Caixa Preta Entrevista: Voivod (2014)
Após um ano sem atualizações, nada melhor do que (tentar) ressuscitar o blog Caixa Preta com um entrevista especialíssima que realizei com o vocalista da lendária banda canadense Voivod - Denis "Snake" Bélanger.
A conversa aconteceu no dia 29 de abril, véspera do primeiro show do grupo no Brasil em 30 anos de carreira. A ideia original, admito, era entrevistar Michel "Away" Langevin, o baterista e artista plástico que definiu um tipo de estética futurista/cyber punk à qual o Voivod sempre esteve associado. Acontece que Away estava comprometido com outras duas entrevistas, e o papo com Snake também prometia render.
De acordo com a assessoria de imprensa do evento, foi a mais longa entrevista concedida pela banda em São Paulo. E mesmo que em duas ocasiões, e por conta de outros compromissos, o assessor tenha tentado abreviar a conversa, Snake fez questão de falar enquanto foi possível.
A entrevista foi publicada originalmente no Portal Rock Press e segue abaixo na íntegra:
Qual a sensação de
estar fazendo música em 2014 depois de trinta anos de carreira?
É incrível! Viajar pelo mundo e tocar na América do Sul, que
era um lugar para o qual sempre quisemos vir. Tocamos no Chile, mas nunca no
Brasil. Então ainda é muito excitante estar na estrada hoje. Chegamos aqui e
estamos sentindo o espírito, ouvindo os sons, tipo: “Uau, estamos em São Paulo”.
Por que levou tanto
para tocarem por aqui?
Acho que não tínhamos as conexões corretas. Tocamos com o
Sepultura, excursionamos com eles e o Andreas Kisser sempre me dizia: “Vocês
têm que ir para a América do Sul!”. E claro que sempre ouvimos dizer que as
plateias são as mais selvagens que existem e que há uma cena de metal forte no
Brasil. Espero que possamos incluir a América do Sul, e o Brasil,
especificamente, em nossas próximas turnês.
Sou particularmente
interessado pelo álbum “Angel Rat”, pois ele representa uma época singular para
o Voivod. Quais as suas lembranças desse disco?
Foi um álbum interessante de fazer. Nunca quisemos nos
repetir e com “Angel Rat” não foi diferente. A recepção das pessoas foi
estranha. Algumas amaram o disco, outras ficaram desconfiadas. Mas para nós,
você sabe, o processo de fazer um álbum é o mesmo, uma coisa leva naturalmente
a outra. E me parece que esse disco está sendo redescoberto agora e muitas
pessoas finalmente o entendem pelo que ele é.
E qual sua opinião
sobre o resultado final? Ficou satisfeito com a produção?
Sim, o produtor desse álbum é Terry Brown, que trabalhou
várias vezes com o Rush. Um cara desses trabalhando com a gente foi empolgante.
E eu amo o álbum, canções como “Clouds in my House”... Eu amo as composições. Agora
esse disco aparentemente é um capítulo da nossa história.
Ouvi dizer que uma
das razões para o Blacky deixar a banda foi o fato de Terry Brown ter eliminado
alguns efeitos de distorção do baixo. Isso é fato ou houve outros motivos?
Sim, mas houve também razões pessoais. É difícil você se
manter na mesma direção por tanto tempo, então acho que isso contribuiu para
que ele saísse. Mas sobre essa parte você precisaria perguntar diretamente para
ele (risos).
Me refiro aos
aspectos de produção, se houve esse tipo de desentendimento. De qualquer forma,
o baixo soa incrível no disco.
Sim, sim, é verdade, ele [Terry Brown] realmente eliminou
algumas coisas na gravação do baixo, mas não que tenha havido alguma reunião a
respeito, algo como: “Ei, você cortou o efeito do meu baixo!”.
E como foi estar sob
contrato com a MCA? Vocês sofreram pressão para se tornarem grandes vendedores
de discos?
É diferente estar em uma companhia grande como aquela. Mas
não sofremos pressão, embora nós tenhamos
sentido
a pressão (risos). No primeiro álbum que gravamos com eles, “Nothingface”,
fizemos um cover de “Astronomy Domine” e que teve uma ótima resposta, então,
obviamente, aumentaram as expectativas da gravadora. Mas “Angel Rat” é um disco
bem particular, com os acordes estranhos do Piggy e tudo mais, e algumas
pessoas não reconheciam o Voivod nele, embora seja evidentemente um disco do
Voivod, nossa sonoridade está ali.
O fato de o Voivod
nunca se repetir, como você mesmo citou anteriormente, pode ter, de alguma
maneira, feito com que a banda se limitasse a esse status cult, ser uma banda
adorada por outros músicos, mas que jamais atingiu uma grande popularidade?
Bem, nós nunca fomos uma banda que seguiu tendências. Há
grupos que se encontram em determinado nicho e ali eles se mantêm porque se
sentem mais confortáveis. Pode ser que isso tenha impedido que nos tornássemos
uma banda monstruosa, tornou difícil nos classificar dentro uma categoria
específica. Mas há sempre uma outra forma de ver isso. Temos fãs que nos
acompanham e fazemos música pelo prazer de fazer música.
Tempos depois de sair
do Voivod você montou outra banda chamada Union Made. Tenho a demo que vocês
gravaram e é muito boa. Você tem planos de lançar esse material oficialmente? Se
é que ele realmente nunca saiu em CD.
Não, nunca foi lançado mesmo. Esse é um projeto pequeno do
qual participei, mas o fato de eu ter integrado antes o Voivod fez com que o
nome da banda se espalhasse rapidamente. Os membros da banda estão cada um de
um lado, então preciso ver como fazer para lançar isso, mas eu gostaria. Ainda
estou pensando a respeito.
Existe uma gravação
ao vivo do Union Made que tem uma qualidade muito boa também. Seria um
lançamento interessante.
Sim, é verdade. Só preciso falar com os outros caras antes
de lançar (risos).
Falando de seu
trabalho pessoal, você gravou os vocais e escreveu a letra para uma das músicas
(“Dictatosaurus”) do projeto Probot, do Dave Grohl. Foi estranho o processo de
encaixar a voz sem a presença de outros músicos? Ele te enviou apenas o
instrumental básico, certo?
Sim, foi bem diferente. Quando a música chegou nas minhas
mãos, falei: “Uau! Mas o que é isso?”. No início não entendi muito bem, mas
depois soube que faria parte de um projeto que ele estava desenvolvendo,
convidando diferentes vocalistas para cantar em cada faixa, como Cronos, do
Venom, King Diamond, Lemmy… E aí, quando ouvi a música, percebi que ele se
inspirou nos riffs do Piggy e tudo, e percebi que ele queria uma música do Voivod
(risos). Então eu trabalhei em cima,
demorou algum tempo. Eu acho que fui o primeiro a receber uma faixa do Probot
para colocar a voz. Então eu fui ao estúdio, fiz uns improvisos. E acabei
voltando uma segunda vez para gravar uma versão mais elaborada e escrevi a
letra também. Fui o primeiro a mandar a gravação de volta, mas o disco ainda demorou
bastante para ser lançado. Depois encontrei o Dave em Montreal, com uma amiga
dele, durante o Natal. Fomos a um clube e ele me disse que tinha ouvido a gravação
e adorado. Fiquei aliviado e pensei: “Ufa, ainda bem que ele gostou!” (risos).
E o Away [baterista
do Voivod e artista plástico] criou também a capa do disco do Probot. Tem muito
Voivod ali.
Sim, é verdade! Acho que ele [Grohl] ama nossa banda (risos).
Acho que sim. Por
acaso você já viu uma entrevista com o Dave Grohl em que ele fala por 19
minutos seguidos apenas sobre o Voivod?
Sim, eu vi. Fiquei chocado! (risos). E ele nos descreveu
muito bem como banda. Foi uma honra.
É curioso como o
Voivod é adorado e reconhecido por outros músicos. Há um vídeo na Internet de
Phil Anselmo [ex-vocalista do Pantera] cantando “Astronomy Domine” com vocês em
um show. E dá pra perceber que ele ficou muito
empolgado.
Sim, isso é muito legal. Um orgulho para nós. Há muitos
músicos de estilos diferentes que já se declararam fãs do Voivod. É uma forma
de reconhecimento.
Você consegue fazer
uma lista com seu Top 3 do Voivod? Os três álbuns favoritos entre os que vocês
gravaram.
Hahaha, essa é um pouco difícil! Mas vou tentar: “Dimension
Hätross” ficaria no topo. “The Outer Limits” é um disco especial também. E acho
que “Target Earth”, o nosso mais recente. Esses seriam os meus favoritos.
Falando em “Target
Earth”, vocês pensaram em colocar um fim na banda após a morte do Piggy ou
tinham a ideia firme de continuarem na estrada mesmo sem ele?
Quando o Piggy morreu eu pensei que tudo tinha acabado. Como
substituir um músico tão singular? Então deixamos as coisas paradas por um
tempo. Mas aí fizemos um show com o Daniel [Mongrain] e ele é um fã do Voivod
desde que tinha 13 ou 14 anos de idade. O primeiro show que ele viu na vida foi
do Voivod e depois disso decidiu comprar uma guitarra e aprender a tocar
estudando exatamente as músicas do Voivod, então acabou funcionando muito bem.
Voivod toca o clássico "Tribal Convictions" no Hangar 110, em São Paulo.