy Pop. Kari Krome também não era Patti Smith. Patti estava interessada nas mesmas coisas que Kari Krome, mas acontece que uma delas (Patti) era uma performer e a outra (Kari) escrevia letras para os outros interpretarem".
  • "Por que não poderia haver um Elvis garota, ou os Beatles femininos, ou uma Little Richard ou Bo Diddley de saias? Sempre houve a versão feminina de tudo na música, mas ninguém jamais havia recrutado cinco garotas e dito: 'Essas cinco meninas são mágicas, e se elas tocarem essas canções e tiverem certo estilo, o público vai comprar'. Foi como fazer uma seleção de elenco para um filme de cinema".
  • "Fui eu quem disse às Runaways o que era bom e o que era mau. Era um navio apertado e a tripulação se rebelou. Elas eram meninas, não mulheres; elas tinham realmente a idade que nós alardeávamos. Todas tinham dezesseis anos, estavam no colegial... Houve episódios internos de histeria adolescente, do tipo: 'Você usou tal peça de roupa da mesma cor que eu, e vou brigar por isso agora'. Ou então era: 'Não fale com o meu namorado ou vou furar seus olhos, vadia'".
  • "Eu já tinha visto Darby Crash e Pat Smear [dos Germs] antes. Eles eram groupies masculinos à espreita das Runaways. Eram mais como irmãozinhos, mas havia alguma atitude de groupie por trás da postura deles".

O top 10 de todos os tempos dessa semana

(No último mês de dezembro, o ativista dos bons sons Márcio Carlos me fez um convite simpático: listar meus 10 discos favoritos e escrever algumas linhas sobre cada um deles. O texto foi publicado originalmente no Webzine Alternar. Republico abaixo. E, já sabe, fique convidado também a enviar seu 10 mais nos comentários).

Como levar a sério uma lista de 10 discos em que não aparecem “London Calling”, do Clash, ou “Ace of Spades”, do Motörhead? Como acreditar que seria possível passar o resto da vida numa ilha deserta sem a companhia de “Excitable Boy”, do mestre Warren Zevon, ou da obra-prima “Harvest”, de Neil Young? E que tal pensar que você ficaria privado para todo o sempre de exorcizar seus demônios com “Reign in Blood”, do Slayer, porque o autor desse top 10 teve a pachorra de deixá-lo de fora? Mas fazer listas é isso: excluir centenas de discos obrigatórios em detrimento de uns poucos que, em determinado instante do tempo, ocupam um lugar especial no seu imaginário. A eles.




Dick Dale – “Better Shred Than Dead” (1959–1996)
O rei da surf guitar faz parte de uma especial geração de transgressores. Se Link Wray inaugurou a distorção, foi Dale quem adaptou para a guitarra elétrica um certo tipo de palhetada antes comum apenas a outros instrumentos de corda. Sem querer, gerou a semente para o surgimento dos gêneros mais selvagens do rock’n’roll. O auto-proclamado rei da surf guitar contribuiu também para o desenvolvimento de guitarras e amplificadores, desafiando Leo Fender a criar equipamentos capazes de dar conta de sua ferocidade sonora. Como é do tempo dos singles, a obra de Dick Dale não pode ser resumida em um disco de carreira. A melhor maneira de compreendê-lo é através da antologia “Better Shred Than Dead”, um CD duplo que compreende 40 anos de subestimada carreira.




The Stooges – “Funhouse” (1970)
Não é exagero dizer que com seu disco epônimo lançado em 1969, Iggy e os Stooges acabaram com o que restava de inocência no rock’n’roll. Mas foi apenas em “Funhouse” que a violência sonora dos padrinhos do punk foi devidamente captada em estúdio. O álbum prenunciou a distopia setentista e o sequestro do rock por junkies e marginais, traduzindo a desorientação da época. A primeira parte de “Funhouse” traz algumas das canções mais icônicas dos patetas de Detroit (“TV Eye”, “Down on the Street”) e a segunda, temas sujos, arrastados e distorcidos, acrescidos do sax de Steve MacKay, e que soam como free jazz tocado por punks. Nada mais seria como antes.



Black Sabbath – “Vol. 4” (1972)
A maioria do público idolatra os primeiros três discos do Sabbath, mas a grande trilogia da banda é aquela formada por “Vol. 4”, “Sabbath Bloody Sabbath” e “Sabotage” (dos três, “Vol. 4” é o mais impressionante). O álbum foi gravado em uma mansão de Los Angeles com os quatro integrantes cheirando pó enlouquecidamente e na companhia de groupies, penetras e traficantes. O resultado é um disco inspiradíssimo e que traz o riff de guitarra mais absurdo gravado pelo mestre Tony Iommi: “Supernaut”.



Frank Zappa – One Size Fits All (1975)
As bandas de apoio de Zappa tiveram inúmeras encarnações e sua obra é fundada em uma discografia complexa e que abrange de doo-wop a jazz eletrônico, passando por obras conceituais debochadas (como “Thing Fish”) e peças orquestrais. A tarefa de selecionar um único álbum de artista tão idiossincrático é árdua, mas “One Size Fits All”, nono disco de Zappa com os Mothers of Invention, é um de seus momentos mais iluminados. Da abertura apoteótica com “Inca Roads” até a antológica “Andy”, o álbum tem todos os principais atributos zappianos: exuberância técnica, senso de humor e afiado sentido de composição.



Misfits – “Static Age” (1978)
Grande parte dos singles clássicos do Misfits são oriundos de uma mesma sessão de gravação de 1978. Esse material foi reunido pela primeira vez em um álbum somente em 1996 –após a resolução da guerra judicial entre Glenn Danzig e Jerry Only- sob o título “Static Age”. Quase tudo que você precisa ouvir do Misfits está aqui e com aquela gravação deliciosamente tosca que agrega um charme especial às canções. A imersão da banda na estética de filmes B e no submundo de Hollywood nunca funcionou tão bem. Um clássico do punk rock.



ZZ Top – “Eliminator” (1982)
A pequena e velha banda do Texas já era um dos atos mais bem sucedidos do blues rock americano quando gravou “Eliminator”, em 1982. Alguns de seus trabalhos anteriores, como o excelente “Degüello”, davam pistas que Gibbons, Hill e Beard tinham recursos para reinventar seu som poeirento e estradeiro. Mas em “Eliminator”, tudo, absolutamente tudo, funcionou à perfeição. As canções são irresistíveis e a execução é infernal, com Gibbons entregando alguns de seus melhores riffs e solos. Os clipes icônicos para faixas como “Legs” e “Gimme All Your Lovin’” impulsionaram o ZZ Top ao imaginário popular e resultaram em vendas multiplatinadas para o disco.




Tom Petty & the Heartbreakers – “Full Moon Fever” (1989)
Obra-prima da música pop baseada numa safra de canções tão suculenta que deixa o álbum parecido com uma coletânea de sucessos. Mas “Full Moon Fever” é um disco de carreira de Petty e seus Heartbreakers, gravado na esteira de sua colaboração com o supergrupo Travelling Willburys -- George Harrison e Roy Orbinson participam com vocais de apoio e Jeff Lyne toca baixo e produz. “Free Fallin’”, “I Won’t Back Down”, “Love is a Long Road”, “Runnin’ Down a Dream”: a lista de composições exuberantes impressiona, assim como o trabalho de guitarra do grande Mike Campbell. Disco de cabeceira de quem tem algum juízo.




Social Distortion – Somewhere Between Heaven and Hell (1992)
A cultura low rider, o revisionismo da estética dos filmes de gângsteres e de pin-ups, as tatuagens e os rebeldes sem causa. Mike Ness tomou todos esses temas para si, escreveu belíssimas canções sobre eles e transformou-se em um tipo de trovador com espírito punk. O repertório do Social Distortion encontrou o equilíbrio perfeito em “Somewhere Between Heaven and Hell”, com sua produção impecável e um passeio de caranga envenenada por blues, rock’n’roll e Americana.



Fugazi – “In on the Kill Taker” (1993)
Surgido das cinzas de Minor Threat e Rites of Spring, o Fugazi pegou tudo que se conhecia sobre punk rock e hardcore e virou do avesso. A revista inglesa de metal Kerrang! certa vez descreveu a música da banda como post-hardcore e talvez seja esse o melhor rótulo para definir o som do grupo. O Fugazi atingiu seu ápice em “In on the Kill Taker”, de 1993 - um êxtase de tramas instrumentais complexas e viscerais e com o inconfundível contraste entre as vozes de Ian MacKaye e Guy Picciotto. O repertório desse disco foi defendido ao vivo em performances arrebatoras por uma banda que deixava as tripas no palco.



Monster Magnet – Dopes to Infinity (1995)
Dave Wyndorf é um dos grandes artistas do rock dos últimos 30 anos e dono de uma de suas mais belas vozes. O líder do Magnet também conhece como poucos a cena de bandas de garagem dos anos 60, o hard rock, a psicodelia e o space rock dos 70’s. É um ourives da boa cultura pop. E foi reprocessando essas referências com uma quadrilha de grandes músicos que Wyndorf cunhou álbuns como “Powertrip”, “God Says No” e “Monolithic Baby!”. Em “Dopes to Infinity”, de 1995, há quase tudo do melhor que o Monster Magnet sabe fazer: temas instrumentais apocalípticos, baladas lisérgicas, flertes com o proto-punk à la Stooges/MC5 e hard/stoner pesadíssimo. Se existirem bordeis em Marte, é essa a música que eles tocam.

Ministry no Brasil é evento histórico

Em quase 35 anos de carreira, o Ministry jamais se apresentou no Brasil. A banda que surgiu em Chicago por obra do cubano Al Jourgensen, fazia no início um synth-pop inofensivo, como se pode ouvir no disco de estreia, "With Simpathy". Alguns anos mais tarde, no entanto, criaram uma pequena revolução no som pesado ao misturar elementos eletrônicos com guitarras distorcidas, samples, vocais cavernosos e uma pegada punk/metal. Tornaram-se para muitos os pais do estilo conhecido como "industrial music".
O álbum "The Land of Rape and Honey", de 1988, uma autêntica trilha sonora para o fim do mundo, foi o primeiro a cair no radar dos fãs de música pesada. Depois dele, o caminho estava aberto para Jourgensen e seu comparsa Paul Barker, que se tornaram uma referência de seu tempo. Os dois discos seguintes -"Mind is a Terrible Thing to Taste" e "Psalm 69"- viraram clássicos imediatos. Do primeiro, saíram os singles "Thieves" e "So What". E de "Psalm 69" foram içadas faixas bombásticas como "N.W.O.", "Just One Fix" e "Jesus Built My Hotrod" - todas lançadas com o apoio de clipes cabulosos e que foram seguidamente exibidos pela extinta MTV Brasil.

Jourgensen e Barker também se meteram em diversos outros projetos no período, como Revolting Cocks (do infame cover "Do Ya Think I'm Sexy?", de Rod Stewart), Pigface, 10,000 Homo DJs, Pailhead (com Ian MacKaye) e o sensacional Lard, com Jello Biafra, que deixou 2 álbuns e 2 EPs (a faixa "Fork Boy", do primeiro disco, foi usada na cena de rebelião em "Assassinos por Natureza", de Oliver Stone).

Ministry

Ao longo da década de 90, o Ministry produziu ainda grandes discos como "Filth Pig" (que tem a impressionante regravação de "Lay, Lady, Lay", de Bob Dylan) e "Dark Side of the Spoon", cujo título em inglês ("O Lado Escuro da Colher") é um trocadilho com os hábitos heroinômanos de Al Jourgensen. É desse álbum também a música "Bad Blood", usada na trilha sonora de "Matrix".

A associação do Ministry com o cinema foi ainda mais marcante no filme "AI - Inteligência Artificial", de Steven Spielberg, em que aparecem tocando num tipo de rodeio de destruição de robôs. O convite partiu de ninguém menos que Stanley Kubrick, o gênio responsável por obras-primas como "2001: Uma Odisséia no Espaço", "Laranja Mecânica", "O Iluminado", entre outras; e que há anos vivia recluso na Inglaterra. Al Jourgensen conta que ao receber o telefonema de Kubrick, achou que se tratasse de uma trote. Soube depois que o lendário cineasta conhecera a música da banda no set de seu último filme, "De Olhos Bem Fechados". Na primeira década do novo milênio, o Ministry gravou dois álbuns praticamente conceituais e que protestavam contra o governo fascista de George W. Bush: "The Last Sucker" e "Rio Grande Blood". Paul Barker deixou o grupo depois de longos anos e Jourgensen seguiu sozinho, até acabar com o Ministry e voltar para mais um disco e uma turnê.

Seu mais recente álbum, "From Beer to Eternity", de 2013, é versátil e tenta resgatar um pouco de cada fase da carreira, com faixas mais experimentais, um maior uso de electronica e o peso arrebatador de sempre. A boa notícia é que, dessa vez, o Ministry finalmente passará pelo Brasil! O show acontece dentro de três semanas na Audio Club, em São Paulo, e a banca da Red Star Recordings estará por lá com todo o catálogo do selo e diversos títulos nacionais e importados.

 Gibby Haynes, do Butthole Surfers, assume os vocais nessa bomba atômica dos anos 90.