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Morte de Jeff Hanneman e o fim de uma era

A inesperada morte de Jeff Hanneman, já há alguns anos convalescendo de uma condição tão bizarra que parecia material de trabalho para letras do próprio Slayer, sinaliza o fim de uma era. Tanto mais significativo que o guitarrista saia de cena no ano em que "Show No Mercy", álbum de estreia do grupo, completa 30 anos de seu lançamento.

Entre todas as bandas que ajudaram a criar o subgênero thrash metal, o Slayer é a que melhor canalizou a fúria juvenil; aquela que vem acompanhada do desrespeito a figuras de autoridade e a inescapável sensação de imortalidade. O thrash estava sendo inventado enquanto o Slayer gravava, em 1983, a bomba atômica "Show No Mercy". O disco resultou numa combinação de música e conceito tão radicais que fazia impossível, à época, imaginar sua co-optação pelo mundo capitalista adulto.

Ser fã do Slayer e de bandas que circulavam em sua órbita era uma espécie de declaração de intenções: somos nós contra eles. Não era o rock que seus pais podiam apreciar ou sequer o heavy metal de outrora, que já havia perdido a dignidade na época do laquê e das calças Spandex. O thrash, como fizera antes o punk, fornecia perfeito material para catalisar a rebeldia adolescente.


Mas nada disso teria funcionado se, por trás do radicalismo, não houvesse também boas ideias musicais. Jeff Hanneman e Kerry King revelaram-se os artífices do som do Slayer. Foi a capacidade da dupla de criar riffs sobrenaturais e sacá-los da cartola no momento exato -fórmula já insinuada no álbum de estreia, e elevada à uma particular forma de arte em "Reign in Blood"- que colocou o Slayer num patamar acima de seus pares. Enquanto King executava solos de guitarra lindamente toscos, Hanneman era o sujeito que emprestava melodias quase assobiáveis no meio da rifferama infernal do Slayer. A combinação dos dois guitarristas é uma dessas faíscas de invenção que raramente se produz.

O tempo passou, o thrash metal esgotou suas fórmulas e alguns de seus principais representantes caíram no ostracismo. Em momento emblemático da década de 90, enquanto o Metallica, oriundo da mesma cena, tornava-se grande e comercial demais, o Slayer nadava sozinho. Nenhuma outra banda foi capaz de carregar sua identidade radical com tamanha firmeza durante tantas modas e tendências. A ideia de que o Slayer era um porto seguro à prova de comercialismo, um grupo cuja música não se podia usurpar para fins pouco nobres, transformou muitos fãs originais em adeptos de longa data.

Assim, é impossível não saber da morte de Jeff Hanneman sem rememorar o ano de 1985, quando adquiri, por simples identificação, uma cópia de "Show No Mercy". Não sabia nada sobre o Slayer, mas a capa tosca, as faixas com títulos infames e as fotos dos músicos, que pareciam personagens de algum filme de terror, foram suficientes para capturar minha imaginação. E o pacote completo revelou-se com o poderio sônico que se escondia em riffs como o de "Antichrist" ou na pancadaria punk de "Evil Has No Boundaries". O estrago estava feito.

Vinte e oito anos mais tarde, é fácil entender que nossos heróis não são eternos, mas que sempre haverá uma centelha de rebeldia gravada em disco para nos permitir voltar à juventude.

Hail, Slayer!

"Show No Mercy": 30 anos em 35 minutos.