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A obscura fase new wave de Alice Cooper

Daqui a uma semana, Alice Cooper toca no Credicard Hall, em São Paulo. Se nada de novo acontecer até lá, a passagem do inventor do rock horror pelo país vai passar em branco pra mim.

Eu gostaria de ver o sexagenário Alice ao vivo, ainda que ele pareça perdido na dispersa música do século 21. Mas a frustração de saber que seus clássicos esquecidos do início dos 80's serão solenemente ignorados me faz pensar 3 vezes antes de encarar o show.

Esqueça as cobras, aranhas e guilhotinas. O Alice Cooper que eu mais gosto é aquele que abandonou seu teatro de horror e abraçou a sonoridade pop-punk-new wave com uma assinatura própria e que rendeu 4 discos descolados, dançantes e repletos de humor negro.

Os álbuns Flush the Fashion (ótimo título!), Special Forces, Zipper Catches Skin e o complexo e sofisticado DaDa são muito bons. Todos eles.

Até topar com essa ignorada fase da carreira de Tia Alice, eu tinha uma imagem unidimensional do autor de "School's Out". Inteligente, sagaz, mas, de alguma forma, preso à uma fórmula condenada a envelhecer.



Tudo mudou quando, em 1990, pus as mãos na versão em LP de Special Forces. Fui imediatamente fisgado pela revigorada energia de Cooper em temas repletos de riffs de guitarra crocantes, teclados espertos e arranjos de alta sensibilidade pop.

De "Who Do You Think We Are", que abre o disco num dos momentos mais "rocker" de Alice, passando pelo faiscante cover de "Seven and Seven is", do Love, até a gema new wave "Prettiest Cop of the Block", tudo exala frescor e novidade.

"You Look Good in Rags" é baseada num simples e marcante riff, com direito a um jogral pirado; "Skeletons in my Closet" mostra o lado cool e contido de Cooper, a versão '81 de "Generation Landslide" é demolidora e "Vicious Rumors" é outro rock'n'roll de fina cepa.

Tudo em Special Forces soa muito bem quase 30 anos depois: a voz de Alice, os lampejos punk e as letras que estão entre as melhores que ele já escreveu. Ouvir frases como "You make a 2 dollar t-shirt obscene" ou "Do you want a Spanish lover to lay in bed all day? Ole!", pronunciadas do jeito que são, é divertidíssimo. A influência do velho padrinho Zappa nunca ficou tão evidente.

Infelizmente, Special Forces e os outros álbuns da fase new wave de Alice Cooper desapareceram na poeira do tempo. Alice, que na época andava completamente bêbado e foi dispensado pela Warner após sucessivos fracassos comerciais, jura que mal se lembra de ter gravado os 4 discos.

Mas se ele fosse maluco o suficiente para privilegiar esse repertório ao vivo, eu não perderia o show por nada.


Alice Cooper na turnê de Special Forces, em 1981. O áudio dos vídeos -raros- não faz justiça à qualidade das canções.


Alice Cooper ou Adam Ant? A versão 80's de Tia Alice interpreta a arrasa-quarteirão "Who Do You Think We Are", de Special Forces.

Bad Brains em dose dupla

No início dos anos 90, um amigo resolveu abrir uma loja de discos fora do manjado circuito da Galeria do Rock. Em meus momentos de ócio, criativo ou não, eu passava por lá para falar sobre música e, eventualmente, sair com um disquinho na sacola.

Numa tarde qualquer, e prefiro acreditar que o link da conversa tenha sido meu entusiasmo pelo álbum Time's Up e a primeira vinda do Living Colour ao Brasil, recebi um LP emprestado sem qualquer pista. Meu amigo passou o disco e limitou-se a dizer: "Ouça isso!". Era Quickness, do Bad Brains.

Parece estranho, mas na época pouquíssima gente falava sobre a banda por aqui. Apenas nos anos seguintes é que o quarteto de Washington DC foi captado pelo radar do público brasileiro. Aquele disco então, em tempos pré-internet, era tratado como novidade: tinha sido lançado há apenas 1 ou 2 anos.

A capa de Quickness era uma antítese para a explosão de cores e texturas do Living Colour: a foto dos músicos em PB sobre um fundo branco básico. Em lugar de roupas extravagantes e óculos escuros, camisas de flanela e dreadlocks com a espessura de galhos de árvore.

Quando coloquei o vinil para rodar foi como se tivesse levado um choque. O riff lancinante e a distorção de guitarra de "Soul Craft" não pareciam com nada que eu tivesse ouvido. E a voz de HR, naqueles tempos e ainda hoje, soa absolutamente singular.

Comprei uma cópia de Quickness em CD, depois I Against I em vinil (branco) e, numa viagem à Itália pouco depois, consegui a versão em LP do relativamente raro Attitude.

Numa de minhas audições, reconheci uma das faixas de I Against I como um dos temas incidentais do lendário programa de skate "Grito da Rua", exibido pela TV Gazeta, de São Paulo, nos anos 80.

Pouco tempo depois, a MTV Brasil exibiria em seus programas mais alternativos os clipes de "Soul Craft" e "I Against I". E o próprio Bad Brains, sem HR, gravaria o álbum Rise pela Maverick Records, selo da Madonna, tendo alguma execução nas rádios-rock da época.

Desde então, as informações sobre esses punks afro-americanos tornaram-se fartas por aqui. Do semi-anonimato, o Bad Brains virou mais do que apenas um fenômeno cult. E mesmo em seu país de origem, a banda obteve um reconhecimento ainda que tardio. Vários artistas citam a influência do grupo e as qualidades do talentoso guitarrista Dr. Know. A canção "Sailin' On", por exemplo, foi regravada por nada menos que três artistas tão populares quanto diferentes: No Doubt, Living Colour e Moby.

Em 2007, mais de 15 anos após desvendar Quickness, vi o Bad Brains ao vivo numa Eazy (antiga Broadway) completamente lotada. Na ocasião, a banda excursionava para divulgar Build a Nation, álbum produzido por Adam Yauch, dos Beastie Boys.

Apesar da sentida ausência de HR, substituído nos shows brasileiros por Israel Joseph I, o vocalista do disco Rise, a apresentação foi antológica. Testemunhar, ao vivo, temas que ajudaram a fundar o hardcore americano, como "Pay to Cum" e "Banned in DC", entrecortados pelo reggae mântrico e enfumaçado que só eles sabem executar, foi realmente emocionante.

O único volume de história que possuo sobre a banda é o charmoso livro "Banned in DC", que traz um painel fotográfico da fervilhante cena hardcore punk de Washington entre 1979 e 85.

Mas há pouco tempo descobri que existem mais 2 itens que prometem ser essenciais a quem aprecia a complexa obra desses heróis negros do punk: um documentário sobre o Bad Brains e outro sobre o excêntrico HR.

Nunca é tarde para (re)descobrir o talento de músicos como esses.


Trecho do documentário, ainda em fase de produção, que promete registrar a carreira do Bad Brains


E aqui, o clipe da poderosa "Soul Craft".

David Bowie - a biografia

"The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars é um desses raros álbuns que teriam tornado o artista uma lenda mesmo que não tivesse feito nada antes ou depois. (…) Se toda a carreira de Bowie nos anos 60 e comecinho dos 70 não tivesse existido, e se ele fosse atropelado por um ônibus de dois andares na primavera de 1972, ainda estaríamos falando sobre ele. (…) Essa é a magnitude de Ziggy, o disco".

O parágrafo acima é um dos melhores nas mais de 400 páginas que compõem "Bowie", recente biografia de David Bowie escrita pelo jornalista Marc Spitz.

Há uns 10 anos li outro livro de Spitz, também muito bom, chamado "We Got the Neutron Bomb", cuja fórmula repete exatamente aquela do badalado "Mate-me, por favor": depoimentos de gente da fauna musical remontando um momento histórico. No caso, o punk de Los Angeles.

Em "Bowie", Spitz vai além do trabalho de repórter e editor, e conta a história de David Bowie à sua maneira. O jornalista fez um minucioso trabalho de pesquisa. Visitou a casa onde Bowie nasceu, conheceu os bares e clubes que ele frequentava, entrevistou muita gente e leu-assistiu-ouviu muito do que seria a fonte de inspiração do artista. De antigos seriados e programas de TV até bandas obscuras dos anos 60.

O formato segue a cronologia clássica, mas com muitos insights e observações em primeira pessoa. O autor garante, logo no prefácio, que o desafio de fazer o livro foi equilibrar o jornalista e o fã assumido. Talvez por isso, Spitz tenha escolhido imprimir um estilo pessoal para contar a vida de outra pessoa. Não é como se o autor fosse um narrador neutro. Ele próprio faz o papel de um observador que, vez ou outra, ilustra como foi afetado pessoalmente pela música de Bowie.


Os highlights na carreira do biografado são mais que conhecidos. Mas "Bowie", o livro, tem farto material para devoradores de cultura pop e que começa ainda na infância do menino David Jones.

Como outros artistas de sua geração, Bowie cresceu numa modesta família de classe média baixa. Sua infância foi passada no ambiente do pós-guerra europeu e, até por viver com adultos ainda assombrados pelo passado recente do nazismo, teve o imaginário capturado pela efervescência e prosperidade que reinavam do outro lado do oceano.

Na pré-adolescência, testemunhou e se apaixonou pela primeira geração do rock'n'roll. Ganhou uma guitarra do pai -um ex-empresário cultural falido- e, mais tarde, tornou-se aluno de Owen Frampton, pai do aspirante a guitarrista Peter Frampton.

Virou mod, hippie, rockeiro psicodélico e adepto da folk music. Bowie era uma esponja e muito do que ele ouviu e das pessoas com quem se relacionou, foi parar em sua biblioteca mental para ser, a seu tempo, reprocessado de forma singular.

E não pense que foi fácil: David integrou várias bandas mal sucedidas nos anos 60. Seu amigo, contemporâneo e rival criativo Marc Bolan atingiu o sucesso muito antes, fomentou a onda de idolatria batizada de T. Rextasy e depois virou poeira perto do sucesso colossal de Bowie. Quando morreu, num acidente de carro, sua obra já estava congelada no tempo.

Bowie fez o contrário. Se meteu com o povo do teatro, da mímica e das artes plásticas. Foi influenciado por muita gente, como Dylan, Iggy Pop e Velvet Underground, mas influenciou não apenas o triplo de artistas como, pelo menos, três gerações inteiras de fãs. Tornou-se um ícone cultural da década de 70 e relevante até os anos 00.

Algumas passagens do livro são imperdíveis, como a "fase Los Angeles", pós-Ziggy, em que Bowie, um então cocainômano incontrolável, foi morar na casa de Glenn Hughes, na ocasião baixista do Deep Purple. O criador de "Space Oddity" e "Starman" estava, na época, com a cabeça literalmente nas estrelas. Fruto de uma família com diversos casos de esquizofrenia -incluindo seu meio-irmão, Terry Jones, que foi consumido pela doença-, David desembestou a falar sobre extraterrestres, OVNIs, magia negra e magia branca. Nessa fase, ficava 72 horas sem dormir e recomeçava, do mesmo ponto, conversas que havia tido dias antes.

Quando desmantelou a banda de apoio Spiders from Mars e aposentou o herói glitter Ziggy Stardust, deixou órfã toda uma legião de fãs. Cherry Currie, cantora das Runaways, viu um show de Bowie na turnê "Philly Dogs", em que reinterpretava o material do disco Diamond Dogs com a pegada do soul da Filadélfia. Quando viu o ex-alien andrógino metido num, como diz o autor, "terno de michê porto-riquenho", ficou horrorizada.

Interessantíssima também a descrição do período que levou à criação de Ziggy e ao sucesso de Alladin Sane, em que Bowie era empresariado pelo astuto advogado Tony Defries, fundador da produtora MainMan. A agência empresariava gente como Lou Reed, Iggy Pop e alguns maluquetes egressos da trupe de Andy Warhol. Bowie era o centro de tudo e sua influência pode ser medida por ter, inclusive, mixado o clássico Raw Power, dos Stooges.

A leitura faz com que os anos 70 se passem em frente aos nossos olhos. Sem ter estado lá, dá para criar conexões imaginárias entre o modus operandi da MainMan e da produtora de cinema independente BBS -do trio Bert Schneider, Bob Rafelson e Steve Blauner- que lançou alguns filmes, como o emblemático Easy Rider - Sem Destino, que definiram aquele mesmo período e implodiram a antiga Hollywood. A cultura popular estava em ebulição.

Mas há muito mais para ler e se impressionar. A vida de Bowie em Berlim, quando aliou-se ao cerebral produtor Brian Eno para criar a experimental "Trilogia de Berlim" -formada pelos discos Low, Heroes e Lodger- que influenciou, de uma única vez, a new wave, o pós-punk e o rock industrial. Ou então o sucesso arrebatador de Let's Dance e as diversas parcerias de sucesso com produtores como Tony Visconti e Nile Rodgers, e músicos do quilate de Robert Fripp, Mick Ronson, Trent Reznor e Carlos Alomar.

"Bowie" é escrito com conhecimento quase enciclopédico de cultura pop, o que, além de tudo, torna a experiência ainda mais enriquecedora. Como prega o autor, num de seus poucos clichês, é material para "ler no volume máximo".

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Bowie, em 1969, interpreta seu primeiro hit, "Space Oddity". O personagem Major Tom seria citado novamente pelo próprio Bowie em "Ashes to Ashes", de 1980, e "Hallo Spaceboy", de 95. E também pelo alemão Peter Schiling em "Major Tom (Coming Home)", de 1983, seu único sucesso.


A belíssima "Life on Mars?", do clássico álbum Hunky Dory, foi escolhida pela revista Q, em 2007, como a terceira melhor canção pop de todos os tempos.