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Bulldozer: heavy metal à italiana

Sabe aqueles discos que desaparecem de vista como se nunca tivessem existido? O tipo de álbum sobre o qual você deixa de encontrar qualquer citação, que seus amigos desconhecem e que também não faz parte de sua coleção física ou digital? Pois outro dia tive a surpresa de topar com um desses.

Foi ao final de um show, na banquinha de uma distribuidora independente. Estava lá o tal disco fantasma, em uma cópia novinha, lacrada e em vinil. Falo de IX, terceiro registro de estúdio do Bulldozer, um grupo italiano de metal que é adorado por meia-dúzia de malucos. Não comprei o LP, mas dar com ele me levou a procurar por um upload completo no Youtube e terminar uma audição iniciada 25 anos atrás.

Não ouvia o álbum desde 1988. Fui apresentado ao disco em visita a um então conhecido promotor de shows. O sujeito recebia pilhas de discos do exterior numa época em que qualquer LP importado valia seu equivalente em ouro. E IX era novidade, tinha acabado de sair na Europa. Na ocasião, eu já conhecia o debut do Bulldozer, The Day of Wrath, e tinha achado o proto-black metal dos caras tosco e mal gravado. Mas IX era diferente: uma mistura de thrash, hardcore e outras vertentes do som extremo, com execução e gravação incomparavelmente melhores. O álbum parecia promissor, mas desde então nunca mais soube dele. No último quarto de século, sumiu de vista. Desapareceu. Virou enxofre.


A experiência de fazer uma nova audição de IX em 2014 foi como revisitar um tempo que acabou. Meus parâmetros mudaram, claro, assim como toda a conjuntura que permitiu o surgimento de bandas como o Bulldozer.  O arroubo juvenil está em cada letra e riff de guitarra do disco. Algumas letras, inclusive, ou a maioria delas, seriam impensáveis no mundo politicamente correto de hoje.

Em "Mysoginists" e "No Way", os milaneses esculhambam com o sexo feminino (!), apregoam a prática da masturbação e, por vezes, resvalam em um nada engraçado ranço moral italiano. Recuperam-se na antimilitarista "Desert!", e voltam ao deboche em "Ilona the Very Best", narrando, através de uma não-letra, as peripécias sexuais da atriz pornográfica Cicciolina, eleita naquele mesmo ano para o Parlamento Italiano. A faixa mais emblemática da porralouquice, no entanto, é "The Derby" - um hino de incitação ao hooliganismo que começa com gritos de torcida ("Milan! Milan!") e termina ao som de garrafas quebradas, bombas e sirenes.  O conteúdo, como se vê, é banquete farto para o apetite de adolescentes ogros. 

IX epitomiza o espírito niilista do auge do metal underground, período em que sobravam testosterona e uma vontade irrefreável de desconstruir figuras de autoridade e o próprio status quo. A ilustração da capa, que exibe o planeta em chamas e famosos monumentos aos pedaços, não está ali por mero acaso.

Mas em 1992, numa reviravolta surpreendente, o Bulldozer meteu-se a fazer um EP com o produtor de techno Fausto Guio, que participa do projeto na pele do misterioso rapper Dr D.O.P.E (um pseudônimo tão americano quanto os filmes de bangue-bangue de Bud Spencer e Terence Hill...). O resultado final, com o bem sacado título Dance Got Sick!, é esquisitíssimo, com ecos de eurobeat e o Ministry dos primórdios.

A aventura atirou o grupo no mais absoluto ostracismo e serviu de álibi para Alberto Contini, líder da tropa, cair de cabeça na cena dance. Ele fundou o selo A-Beat C, especializado em Italo Disco e J-Pop, e produziu, ao longo dos anos 90, uma série de hits que fizeram ferver as pistas de dança na Itália e no Japão.

Por essa, ninguém esperava.


"The Vision Never Fades": o thrash metal oitentista encontra o pós-punk em uma esquina de Milão

Sub Pop Festival - A aula do Mudhoney

Em tempos de festivais com palcos diversos, gigantescos telões, tirolesas, rodas gigantes e bares temáticos, parece estranho usar a mesma designação para descrever um evento bem mais modesto, no qual três bandas tocam sem grandes firulas em um clube fechado. Mas aí, bem, você se lembra que esse grupos vêm todos do exterior, pertencem ao mesmo selo e esse selo é simplesmente a Sub Pop Records. Sim, estamos falando de um festival.

A gravadora de Seattle, que escreveu um capítulo na cultura pop ao descobrir e lançar o Nirvana, trouxe ao Brasil em 15 de maio último aquele que permanece seu principal expoente –o veterano Mudhoney–, além de duas bandas da nova geração. Claro que os pais do grunge foram tratados como a grande atração da noite e arrebanharam a maioria dos presentes, mas os outros grupos certamente saíram dali com novos admiradores.

The Obits é um quarteto americano fundado em 2006 e que tem na bagagem três álbuns de estúdio. Fazem um power pop bastante consistente e com canções diretas no queixo,  mas também apresentam temas climáticos e passagens com boas tramas instrumentais. Seu guitarrista solo, Sohrab Habibion, que tocou vestindo uma camiseta com um Gene Simmons toscamente pintado à mão, parece um híbrido de Frank Black e Andy Gill – tem a aparência do primeiro e algo do estilo do segundo. O grupo tocou para um terço da casa, mas conquistou o público pela qualidade de seu repertório e a execução competente.

Metz, mais conhecido por aqui, veio na sequência e fez um set ensurdecedor; aqueles para deixar o tímpano em frangalhos. Me lembro de poucos concorrentes à altura: Motörhead, Mummies e Primal Scream são os primeiros que vêm à mente. O problema, no caso do Metz, é que parece muito barulho por nada. Há quem diga que em disco o material do grupo é coisa séria, mas ao vivo suas canções funcionam como um massacre aos sentidos: timbres metálicos e perfurantes, paredes de distorção e excesso de feedback - tudo em um volume absurdo. A experiência atinge um nível tão extremo que, de um jeito torto, termina por fazer sentido. O trio canadense, que tocou diante de bem mais gente que o Obits, e foi efusivamente aplaudido, soa mais rock’n’roll em sua demência que a maioria dos nomes que pululam nos festivais descolados. É alguma coisa.


E então, para separar homens de meninos, Mark Arm e companhia surgem no palco e mostram como se põe a casa abaixo. Bem ensaiados, coesos e com completo domínio de palco, atacaram de cara com “Slipping Away” e, logo em seguida, com seu novo hit “I Like it Small”, do recente álbum Vanishing Point. Foi o primeiro gol de placa da noite, com o público –algo em torno de 1.000 presentes–, pulando e berrando o refrão. Não demorou e “Suck You Dry”, uma pérola que merece lugar em qualquer antologia noventista, causou alvoroço e a sempre bem-vinda visão do povo enlouquecido na pista.

Durante a primeira metade do set, Arm acumulou as vezes de guitarrista e auxiliou Steve Turner na execução de sua minuciosa fórmula sonora que mistura garageira sessentista, surf, proto-punk e o espírito da Seattle de 25 anos atrás. Mais tarde, livre do instrumento, Mark Arm assume sua persona de frontman. Outras pérolas como “Sweet Young Thing” e “Touch Me, I’m Sick” mantêm a temperatura elevada até o grupo abandonar o palco e retornar para um bis dos mais explosivos.

“Here Comes Sickness” proporciona o início de uma farra de stage diving que deixa seguranças atônitos. Uma lourinha sobe ao palco e, antes de se atirar de volta, tasca um beijo na bochecha de Turner. Minutos mais tarde, reaparece para fazer o mesmo com Arm e despentear atrevidamente seu cabelo. A faixa viajante “When Tomorrow Hits” oferece um breve momento de introspecção e é seguida de “In ‘N’ Out of Grace”. O clima de animosidade entre público e seguranças parece antever algum atrito mais ríspido, mas, então, a mesma lourinha sobe ao palco, levanta a blusa e, sem sutiã, mostra o que a natureza lhe deu. A farra era total, e o Mudhoney apagou fogo com gasolina em uma incendiária sequência com covers de Fang, Dicks e Black Flag.  

Consta que o Sub Pop Festival voltará em 2015. Se depender do sucesso da primeira edição, os promotores devem estar bastante animados.

Nós também.


"Here Comes Sickness" em São Paulo: o início de um bis incendiário