ÚLTIMAS COLUNAS
Leia, comente, compartilhe

Nirvana e Celtic Frost: o elo perdido

Há alguns anos, Dave Grohl revelou em entrevista que durante uma turnê do Nirvana, Kurt Cobain tocava sem parar uma fitinha cassete com Smithereens e Celtic Frost. Dá para entender que a sensibilidade pop e o som sujo do Nirvana tenham saído de combinações bizarras como espremer "A Girl Like You" e "Morbid Tales" na mesma fórmula.

Muito longe de Seattle, Thomas Warrior, mentor do Celtic Frost, era também um secreto admirador de música pop. A banda suíça regravou, com diferentes resultados, canções de gente como Roxy Music, David Bowie e Wall of Voodoo.

A troca de influências entre artistas tão diferentes resultou em discos emblemáticos. Cobain foi o artesão que resgatou a nata dos sons underground e a reprocessou na forma de um álbum que, há 20 anos, promoveu uma das últimas revoluções na música popular, dando início a uma corrida do ouro atrás das mais quentes bandas lado B.

A obra do Nirvana teve fim abrupto com In Utero, atestado de um artista em rota de colisão com a fama e cuja válvula de escape era a autosabotagem pop. Seus sucessos eram impiedosamente descontruídos ao vivo e canções pouco palatáveis eram incluídas num repertório que vinha de estrondosa aclamação.

Tom Warrior correu riscos inversos: levou a inventividade a um gueto fechado e radical. O sinistro power trio de Zurique já tinha flertado com o crust punk e formatado o som do death/black/goth metal quando, em 1987, lançou o inclassificável Into the Pandemonium.

O álbum costurava a conhecida sonoridade pesada e sombria com material nada óbvio. Da regravação de um sucesso da new wave até uma peça com arranjo de cordas na voz da cantora belga Manü Moan, passando ainda por um torto tema orquestral, uma faixa eletrônica e o encontro do metal europeu com backing vocals reminiscentes de R&B.

A influência do Nirvana, em sua existência relâmpago, é incomensurável. Nevermind tem status de grande arte e Grohl, sobrevivente na selva do music business, equilibra hoje o estrelato do rock de arena do Foo Fighters com pequenos prazeres como gravar com Killing Joke e Queens of the Stone Age.

O Celtic Frost seguiu trajetória errática até o final. Tentou arruinar a própria carreira ao emular o metal farofa de Los Angeles no álbum Cold Lake, cujo resultado é uma divertida e pouco comercial mistura de glam com barulho. Em 2006, o grupo saiu da letargia para gravar seu apropriado epitáfio musical: o sombrio e depressivo Monotheist, disco de cabeceira para góticos e fãs de vampiro em geral.

As aventuras musicais de um lado e outro se chocariam em "Big Sky", faixa do álbum homônimo do Probot. À distância de um oceano, um pouco do Celtic Frost e do Nirvana finalmente se encontraram.

Impossível é nada.


Em 1985, o Celtic Frost ataca de "Circle of the Tyrants"


"Breed": uma das gemas de Nevermind ao vivo

Queen e a obsolescência do rádio

Quando estou dirigindo, costumo ouvir rádio AM ou meus próprios CDs. FM? Muito raramente. Dia desses, com compromissos em diversos cantos da cidade, passei horas no carro e me rendi a ouvir a trilha sonora de terceiros.

Na última rádio rock que restou em São Paulo, escutava os velhos hits de sempre: "48 Crash", "Lucy in the Sky with Diamonds", "Rock'n'Roll". No fim da tarde, ouvi Queen pela terceira vez no dia. Um exagero, claro. Mas a última música, "Radio Ga Ga", trazia uma mensagem escondida.

Me recordo de quando a canção fazia sucesso, lá por 1984, e alguns fãs mais ortodoxos achavam que o Queen estava acabado. Eu gostava da música mesmo assim. Era muito garoto pra me importar com os 'velhos tempos' e gostava dos arranjos e daquela melodia meio tristonha.

Me agradava também o clipe promocional criado em cima de "Metropolis", clássico de Fritz Lang. O expressionismo alemão emprestava ares de um futuro retrô pra falar da era do vídeo e os tempos sombrios que aguardavam pelo rádio.

A boa sacada do Queen passou batida para muita gente. Lembro de "Radio Ga Ga" ser anunciada, na época, como uma homenagem ao rádio. Não era exatamente isso, ou era, mas de forma torta.

O baterista Roger Taylor, autor da faixa, vaticinava os riscos da obsolescência do rádio e antecipava em décadas as transformações da música pop e sua relação com o ouvinte.

O verso abaixo é profético e revelador:

So don't become some background noise
A backdrop for the girls and boys
Who just don't know or just don't care
And just complain when you're not there


(Então não se torne um ruído de fundo
Um pano de fundo pra garotas e rapazes
Que não querem saber ou não se importam
E só reclamam quando você não está lá)

Pelo menos 20 anos antes da hora, o Queen previa a chegada de uma juventude dispersa e para a qual a música é trilha acessória de tarefas banais.

E o rádio, gagá como nunca, há muito deixou de formar o gosto do ouvinte, de servir como plataforma de lançamentos e termômetro de popularidade. Buscou nichos de mercado pra sobreviver e reembalou tudo que é velho como clássico, atendendo uma audiência nostálgica e que, não sem alguma razão, desdenha do que a música atual tem a oferecer.

Proliferam os clichês, faltam conteúdo e inteligência. Os programetes são variações do mesmo tema e sem o menor cuidado com o básico: encadear canções para criar uma atmosfera. Vão de Steely Dan a Iron Maiden com a delicadeza de um gorila pintando porcelana.

O futuro é desanimador para quem espera alguma mudança significativa. Experiências fracassadas de uma estação com grife de college radio e de outra, abertamente comercial, que entregou por algum tempo a programação a Fabio Massari, reforçam o ceticismo.

Mas no marasmo da frequência modulada, nem é preciso esperar muito para ouvir Freddie Mercury dizer, outra vez, como há quase 30 anos, e só pra nos lembrar: "How music changes through the years".


Queen viaja no tempo para avisar que o rádio se tornava obsoleto