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Nuclear Assault - De volta para o futuro

O primeiro artista estrangeiro que entrevistei foi o novaiorquino John Connelly, vocalista e guitarrista do Nuclear Assault.

O encontro aconteceu em 1989, no lobby do hotel PanAmericano, na Rua Augusta. Na ocasião, tive a companhia de dois amigos, irmãos gêmeos, que editavam um simpático fanzine no Rio de Janeiro chamado Necronomicon. Eu tinha também meu próprio fanzine, gloriosamente criado com o auxílio de uma máquina de escrever Remington 25 e diagramado à base de tesoura, cola Pritt e reduções em xerox. Definitivamente, outros tempos.

Me lembro vagamente da entrevista. Mas não me esqueço do choque de realidade que foi ouvir Connelly afirmando que, ao voltar para Nova York, seu projeto era arranjar um emprego. Na época, a sensação geral era de que todos aqueles caras viviam de música. Não importava que fossem bandas obscuras e de zero potencial comercial. Qualquer cara de cabelos compridos, que tivesse discos lançados e tocasse fora de seu país, não podia bater cartão. Era inimaginável.

Poucos anos depois, Connelly terminaria seu disco solo, Back to Basics, com um esculacho country chamado "Long Haired Asshole". Demorei pra sacar a ironia.

A vinda do Nuclear Assault foi um daqueles eventos pontuais e históricos da época. O show aconteceu no Dama Xoc, palco de grandes atrações nos anos seguintes, e lotou. Foram duas noites, ambas com abertura (morna) do Sepultura que, à época, lançava sua carreira internacional com o álbum Beneath the Remains.

Os novaioquinos tiveram a sapiência de tocar, quase na íntegra, o disco Game Over -até então, o único lançado no Brasil- e a molecada delirou com faixas do calibre de "Sin" e "Betrayal". O Nuclear Assault fazia uma música com frescor, misturando o thrash da Costa Leste com elementos do hardcore/punk.

Estive presente na primeira noite, aquela em que Connelly abandonou a guitarra, cansado da precariedade técnica à brasileira, e apenas cantou. O guitarrista-solo, Anthony Bramante, segurou a onda sozinho. Não sei se John Connelly teve outra experiência como essa ao longo da carreira, mas ele, definitivamente, aproveitou o momento.

O contrabaixo com pedais de extrema distorção já eram marcada registrada de Dan Lilker, um sujeito que se tornou rapidamente uma lenda no underground, tendo integrado Anthrax, S.O.D. e o próprio Nuclear Assault num curto período de tempo. E o baterista Glenn Evans -de quem tive o trabalho solo In The Red em fita-cassete importada e original- era uma autêntica casa de força.

Não sei se por falta de bom senso ou simples má organização, os shows nos anos 80 terminavam sempre na alta madrugada, quando não havia mais transporte público. A plateia adolescente se virava como podia para voltar para casa. E a maioria terminava a noite encostada num balcão de bar ou mesmo dormindo na rua.

Ao fim do show do Nuclear Assault, arriscamos, eu e meus amigos, tomar um derradeiro ônibus da madrugada para qualquer lugar. A ideia era que qualquer coisa seria melhor que ficar ali parado.

E terminamos no lugar mais próximo do seriado "Além da Imaginação" que se pode imaginar: um descampado de terra batida, coberto de neblina e com absolutamente nada ao redor.

No próximo sábado, o Nuclear Assault volta a São Paulo para tocar para uma plateia de adultos num mundo que, 22 anos depois, esqueceu-se das máquinas de escrever, fitas-cassete e fanzines xerocados.

Mas que ainda precisa de barulho.


"Critical Mass", do álbum Handle With Care, de 1989: o show no Brasil privilegiou o disco Game Over, lançado 3 anos antes.

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Adendo: leia aqui a resenha do show que escrevi para o Portal Rock Press ao qual este blog é ligado: http://bit.ly/pScN66

Músicas para ouvir ao volante

Toda sexta-feira é assim. Do meu escritório, ouço carros carros pra lá e pra cá com música no último volume.

Começa cedo, lá pelas 10 da manhã. Conforme a tarde avança, a quantidade de carros despejando detritos sonoros no ar só aumenta. Funk carioca, sertanejo pop, forró universário, mais funk carioca. Às vezes, um reggae malemolente. E mais funk proibidão.

Uma verdadeira tortura.

De vez em nunca, alguém foge à regra. Dia desses, passou um maluco ouvindo "Another Brick in the Wall". Soa totalmente fora de contexto também, mas já é um alento.

Decidi montar um antídoto para salvar as sextas-feiras do mau gosto alheio. Vejam como ficou e dêem suas dicas:

JOHNNY CASH - Murder
Se é pra ouvir música caipira, que tal começar o dia com uma compilação do Homem de Preto só com canções sobre morte e assassinato?
Essa belíssima coletânea foi lançada anos antes do revival causado pelo filme "Johnny & June" e faz parte de uma trilogia que tem ainda os volumes God e Love. O disco conta com uma simpática apresentação de Quentin Tarantino e traz clássicos absolutos do mestre como "Folsom Prison Blues" e "Long Black Veil".

TIM MAIA - Tim Maia Racional Vol. I e II
Se a sexta é o dia oficial do funk carioca, vamos respeitar os costumes e compartilhar com o povo os melhores discos da vida do Síndico: os dois volumes de Tim Maia Racional.
Essas gemas foram gravadas enquanto Tim estava enfiado na destrambelhada seita Universo em Desencanto e são imperdíveis.
Letras bizarras, groove pulsante, arranjos sofisticados e um fino trabalho do grande Paulinho Guitarra.
THE B-52's - Cosmic Thing
Não existe um antídoto pronto para a praga do forró universitário, mas a gente inventa.
Se a chegada do fim de semana faz os esqueletos sacolejarem, mostre aos pedestres e motoristas do seu pedaço que nem tudo é rala-coxa.
Abra os vidros de sua caranga para propagar os crocantes hits do melhor disco dos B-52's. Um álbum que tem canções ensolaradas como "Roam" -produzida pelo grande Nile Rodgers, do Chic- e "Love Shack", a afetada sofisticação de "Channel Z" e vocalizações sublimes do início ao fim, merece um lugar na trilha sonora de qualquer cidade.

ISAAC HAYES - Don't Let Go
A noite chegou e o povo se diverte, andando pra cima e pra baixo ouvindo mais proibidão. Não tem problema, vamos com um dos mais subestimados discos do deus do funk, Isaac Hayes. Gravado em 1979, durante a febre da disco music, Don't Let Go é diversão garantida e um desfile de arranjos riquíssimos e sacanagens sussurradas ao pé do ouvido.
A faixa-título e "Fever" botam fogo até numa reunião da Tupperware e, como é sexta-feira, você ainda pode lançar o truque com "A Few More Kisses to Go" e levar aquela gatinha para um lugar mais reservado. Eu garanto: ela não vai resistir.

TURBONEGRO - Apocalypse Dudes
Madrugada. Blitz da Lei Seca. E seu hálito já é suficiente para acender uma churrasqueira. À essa hora vale tudo: aumente o volume e bombardeie o carro do lado com um dos discos mais depravados do rock'n'roll.
Apocalypse Dudes é o clássico do norueguês Turbonegro. E não é por acaso. Do elogio à uma espelunca que serve as melhores pizzas ("Age of Pamparius") ao punk com slide guitar de "Prince of Rodeo", passando por faixas com lindos títulos como "Self Destructo Blast" e "Rock Against Ass". Olho na pista e pé na tábua!

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O povo quer funk? Isaac neles!


A letra já é um convite a cair na estrada. Aumente o volume e siga em frente!