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Isaac Hayes, o último bad motherfucker


Há 3 anos morria o maior gênio do soul/funk. Isaac Hayes, cantor, compositor e arranjador, criou não apenas a célebre trilha sonora de Shaft, premiada com o Oscar, mas também uma das pedras fundamentais da soul music: Hot Buttered Soul, de 1969.

A riqueza dos arranjos e a voz de veludo, ajudaram Isaac a fazer história na Stax, gravadora do Tennessee que dividia com a Motown os talentos da black music entre as décadas de 60 e 70. Mas Isaac não era só talento musical. O homem também tinha um incrível senso de estilo: cabeça raspada, óculos escuros e alguma corrente de ouro de 2 quilos. E, claro, nada de usar camisa. Um autêntico bad motherfucker, como ele se autoproclamava.

 

Em tempos de luta pelos direitos civis nos EUA e do subgênero de cinema batizado de blaxploitation, que o próprio Hayes ajudou a popularizar como ator, esse visual era, acima de tudo, uma declaração de autoestima, estilo e malandragem.

Em sua fase mais inspirada, Hayes assinou ainda outro clássico: Black Moses, de 1971. O disco saiu no mesmo ano de Shaft. Impressionante. O LP tinha uma capa sensacional: quando aberta ganhava um formato de cruz e estampava a foto do cantor como o "Moisés negro". A Taschen incluiu Black Moses entre as melhores capas de todos os tempos no livro "1000 Record Covers".

Na metade da década de 70, a Stax praticamente faliu e Isaac se enrolou todo em contratos e dívidas. Assinou a rescisão pra tentar minimizar o estrago e montou seu próprio selo: Hot Buttered Records.

Hayes embarcou nos embalos da disco music e produziu dois álbuns baseados na sonoridade que tomava a América de assalto. O LP Don't Let Go é um estouro. Mas mesmo com o relativo sucesso, o selo também afundou em dívidas e, tal qual James Brown e tantos outros, Isaac viu seu patrimônio ir para o vinagre.

O artista ensaiou uma volta nos anos 80, mas só começou a se recuperar financeiramente quando tornou-se o dublador oficial do esperto personagem Chef, do seriado South Park.

Isaac -pai de 12 filhos- voltou à ressuscitada Stax após uma briga bizarra que o afastou de South Park e planejava lançar um álbum em 2009. Seria seu primeiro de inéditas desde Raw & Refined, de 1995.

De tudo que produziu ao longo de 4 décadas, Isaac Hayes será sempre associado à colossal trilha sonora de Shaft. Ele conseguiu ali, numa única tacada, representar a sonoridade de toda uma época. É como se os primeiros segundos de "Theme from Shaft", com o famoso chimbau e a guitarra com wah-wah, sinalizassem que os anos 70 tinham chegado.

Não é pouco.


Isaac Hayes racha o concreto em 1973 com a versão ao vivo de "Theme from Shaft".

Sweatmaster morre jovem e fazendo barulho

Randy Newman, notório compositor e pianista americano, faz chiste com a ideia de que rockeiros não se aposentam. E é a pura verdade. Ozzy, Iggy, Paul McCartney, Chuck Berry, os Stones. Estão todos por aí.

Mas, vez ou outra, uma banda jovem e cheia de vitalidade puxa o plug. Assim, sem explicação. Param com data marcada, turnê de despedida e se divertindo de montão. Die young, stay pretty. Como na canção do Blondie.

O caso da vez é o trio finlandês Sweatmaster. Daqui a 2 meses, os caras fazem o último show em sua cidade natal. Se despedem entre amigos e depois, dizem eles, nunca mais.

Desconheço os motivos do Sweatmaster parar tão cedo, mas há algo charmoso em escrever rapidamente uma discografia, criar uma impressão e sair de cena. Fica a música.

 

O primeiro álbum de estúdio dos finlandeses tem apenas 9 anos. Desde então, gravaram mais 3 discos - Dig Up the Knife, do ano passado, é o mais recente.

A década de atividade tornou o Sweatmaster uma banda cult entre os adeptos de garage rock. Ficariam famosos com mais tempo de estrada? Provavelmente não, mas a gente ia se divertir bem mais.

Rock'n'roll cru, direto e que te pega pelas tripas é uma especialidade escandinava. Não dá pra errar quando esse tipo de música é executado com a petulância devida e o Sweatmaster sabia disso. Tocavam como se não houvesse amanhã. Não houve.

A morte anunciada do grupo só aumenta a lacuna. Os noruegueses Gluecifer e Turbonegro, e o sueco Hellacopters, todos acachapantes, também foram cedo demais para o cemitério do rock.

Die young, stay pretty. Melhor assim.


80 vezes "Animal": receita para o hit alternativo do Sweatmaster. Vai fazer falta.

Iron Maiden - A serviço de Sua Majestade


Nada representa melhor a ideia da civilização ocidental que a aristocracia britânica. Os modos, a pompa, a circunstância. Está tudo ali.

Muito disso está impregnado em sua gente - do hooligan de dentes estragados ao cantor de britpop com ar blasé. Como diria Christopher Lee num filme B: "Somos ingleses, entende?".

O documentário Iron Maiden: Flight 666, em cartaz até pouco tempo na HBO, é sobre a vida de músicos durante uma turnê. Mas é também sobre uma nova velha forma de colonialismo.

O filme se concentra na primeira parte da turnê espertamente batizada de "Somewhere Back in Time" e mostra os decanos do heavy metal britânico varrendo a borda do mundo em um opulento Boeing 757 personalizado: Índia, México, Costa Rica, Argentina, Colômbia, Brasil, Chile.

A fita ecoa algum interesse sociológico. Como na emblemática cena de um colombiano de uns 30 anos de idade, chorando copiosamente após apanhar a baqueta de Nicko McBrain. A imagem, sozinha, resume o filme.

Não importa se a parte não-documentada da tour tenha ocorrido na Europa ou se, mesmo no filme, vejamos a banda em ação na Austrália, Japão, EUA e Canadá. A paixão desmedida pelo Iron Maiden reside mesmo é na periferia do mundo.

O viajado Bruce Dickinson finge surpresa ao descobrir que tem público na Costa Rica. Se refere ao país basicamente como uma selva. Pouco depois, vemos costarriquenhos correndo atrás do ônibus da banda como refugiados atrás de ajuda humanitária.

Na Argentina, o assédio deselegante incomoda os músicos. No Chile, lembram de quando foram proibidos de se apresentar pela igreja católica, endossada pelo regime Pinochet. No Brasil, um pastor evangélico pirado mostra as dezenas de tatuagens da banda e tenta explicar como inclui o heavy metal na liturgia. Tudo soa exótico e atrasado.

De seu lado, os ingleses são pura classe. Nicko McBrain usa as horas livres para jogar golfe, vestido à rigor. Steve Harris viaja em companhia da família. Bruce Dickinson pilota o Boeing com a elegância de um comandante internacional. Os três guitarristas são bon-vivants.

Não há excessos, desavenças ou grandes revelações. Os protagonistas são unidimensionais: músicos passados da meia idade, muito ricos, adulados e de bem com a vida. Nada da bebedeira solitária do Lemmy ou dos percalços tragicômicos do Anvil.

Mas a história desses e suas imperfeições rendeu filmes bem melhores.

Frank Zappa para iniciantes

Já me deparei algumas vezes na situação de tentar explicar a música do Zappa para algum não-convertido. E acredite: não é fácil. Além de o assunto ser deveras extenso, ainda existe um componente que dificulta a conversa: o tamanho e o ecletismo da obra zappiana.

Talvez o ideal seria apresentar antes o universo de interesses de Zappa, o papel que o humor desempenha em sua música e contextualizar os principais marcos de sua discografia. Mas qual disco indicar a quem pretende desvendar a música do homem?

Dia desses estava ouvindo um álbum de que gosto muito, mas que, particularmente, não entraria no meu top 10 de Zappa: Them or Us, de 1984. Porém, o disco parece ótimo como introdução à zappologia: tem doo-wop, peças instrumentais intrincadas, humor debochado, arranjos vocais sublimes e faiscantes solos de guitarra. Às vezes, quase tudo isso misturado.

A falta de uma orientação clara para o disco, com seus 70 minutos de puro ecletismo e alguma autosabotagem, talvez seja o maior obstáculo para a assimilação imediata de um iniciante. Mas passado o teste, é um bela porta de entrada, tanto para discos mais lineares quanto para outros muito mais radicais.

Them or Us tem dois doo-wops no lado A do LP, que foi lançado originalmente como disco duplo: "The Closer You Are" e "Sharleena". A razão, certamente, é o apreço nostálgico de Zappa pelo estilo. Em sua autobiografia -The Real Frank Zappa Book- ele relembra os tempos em que era baterista (e único músico branco) numa despretensiosa banda de doo-wop nos anos 50.


Mas o disco reserva uma paleta muito mais abrangente: um blues rasgado e escatológico com a voz do lendário bluesman texano Johnny "Guitar" Watson ("In France"), três temas instrumentais ("Sinister Footwear II" é a melhor delas) e um deboche caipira -"Truck Driver Divorce"- que se transforma numa tortuosa jam.

"Ya Hozna" é uma de minhas favoritas: Zappa tocando um riff de heavy metal e invertendo a gravação das vozes de Ike Willis, Moon Zappa e companhia, resultando numa trilha que cairia como uma luva na cena de orgia do último filme de Kubrick.

"Be in My Video", com arranjo vocal primoroso Ike Willis, Ray White e Napoleon Murphy Brock, é uma das faixas mais acessíveis do álbum e satiriza o rock oitentista numa metáfora sadomasô. Sim, Zappa conseguia fazer essas bizarras analogias.

Stevie Vai era um músico desconhecido e obcecado por Zappa até que seu talento e insistência lhe renderam um convite do maestro para integrar a anárquica banda dos anos 80. Sob a influência de uma turminha da pesada, que tinha ainda o exímio baixista Scott Thunes, integrante-relâmpago da banda punk Fear, Vai se entregou à gloriosa promiscuidade da vida na estrada. Os relatos escrachados de seu encontro sexual com uma groupie renderam uma das faixas mais rock'n'roll de Them or Us: "Stevie's Spanking".

Num álbum com quatro temas que ultrapassam os 7 minutos e meio de duração, Zappa encaixou duas ótimas vinhetas -"The Planet of my Dreams" e "Baby, Take Your Teeth Out"-, além da curta e funkeada "Frogs with Dirty Little Lips".

E pra não deixar pedra sob pedra, Them or Us termina com a épica regravação de um clássico do southern rock: "Whippin' Post", dos Almann Brothers.

Se tamanha esquizofrenia agradar seus ouvidos, antecipo o resultado: a música de Zappa te fisgou.


"Stevie's Spanking" ao vivo: antes de jejuar para fazer um disco solo "sério", Stevie Vai era um depravado que fritava sua Fender na banda de Zappa.

Secret Service e os hits da rádio AM

Alguns amigos dizem que tenho uma memória prodigiosa. Não sei se concordo, mas muitos eventos do imaginário pop continuam bem arquivados de cabeça.

Me lembro, por exemplo, onde estava quando ouvi a notícia do assassinato de John Lennon. Tinha 9 anos e sintonizava alguma estação de AM no Fusca de estimação da família. O rádio, diga-se, não tinha opção de FM!

As memórias desse período da infância são assim: têm ambientação e chiado de rádio AM. E foi provavelmente nesse formato que uma canção capturou minha imaginação de criança: a hoje esquecida "Oh, Susie", do Secret Service.

Gravada, enfim, numa fita cassete, eu ouvia a faixa 5 ou 6 vezes seguidas. Rewind e play, rewind e play. Ninguém mais aguentava.

Recentemente meu cérebro deve ter feito algum tipo de becape que tirou "Oh, Susie" do lugar. A melodia voltou a ecoar na minha cabeça sem explicação. E olha que eu não ouvia a música há décadas. É um hit que desapareceu na poeira desses tempos em que o próprio rádio perdeu sua razão de existir.

Baseado na ideia de que a melhor maneira de tirar uma canção da cabeça é ouvi-la, recorri ao YouTube. Não me lembrava do video-clipe de "Oh, Susie" -prova de que a memória não é perfeita-, mas é possível que eu tenha assistido, na época, no programa Som Pop, da TV Cultura.
A música, lançada num single em 1979, é um esboço de synthpop e que já dava boas pistas sobre a proeminência dos teclados na década que se aproximava. "Oh, Susie" tem uma batida simples e guitarrinhas que limitam-se a fazer costuras e um solo econômico. Mas possui um daqueles refrões radiofônicos e uma letra sobre amor adolescente. Sucesso garantido.

Confesso que até hoje eu não sabia absolutamente nada sobre o Secret Service. Para minha surpresa, descobri tratar-se de mais uma exportação da Suécia para a música pop. Impressionante.

Um dos arquitetos do som do Secret Service era o produtor Tim Norell. Após o fim da banda, em 1987, Norell juntou-se ao vocalista Ola Håkansson e a Alexander Bard (da banda pop-gay-brega Army of Lovers) para estabelecer o que seria o principal trio de compositores da música pop sueca.

Håkansson, por sua vez, teve ainda outros 15 minutos de fama num dueto com Agnetha Fältskog, do ABBA. O single ganhou disco de ouro no país de origem.

E você, tem algum hit perdido da infância para compartilhar?



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